PARÓQUIA S. MIGUEL DE QUEIJAS

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Solenidade do Coração de Jesus: Missa 19h00

CorJesus2020A Solenidade do Coração de Jesus, que vamos celebrar na próxima sexta-feira, representa um convite a toda a Igreja para nos abrirmos ao amor de Deus revelado no seu Filho.

Ele veio partilhar a nossa humanidade e trazer-nos o dom do Espírito que nos transforma à sua imagem, tornando-nos participantes da sua própria vida e promotores de uma humanidade nova, conforme o projeto do Pai.

O termo coração, na linguagem bíblica, significa o centro da existência humana, uma confluência de razão e vontade, temperamento e sensibilidade, onde o homem encontra a sua unidade e orientação interior.
Deus tem coração! Ele ama-nos com um amor maior, apesar da nossa fragilidade e do nosso pecado.
Deixemo-nos tocar pelo grande amor e misericórdia que Ele tem por cada um de nós.

Que o Senhor Jesus escute a nossa prece, acompanhe a nossas actividades e abra o nosso coração às dimensões do seu amor, para sermos testemunhas do seu Reino.


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Eis o Coração (S. Boaventura);

Padre Dehon e o Coração de Jesus

«O coração de carne é o símbolo do amor e está tão estreitamente unido à faculdade de amar, que nos dá a ilusão de o tomar pelo órgão mesmo do amor. – O coração de carne é o símbolo do amor. É um facto, é o uso geral de o tomar como símbolo do afecto, da ternura, do amor. Não se diz: «Dou-vos o meu coração», para dizer que vos prometo o meu afecto?

Mas porque foi que a linguagem humana adoptou esta expressão simbólica? É porque o coração está intimamente ligado aos movimentos dos nossos afectos. Quando amamos verdadeiramente, o nosso coração bate mais forte, sob a pressão de um sangue mais quente e mais vivo. O coração comporta-se como se fosse o órgão dos afectos. Mas não é o órgão principal, diz-nos a ciência. Seja! Mas está bastante ligado a todos os seus movimentos para que a linguagem humana tenha podido instintivamente tomar o seu nome para designar o órgão do amor.

Honrando o Sagrado Coração de Jesus, honramos, portanto, principalmente o amor do Filho de Deus e secundariamente o coração de carne que está tão intimamente unido a este amor para ser chamado familiarmente o seu órgão e o seu símbolo.

Quando S. João quer unir-se ao amor de Jesus, que gesto faz? Apoia a sua cabeça sobre este coração que bate por ele com um amor tão terno e tão forte.

Qual não é a nobreza deste coração de carne, que esteve unido com todos os seus batimentos aos afectos, às alegrias, aos sofrimentos do Homem-Deus!» (Padre Leão DEHON)

«A Eucaristia dá a força, a santidade, a caridade. Um povo sem Eucaristia sofre na sua civilização» (Padre Leão DEHON).

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«A Caridade do Coração de Jesus tornou-se piedade profunda face às grandes misérias da humanidade. Ele manifesta a Sua piedade em cada página do Evangelho. Ele age, consola, assiste, cura. Ele quer que vós façais o mesmo». Pe. Dehon

«É do Coração de Cristo aberto na Cruz que nasce o homem de Coração novo... O Coração de Jesus no tabernáculo é o coração da Sua humanidade ressustiada e glorificada. E a Sua vida transborda na Sua Igreja, nos Seus apóstolos, nos fiéis, suscitando em toda a parte o zelo e a virtude.» Pe. Dehon

 

Solenidade do Coração de Jesus

cor555LEITURA I – Os 11, 1.3-4.8c-9
De Deus só sabemos falar à maneira humana, e Ele mesmo, quando quis entrar em diálogo connosco, falou-nos em linguagem de homem, que outra não sabemos entender. É nesta linguagem que o profeta nos anuncia, de maneira veemente, o amor de Deus por nós.

Leitura da Profecia de Oseias
Eis o que diz o Senhor:
«Quando Israel era ainda criança, já Eu o amava;
do Egipto chamei o meu filho. Eu ensinava Efraim a andar e trazia-o nos braços;
mas não compreenderam que era Eu quem cuidava deles.
Atraía-os com laços humanos, com vínculos de amor.
Tratava-os como quem pega um menino ao colo,
inclinava-Me para lhes dar de comer.
O meu coração agita-se dentro de Mim, estremece de compaixão.
Não cederei ao ardor da minha ira, nem voltarei a destruir Efraim.
Porque Eu sou Deus e não homem,
sou o Santo no meio de ti e não venho para destruir».


SALMO RESPONSORIAL – Is 12, 2-3.4bcd.5-6
Refrão: Ireis com alegria às fontes da salvação.

Deus é o meu Salvador,
tenho confiança e nada temo.
O Senhor é a minha força e o meu louvor,
Ele é a minha salvação.

Tirareis água, com alegria,
das fontes da salvação.
Agradecei ao Senhor,
bendizei o seu nome.

Anunciai aos povos a grandeza das suas obras,
proclamai a todos que o seu nome é santo.
Cantai ao Senhor, porque Ele fez maravilhas,
anunciai-as em toda a terra.

Entoai cânticos de alegria e exultai,
habitantes de Sião:
porque é grande no meio de vós
o Santo de Israel.


LEITURA II – Ef 3, 8-12.14-19
O amor de Deus conhece-se pela manifestação que d’Ele nos é feita em seu Filho. É por Ele que nos é dado conhecer o desígnio do Pai, o qual não é outro senão o de chamar todos os homens para formarem um só corpo em Cristo Jesus, corpo este de que a Igreja é sinal.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
A mim, o último de todos os cristãos,
foi concedida a graça de anunciar aos gentios
a insondável riqueza de Cristo
e de manifestar a todos como se realiza o mistério escondido,
desde toda a eternidade, em Deus, criador de todas as coisas.
E agora é por meio da Igreja,
que se dá a conhecer aos principados e potestades celestes
a multiforme sabedoria de Deus,
realizada, conforme o seu eterno desígnio,
em Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Assim, é pela fé em Cristo
que podemos aproximar-nos de Deus com toda a confiança.
Por isso, dobro os joelhos diante do Pai,
de quem recebe o nome toda a paternidade nos céus e na terra,
para que Se digne, segundo as riquezas da sua glória,
armar-vos poderosamente pelo seu Espírito,
para que se fortifique em vós o homem interior
e Cristo habite pela fé em vossos corações.
Assim, profundamente enraizados na caridade,
podereis compreender, com todos os cristãos,
a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo,
que ultrapassa todo o conhecimento,
e assim sejais totalmente saciados na plenitude de Deus.


EVANGELHO – Jo 19, 31-37
A melhor representação do Coração de Jesus é o Senhor crucificado, deixando sair do seu lado, aberto pela lança, o sangue e a água, figura dos sacramentos da Igreja, aí, nesse momento, nascida como Eva nascera do lado de Adão adormecido.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo S. João
Por ser a Preparação da Páscoa,
e para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado
– era um grande dia aquele sábado – os judeus pediram a Pilatos
que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados.
Os soldados vieram e quebraram as pernas ao primeiro,
depois ao outro que tinha sido crucificado com ele.
Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto,
não Lhe quebraram as pernas,
mas um dos soldados trespassou-Lhe o lado com uma lança,
e logo saiu sangue e água.
Aquele que viu é que dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro.
Ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis.
Assim aconteceu para se cumprir a Escritura,
que diz: «Nenhum osso lhe será quebrado».
Diz ainda outra passagem da Escritura:
«Hão de olhar para Aquele que trespassaram».


HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
[12 de junho se 2015, no Retiro Mundial dos Sacerdotes]

Na primeira Leitura penetramos na ternura de Deus: Ele narra ao seu povo quanto o ama, quanto se ocupa dele. Aquilo que Deus diz ao seu povo nesta Leitura tirada do capítulo 11 do profeta Oseias, di-lo a cada um de nós. E será bom pegar neste texto, num momento de solidão, para nos pormos na presença de Deus e ouvir:

«Amei-te quando ainda eras uma criança; amei-te na tua infância; salvei-te; tirei-te da terra do Egipto, livrei-te da escravidão», da escravidão do pecado, da escravidão da autodestruição e de todas as formas de escravidão que cada um conhece, que teve e que ainda tem dentro de si. «Salvei-te! Ensinei-te a caminhar». Como é bom ouvir que Deus me ensina a caminhar! O Todo-Poderoso abaixa-se e ensina-me a caminhar.
Recordo esta frase do Deuteronómio, quando Moisés diz ao seu povo: «Ouvi, vós – eles têm a cabeça tão dura! – quando vistes um deus tão perto do seu povo, como Deus está próximo de nós?». E a proximidade de Deus é esta ternura: ensinou-me a caminhar! Sem Ele eu não saberia caminhar no Espírito. «Eu segurava-te pela mão.
Mas não compreendeste que Eu te guiava; pensavas que te deixaria sozinho». Esta é a história de cada um de nós. «Eu atava-te com vínculos humanos, não com leis punitivas». Com vínculos de amor, laços de amor. O amor liga, mas liga na liberdade; vincula dando-te espaço a fim de que tu respondas com amor. «Eu era para ti como aquele que aproxima uma criança do seu rosto e a beija. Eu inclinava-me e dava-te de comer». Esta é a nossa história, pelo menos é a minha história. Cada um de nós pode ler aqui a sua própria história. «Diz-me, como te posso abandonar agora? Como te posso entregar ao inimigo?». Nos momentos em que temos medo, na hora em que nos sentimos inseguros, Ele diz-nos: «Se Eu fiz tudo isto por ti, como podes pensar que te deixo sozinho, que te possa abandonar?».

No litoral da Líbia, os vinte e três mártires coptas estavam convictos de que Deus não os teria abandonado. E deixaram-se decapitar, pronunciando o nome de Jesus! Sabiam que, enquanto lhes cortavam a cabeça, Deus não os teria abandonado.

«Como te posso tratar como inimigo? O meu coração comove-se dentro de mim e inflama-se toda a minha ternura». Inflama-se a ternura de Deus, esta ternura ardente: Ele é o Único capaz de ter uma ternura ardorosa. Não darei vazão à ira pelos pecados existentes, por todas estas incompreensões, porque eles adoram ídolos. Pois Eu sou Deus, sou o Santo no meio de vós. Trata-se de uma declaração de amor de um pai ao seu filho. E a cada um de nós.

Quantas vezes penso que temos medo da ternura de Deus, e dado que tememos a ternura de Deus, impedimos a sua experiência em nós mesmos. E por isso, muitas vezes somos duros, severos, castigadores... Somos pastores sem ternura!

O que nos diz Jesus, no capítulo 15 de Lucas? Sobre aquele pastor que se deu conta de que tinha noventa e nove ovelhas e que lhe faltava uma. Deixou-as bem protegidas, fechou-as à chave e foi à procura daquela, que estava presa no meio dos arbustos... E não a espancou, nem a repreendeu: pegou nela ao colo, abraçou-a e curou-a, porque estava ferida. Quanto a vós, fazeis o mesmo com os vossos fiéis, quando vos dais conta de que falta um deles no rebanho? Ou estamos habituados a ser uma Igreja com uma única ovelha na grei, deixando que as outras noventa e nove se percam nos montes? Comove-te toda esta ternura? És um pastor de ovelhas ou tornaste-te um pastor que permanece a «pentear» a única ovelha que não se afastou? Porque só procuras a ti mesmo, esquecendo-te da ternura que te concedeu o teu Pai, como no-lo narra aqui, no capítulo 11 de Oseias. E esqueceste o modo como se concede a ternura. O Coração de Cristo é a ternura de Deus. «Como posso deixar que esmoreças? Como posso abandonar-te? Quando estás sozinho, desnorteado, perdido, vem ter comigo e Eu salvar-te-ei, consolar-te-ei!».

Hoje, peço-vos que sejais pastores com a ternura de Deus, que deixeis o «chicote» pendurado na sacristia e que sejais pastores com ternura, inclusive para com aqueles que vos criam problemas. É uma graça! É uma graça divina! Não cremos num Deus etéreo, mas num Deus que se fez carne, que tem um Coração e que este Coração nos fala assim: «Vinde a mim, se estiverdes cansados e oprimidos, e Eu aliviar-vos-ei. Mas tratai os mais pequeninos com ternura, com a mesma ternura com a qual Eu os trato!». É isto que nos diz hoje o Coração de Jesus Cristo, e é isto que peço nesta Missa, tanto para vós como para mim mesmo.


MENSAGEM PARA O DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELA SANTIFICAÇÃO DOS SACERDOTES
[Congregação para o Clero]

Caros sacerdotes,
O Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, celebrado na Solenidade do Coração de Jesus, dá-nos o ensejo de nos colocar na presença do Senhor para renovar a memória do nosso encontro com Ele, dando assim um novo vigor à nossa missão de servir o Povo de Deus. Não devemos, de facto, esquecer que o fascínio da vocação que nos atraiu e o entusiasmo com que escolhemos o caminho da especial consagração ao Senhor, bem como os prodígios a que assistimos na nossa vida presbiteral, têm a sua origem na troca de olhar que se deu entre Deus e cada um de nós.

Todos nós, de facto, “tivemos na nossa vida algum encontro com Ele” e, cada um de nós pode fazer a sua memória espiritual e voltar à alegria desse momento, “em que senti que Jesus olhava para mim” (Papa Francisco, Homilia em Santa Marta, 24 de abril de 2015).

Também os primeiros discípulos viveram a alegria da amizade com Jesus, que mudou para sempre a sua vida. Mas, depois do anúncio da Paixão, um véu de obscuridade cobriu o seu coração, escurecendo-lhes o caminho. O ardor do seguimento, o sonho do Reino de Deus inaugurado pelo Mestre e os primeiros frutos da missão vieram então a confrontar-se com uma realidade dura e incompreensível, que faz vacilar a esperança, alimenta as dúvidas e ameaça apagar a alegria do anúncio do Evangelho.

É o que sempre pode acontecer, também na vida de um sacerdote. A grata memória do encontro inicial, a alegria do seguimento e o zelo do mistério apostólico, talvez vividos ao longo de anos e em situações nem sempre fáceis, podem dar lugar ao cansaço e ao desânimo, abrindo espaço ao deserto interior da aridez e envolvendo a nossa vida sacerdotal na sombra da tristeza.

Mas, precisamente nesses momentos, o Senhor, que nunca esquece a vida dos seus filhos, convida-nos a subir com Ele ao Monte, como fez com Pedro, Tiago e João, transfigurando-Se diante deles. Levando-os “ao alto” e “apartando-os”, Jesus leva-os a empreender a maravilhosa viagem da transformação: do deserto ao Tabor e da escuridão à luz.

Caros sacerdotes, sentimos cada dia a necessidade de ser transfigurados por um encontro sempre novo com o Senhor que nos chamou. Deixar-se “conduzir para o alto” e permanecer “retirados” com Ele não é uma exigência do ofício, uma prática exterior ou um inútil tirar tempo às tarefas do ministério, mas é a fonte que jorra e corre em nós para impedir que o nosso “eis-me aqui” seque e se torne árido.

Na contemplação da cena evangélica da Transfiguração do Senhor, podemos, então, colher três pequenos passos, que nos ajudarão a confirmar a nossa adesão ao Senhor e a renovar a nossa vida sacerdotal: subir ao alto, deixar-se transformar, ser luz para o mundo.

1. Subir ao alto, porque, se ficarmos sempre concentrados no que se tem a fazer, corremos o risco de ficar prisioneiros do presente, de ser absorvidos pelas tarefas quotidianas, de ficar excessivamente concentrados em nós próprios e de, assim, acumular canseiras e frustrações que poderão ser mortíferas.

Por outro lado, “subir ao alto” é o remédio para as tentações da “mundanidade espiritual”, que, mesmo sob das aparências religiosas, nos afastam de Deus e dos irmãos e nos levam a pôr a segurança nas coisas do mundo. Ao contrário, o que nos faz falta é mergulhar cada dia no amor de Deus, sobretudo através da oração.

Subir ao monte faz-nos lembrar que a nossa vida é um constante erguer-se para a luz que vem do alto, uma caminhada para o Tabor da presença de Deus que abre horizontes novos e surpreendentes. É uma realidade que não pretende levar-nos a fugir dos nossos empenhos pastorais e dos desafios quotidianos que nos perseguem, mas que procura lembrar-nos que Jesus é o centro do ministério sacerdotal, e que tudo podemos só n’Aquele que nos dá força (Fil 4, 13).

Por isso, “a subida dos discípulos ao monte Tabor leva-nos a refletir sobre a importância de nos desapegarmos das coisas mundanas, a fim de fazer um caminho rumo ao alto e contemplar Jesus. Trata-se de nos pormos à escuta atenta e orante de Cristo, o Filho amado do Pai, procurando momentos de oração que permitem o acolhimento dócil e jubiloso da Palavra de Deus” (Papa Francisco, Angelus, 6 de agosto de 2017).

2. Deixar-se transformar, porque a vida sacerdotal não é um programa onde tudo já está programado com antecedência ou um cargo burocrático a desempenhar segundo um esquema preestabelecido; ao contrário, é a experiência viva de uma relação quotidiana com o Senhor, que faz com que sejamos sinal do seu amor junto do Povo de Deus. Por isso, “não poderemos viver o ministério com alegria sem viver momentos de oração pessoal, cara a cara com o Senhor, falando, conversando com Ele” (Papa Francisco, Encontro com os párocos de Roma, 15 de fevereiro de 2018).

Nesta experiência, somos iluminados pelo Rosto do Senhor e transformados pela sua presença. Também a vida sacerdotal é um “deixar-se transformar” pela graça de Deus, para que o nosso coração se torne misericordioso, inclusivo e compassivo como o de Cristo. Trata-se simplesmente de ser – como recentemente recordou o Santo Padre – “sacerdotes normais, simples, mansos, equilibrados, mas capazes de se deixar regenerar constantemente pelo Espírito” (Papa Francisco, Homilia na Concelebração Eucarística com os Missionários da Misericórdia, 10 de abril de 2018).

Uma tal regeneração faz-se, antes de mais, através da oração, que muda o coração e transforma a vida: cada um de nós “torna-se” Aquele que reza. É bom recordar, neste Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, que “a santidade é feita de abertura habitual à transcendência, que se expressa na oração e na adoração. O santo é uma pessoa com espírito orante, que tem necessidade de comunicar com Deus” (Papa Francisco, Gaudete et exsultate, n. 147). Subindo ao Monte, seremos iluminados pela luz de Cristo e poderemos descer à planície e levar a todos a alegria do Evangelho.

3. Ser luz para o mundo, porque a experiência do encontro com o Senhor põe-nos na estrada do serviço aos irmãos; a sua Palavra não deixa que nos fechemos no privado da devoção pessoal e no perímetro do templo; e, sobretudo, a vida sacerdotal é um chamamento missionário, que exige a coragem e o entusiasmo de sair de nós próprios para anunciar ao mundo inteiro o que ouvimos, vimos e tocámos na nossa experiência pessoal (cf. 1 Jo 1, 1-3).

Dar a conhecer aos outros a ternura e o amor de Jesus, para que cada um possa usufruir da sua presença que livra do mal e transforma a existência, é a primeira tarefa da Igreja e, portanto, o primeiro grande empenho apostólico dos presbíteros. Se há um desejo que temos de cultivar é o de “ser sacerdotes capazes de ‘elevar’ o sinal da salvação no ‘deserto’ do mundo, isto é, a Cruz de Cristo, como fonte de conversão e de renovação para toda a humanidade e para o próprio mundo” (Papa Francisco, Homilia na Concelebração Eucarística com os Missionários da Misericórdia, 10 de abril de 2018).

O fascínio do encontro com o Senhor deve encarnar-se num compromisso de vida ao serviço do Povo de Deus, que, caminhando muitas vezes no vale obscuro das canseiras, do sofrimento e do pecado, precisa de Pastores luminosos e radiantes como Moisés. De facto, “no final da admirável experiência da Transfiguração, os discípulos desceram do monte (cf. v. 9). É o percurso que podemos realizar também nós.

A redescoberta cada vez mais viva de Jesus não constitui um fim em si, mas induz-nos a ‘descer do monte’… Transformados pela presença de Cristo e pelo fervor da sua Palavra, seremos sinal concreto do amor vivificador de Deus por todos os nossos irmãos, sobretudo por quem sofre, por quantos se encontram na solidão e no abandono, pelos doentes e pela multidão de homens e mulheres que, em diversas partes do mundo, são humilhados pela injustiça, pela prepotência e pela violência” (Papa Francisco, Angelus, 6 de agosto de 2017).

Caros sacerdotes, que a beleza deste dia, consagrado ao Coração de Jesus, possa fazer crescer em nós o desejo da santidade. A Igreja e o mundo precisam de sacerdotes santos!
O Papa Francisco, na nova Exortação Apostólica sobre a santidade, Gaudete et exsultate, aludiu aos sacerdotes apaixonados pela comunicação e anúncio do Evangelho, afirmando que “a Igreja não precisa de muitos burocratas e funcionários, mas de missionários apaixonados, devorados pelo entusiasmo de comunicar a verdadeira vida. Os santos surpreendem, desinstalam, porque a sua vida nos chama a sair da mediocridade tranquila e anestesiadora” (Papa Francisco, Gaudete et exsultate, n. 138).

Haverá que realizar, sobretudo interiormente, este caminho de transfiguração: subir ao Monte, deixar-se transformar pelo Senhor, para, em seguida, tornar-se luz para o mundo e para as pessoas que nos são confiadas. Que Maria Santíssima, Mulher luminosa e Mãe dos Sacerdotes, vos acompanhe e guarde sempre.


Eis o coração que tanto amou os homens!

«Considera, ó homem redimido, quem é Aquele que por ti está pregado na cruz, qual a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá vida aos mortos; na sua morte, choram os céus e a terra e fendem-se até os rochedos mais duros.

Para que do lado de Cristo morto na cruz se formasse a Igreja e se cumprisse a palavra da Escritura que diz: Hão-de olhar para Aquele que trespassaram, a divina providência permitiu que um dos soldados Lhe abrisse com a lança o lado sacrossanto e dele fizesse brotar sangue e água. Este é o preço da nossa salvação, saído daquela divina fonte, isto é, do íntimo do seu Coração, para dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça e se tornar para aqueles que vivem em Cristo uma fonte de água viva que jorra para a vida eterna.

Levanta-te, tu que amas a Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho na alta caverna do rochedo, e aí, como o pássaro que encontrou a sua morada, não cesses de estar vigilante; aí esconde como a rola os filhos nascidos do casto amor; aí, aproxima os teus lábios para beber a água viva das fontes do Salvador. Porque esta é a fonte que brota do meio do paraíso e, dividida em quatro rios, se derrama nos corações dos fiéis para irrigar e fecundar toda a terra.

Acorre a esta fonte de vida e de luz com toda a confiança, quem quer que sejas tu, ó alma consagrada a Deus, e exclama com todas as forças do teu coração: «Oh inefável beleza do Deus Altíssimo, esplendor puríssimo da luz eterna, vida que vivifica toda a vida, luz que ilumina toda a luz e conserva em fulgor perpétuo a multidão dos astros, que desde a primeira aurora resplandecem diante do trono da vossa divindade!

Oh eterno e inacessível, límpido e doce manancial daquela fonte que está escondida aos olhos de todos os mortais! Sois profundidade sem fundo, altura sem limites, vastidão sem medida, pureza sem mancha.
De ti procede o rio que alegra a cidade de Deus, para que, entre vozes de louvor e alegria da multidão em festa, possamos cantar hinos de louvor ao vosso nome, sabendo por experiência que em Vós está a fonte da vida e na vossa luz veremos a luz.»

(São Boaventura, in A Árvore da Vida, 29-30.47)


PROMOVER A CULTURA DO CORAÇÃO

Promover uma autêntica cultura do coração, sempre a partir do amor de Deus
e na contemplação do Coração de Cristo e de Maria.

1. Ser e viver segundo o Coração de Jesus pelo Coração de Maria, como missão de quem adere a Jesus como seus discípulos missionários.

2. Viver em cordialidade, feita de acolhimento e hospitalidade, proximidade e acompanhamento, como resposta às necessidades e expectativas do mundo, vendo a realidade existente com olhos novos da fé, afinal o olhar do coração.

3. Agir como pessoas com coração novo em Cristo, ter amor extraordinário pela Palavra, pela Eucaristia, pela Reconciliação, em estilo de fecundas vidas plenas de misericórdia.

4. Ter paixão por Cristo e paixão pela Humanidade, assumindo atitudes de espírito comprometido em abertura amorosa, como profetas do coração, da graça e da misericórdia.

5. Acolher os perdidos e os excluídos, os ignorados e os afastados, os sozinhos e os abandonados, os descartados e marginalizados, sempre inspirados pelo hospitaleiro Coração do Bom Pastor.

6. Contemplar os rostos próximos com olhar gratuito de coração, com humilde, sincera e sentida abertura ao outro e ao mistério da sua presença, cultivando uma cultura de vida e de amor, toda contrária à violência e à guerra, ao conflito e à intolerância, à indiferença e à cultura de morte, ao aborto e à eutanásia; uma cultura do coração que contraria tudo o que atenta à vida no seu todo.

7. Semear e construir misericórdia, convivendo com o mundo, na constante procura do fraterno diálogo, tornando-se instrumentos de perdão e de reconciliação, fomentando a harmonia e a paz.

8. Globalizar o amor como alma das famílias, das comunidades, da sociedade, abrindo o coração a todos sem aceção nem exclusão, fazendo do Coração de Cristo o centro a que importa sempre regressar.

9. Abraçar a sério a Cruz de Cristo na Luz da Páscoa, peregrinando em testemunho de serviço e amor, com ternura, mansidão e bondade, sempre na misericórdia de Deus.

10. Ser anunciador do coração, do Coração de Cristo que transforma o coração do homem sob a ação do seu Espírito. Num mundo sem coração, a marca do Coração de Cristo, plena expressão do Amor de Deus derramado em nós no seu Espírito, não será a mais apropriada?

Como tudo seria diferente se houvesse na Igreja e no mundo uma autêntica cultura do coração, a sugerir no húmus do nosso coração atitudes de vida consoantes à Vida no Coração de Deus!

Pe. Manuel Barbosa

Vigília Pascal

Luz267A Vigília Pascal é a celebração central do calendário litúrgico e é a mais antiga e a mais importante na Igreja Católica, assinalando a ressurreição de Jesus.
Esta vigília começa com o ritual da bênção do fogo (lume novo), símbolo da vida que desponta, se expande e tudo transfigura – evoca a ressurreição do Senhor; é também símbolo da alegria fraterna, pois à volta do fogo convivem os homens; logo de seguida é feita a bênção do círio pascal e logo depois se inscreve a primeira e a última letra do alfabeto grego (alfa e ómega), e se insere cinco grãos de incenso, em memória das cinco chagas da crucifixão do Senhor.
A inscrição das letras e do ano no círio são acompanhadas pela recitação da fórmula «Cristo ontem e hoje, princípio e fim, alfa e ómega. Dele são o tempo e os séculos. A Ele a glória e o poder por todos os séculos, eternamente».
O aleluia, suprimido no tempo da Quaresma, reaparece em vários momentos da missa como sinal de alegria.

A celebração articula-se em quatro partes: a liturgia da luz ou “lucernário”; a liturgia da Palavra; a liturgia baptismal; e a liturgia eucarística.
- A liturgia da Luz consiste na bênção do fogo, na preparação do círio e na proclamação do precónio pascal.
- A liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo Testamento, que recordam “as maravilhas de Deus na história da salvação” e duas do Novo Testamento: o anúncio da Ressurreição e a leitura apostólica sobre o Baptismo cristão.
- A liturgia Baptismal é parte integrante da celebração, pelo que mesmo quando não há qualquer Baptismo, faz-se a bênção da fonte baptismal e a renovação das promessas.

Do programa ritual consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda a assembleia com a água lustral e a oração universal.

Nos primeiros séculos, as Igrejas do Oriente celebravam a Páscoa como os judeus, no dia 14 do mês de Nisan, ao passo que as Igrejas do Ocidente celebravam-na sempre ao Domingo.
O Concílio de Niceia, no ano 325, apresentou prescrições sobre o prazo dentro do qual se pode celebrar a Páscoa, conforme os cálculos astronómicos – no primeiro Domingo depois da lua cheia, que se segue ao equinócio da Primavera – e que ocorre entre o dia 22 de Março e o 25 de Abril. Este ano celebrá-la-emos a 4 de Abril de 2021.

Santa Páscoa!

V Domingo da Quaresma B

VerJesusA Liturgia da Palavra deste Domingo sublinha, com insistência, a preocupação de Deus em apontar ao homem o caminho da salvação e da vida definitiva. Ajuda-nos, assim, a prepararmo-nos para os acontecimentos da Páscoa, que se aproxima: Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.

Na primeira leitura, Javé apresenta a Israel a proposta de uma nova Aliança. É um dos trechos mais significativos do Antigo Testamento. Deus tinha feito uma aliança no Sinai, entregando a Moisés os dez mandamentos escritos em pedra. O povo aderiu à aliança, porém, mais com a boca, do que com o coração. Por isso, Deus pensou em algo novo: uma nova aliança. Nela os mandamentos não serão gravados na pedra, mas no coração. Uma aliança que o tempo não apagará. Não será uma imposição externa, mas uma disposição interior para percorrer os caminhos de Deus.

A segunda leitura apresenta-nos Jesus Cristo, o sumo-sacerdote da nova Aliança, que se solidariza com os homens e lhes aponta o caminho da salvação. Esse caminho (e que é o mesmo caminho que Jesus seguiu) passa por viver no diálogo com Deus, na descoberta dos seus desafios e propostas, na obediência radical aos seus projectos.

O Evangelho convida-nos a olhar para Jesus, que selou a Nova Aliança com o seu próprio sangue na Cruz e a aprender com Ele, a segui-l'O no caminho do amor radical, do dom da vida, da entrega total a Deus e aos irmãos. O caminho da cruz parece, aos olhos do mundo, um caminho de fracasso e de morte; mas é desse caminho de amor e de doação que brota a vida verdadeira e eterna que Deus nos quer oferecer.


LEITURA I – Jer 31,31-34
Leitura do Livro de Jeremias

Dias virão, diz o Senhor,
em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá
uma aliança nova.
Não será como a aliança que firmei com os seus pais,
no dia em que os tomei pela mão
para os tirar da terra do Egipto,
aliança que eles violaram,
embora Eu exercesse o meu domínio sobre eles, diz o Senhor.
Esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel,
naqueles dias, diz o senhor:
Hei-de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma
e gravá-la-ei no seu coração.
Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
Não terão já de se instruir uns aos outros,
nem de dizer cada um a seu irmão:
«Aprendei a conhecer o Senhor».
Todos eles Me conhecerão,
desde o maior ao mais pequeno, diz o Senhor.
Porque vou perdoar os seus pecados
e não mais recordarei as suas faltas.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 50 (51)
Refrão: Dai-me, Senhor, um coração puro.

Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniquidade
e purificai-me de todas as faltas.

Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.

Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Ensinarei aos pecadores os vossos caminhos
e os transviados hão-de voltar para Vós.


LEITURA II – Heb 5,7-9
Leitura da Epístola aos Hebreus

Nos dias da sua vida mortal,
Cristo dirigiu preces e súplicas,
com grandes clamores e lágrimas,
Àquele que O podia livrar da morte
e foi atendido por causa da sua piedade.
Apesar de ser Filho,
aprendeu a obediência no sofrimento
e, tendo atingido a sua plenitude,
tornou-Se para todos os que Lhe obedecem
causa de salvação eterna.


EVANGELHO – Jo 12,20-33
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
alguns gregos que tinha vindo a Jerusalém
para adorar nos dias da festa,
foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia,
e fizeram-lhe este pedido:
«Senhor, nós queríamos ver Jesus».
Filipe foi dizê-lo a André;
e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus.
Jesus respondeu-lhes:
«Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado.
Em verdade, em verdade vos digo:
Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só;
mas se morrer, dará muito fruto.
Quem ama a sua vida, perdê-la-á,
e quem despreza a sua vida neste mundo
conservá-la-á para a vida eterna.
Se alguém Me quiser servir, que Me siga,
e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo.
E se alguém Me servir, meu Pai o honrará.
Agora a minha alma está perturbada.
E que hei-de dizer? Pai, salva-Me desta hora?
Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora.
Pai, glorifica o teu nome».


Ressonâncias

Um grupo de gregos, que estavam em Jerusalém para celebrar a Páscoa, pedem: "Queríamos ver Jesus!", isto é, conhecê-lo em profundidade. Não se dirigem directamente a Jesus, mas aos discípulos, por isso servem-se de dois mediadores: Filipe e André.
Jesus faz-se ver através da imagemgraodetrigo do "grão de trigo". O grão de trigo cai e morre para produzir muito fruto. A fecundidade da vida manifesta-se na morte. Assim foi para Jesus, assim será para cada um de nós.

Para conhecer, de facto, Jesus devem morrer as seguranças humanas, o apego à própria vida e à sabedoria humana (que os gregos tanto valorizavam); deve morrer tudo o que nos afasta do projecto de Jesus, especialmente a violência que tem ceifado tantas vidas inocentes. Precisamos de morrer para conhecer. E aponta o caminho para vê-lo: a Cruz. "Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim."

"Queríamos ver Jesus!"
Este pedido dos gregos é uma linda proposta de vida para todos nós. O homem de hoje também manifesta o mesmo desejo. Mas onde, quando, como encontrá-lo? Envolvidos em nossas inúmeras actividades, como os gregos de então, muitas vezes torna-se difícil ver o Deus amigo, companheiro de caminhada. E muito mais difícil é ver um Deus crucificado, como o pior criminoso dos homens e segui-l'O, como servidores fiéis.

"Queríamos ver Jesus",
"Caminho, Verdade e Vida", com o qual desejamos levar o irmão ao encontro pessoal com Cristo e proporcionar a todos os baptizados um conhecimento mais completo e uma experiência mais profunda da sua fé cristã.

"Ver" e "conhecer"
o Enviado do Pai para a Salvação ao mundo é o anseio profundo de todos os cristãos. O conhecimento e a experiência de Jesus Cristo gerarão em nós maior entusiasmo na vivência cristã e na acção missionária da Igreja. Assim será possível enfrentar os três grandes desafios da evangelização: Promoção da dignidade humana; renovação da comunidade e participação na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

"Senhor, queríamos ver Jesus!"
Faz, Senhor, que os teus discípulos reconheçam o teu rosto no rosto dos pobres. Dá olhos para ver os caminhos da justiça e da solidariedade; dá ouvidos para escutar os pedidos de salvação e saúde; enriquece os seus corações de fidelidade generosa e compreensão para que se façam companheiros de caminhada, testemunhas verdadeiros e sinceros da glória, que resplandece no crucificado, ressuscitado e vitorioso.


Deus está aquiperegrin2

Um homem abandonou a sua esposa e os seus filhos, pois sentiu uma sede infinita de se encontrar com Deus. Depois de muito caminhar, viu um peregrino e falou-lhe do seu propósito:
— Procuro a Deus. Leva-me até Ele.

O Peregrino respondeu-lhe que sabia bem onde encontrá-lo. Mas era preciso que ele se deixasse conduzir, e retorquiu-lhe:
— Para te levar até junto de Deus, preciso de vedar os teus olhos. Só os abrirás quando te disser.

Puseram-se os dois a caminho. O homem de olhos tapados, foi enchendo o seu coração do esplendor da luz divina, cada vez mais forte até que tirou a venda, abriu os olhos e ... viu-se em sua casa, ao lado da mulher e dos filhos. Era ali que Deus estava.

Jesus, no Evangelho de hoje, diz:
— Onde eu estiver, ali estará também o meu servo.

Então podemos concluir que onde estivermos aí estará o Senhor. Não precisamos de sair para longe pois Ele está bem perto. Imprimiu no íntimo da nossa alma e gravou no nosso coração o seu selo.
Também nós queremos conhecer Deus. Se soubéssemos que Deus estava no cimo de uma montanha, não nos furtaríamos a esforços para lá chegar. Mas afinal Ele está bem mais próximo, ao nosso lado, nos nossos irmãos e até dentro de nós. Basta abrir os olhos.

Pe. José David Quintal Vieira, scj

Bendito sejas, Pai,trigo12
porque, chegada a hora,
Cristo foi o grão de trigo que, ao morrer,
deu fruto abundante,
o sol que agoniza na tarde
e ressuscitou na aurora,

o ramo de oliveira que superou o Inverno
rigoroso, a luz que venceu
as trevas, e o amor que derrotou o ódio.

Dá-nos, Senhor,
um coração novo para a Nova Aliança,
e renova-nos por dentro
com a força do teu
Espírito, para que,
convertidos em filhos da luz,

em filhos teus,
vivamos
a tua Lei de Amor
com mais desejo e alegria.

Assim os outros poderão ver
o rosto de Cristo
reflectido em nós,
e glorificar para sempre
o Teu nome de Pai.
Amen.


Custa-nos morrer, Senhor

Senhor, na escola da vida
apenas fomos educados para triunfar.
Temos que ganhar aos outros,
competir sem parar, medir-nos constantemente...

E Tu vens recomendar que percamos a vida,
enquanto todos nos dizem para a aproveitarmos,
para sermos obstinados;
que há que ser "lobo"
neste mundo feroz em que nascemos.
"Não te rendas, não desistas,
não te contenhas, não te compadeças,
não olhes para os outros, aproveita a vida!"
E assim, dentro de cada um de nós,
irrompe o desencontro, morre o amor,
reina o mundo das aparências, da hipocrisia
que gera inveja e falsidade à nossa volta.

Quero seguir-Te, Senhor!
Contigo, desejo também perder a vida,
o prestígio, a imagem,
as mil coisas que açambarquei em vão.
Anseio renascer para a simplicidade
e na escuta atenta do outro;
que eu me preocupe tanto com a vida
do meu irmão como da minha.

Ampara-me na partilha das minhas dúvidas,
dos meus medos e fracassos,
para ser grão de trigo e,
à tua maneira, também eu poder renascer
dando a minha vida pelo teu Reino,
na entrega total do meu ser.
Senhor, ajuda-me a partilhar a minha vida,
o meu tempo, as minhas coisas e o meu "eu".

Como Maria, nas Tuas mãos me entrego,
faça-se em mim segundo a Tua vontade...
Contigo ao meu lado...

já não preciso de ganhar mais nada.

IV Domingo da Quaresma B

JC_Serpente_7A Palavra de Deus deste Domingo da Quaresma garante-nos que Deus nos oferece, de forma totalmente gratuita e incondicional, a vida eterna.

A primeira leitura é um resumo da História da Salvação, em três momentos: o Pecado do homem, o Castigo e o Perdão de Deus. A história do pecado e da infidelidade do homem para com Deus é paralela à história do perdão de Deus ao homem. Deus permanece sempre fiel à aliança e não abandona o seu povo. Apesar das infidelidades, Deus dá sempre ao seu Povo outra possibilidade de recomeçar, de refazer o caminho da esperança e da vida nova. Deus detesta o pecado, mas ama o pecador.

Na segunda leitura São Paulo afirma que Deus é rico em misericórdia. Deus ama o homem com um amor total, incondicional, desmedido; é esse amor que levanta o homem da sua condição de finitude e debilidade e que lhe oferece esse mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim que está no horizonte final da nossa existência.

No Evangelho, João recorda-nos que Deus nos amou de tal forma que enviou o seu Filho único ao nosso encontro para nos oferecer a vida eterna. Somos convidados a olhar para Jesus, a aprender com Ele a lição do amor total, a percorrer com Ele o caminho da entrega e do dom da vida. É esse o caminho da salvação, da vida plena e definitiva.


LEITURA I – 2 Cr 36,14-16.19-23
Leitura do Segundo Livro das Crónicas

Naqueles dias,
todos os príncipes dos sacerdotes e o povo
multiplicaram as suas infidelidades,
imitando os costumes abomináveis das nações pagãs,
e profanaram o templo
que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém.
O Senhor, Deus de seus pais,
desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros,
pois queria poupar o povo e a sua própria morada.
Mas eles escarneciam dos mensageiros de Deus,
desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas,
a tal ponto que deixou de haver remédio,
perante a indignação do Senhor contra o seu povo.
Os caldeus incendiaram o templo de Deus,
demoliram as muralhas de Jerusalém.
Lançaram fogo aos seus palácios
e destruíram todos os objectos preciosos.
O rei dos caldeus deportou para Babilónia
todos os que tinham escapado ao fio da espada;
e foram escravos deles e de seus filhos,
até que se estabeleceu o reino dos persas.
Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias:
«Enquanto o país não descontou os seus sábados,
esteve num sábado contínuo,
durante todo o tempo da sua desolação,
até que se completaram setenta anos».
No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia,
para se cumprir a palavra do Senhor,
pronunciada pela boca de Jeremias,
o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia,
que mandou publicar, em todo o seu reino,
de viva voz e por escrito,
a seguinte proclamação:
«Assim fala Ciro, rei da Pérsia:
O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra
e Ele próprio me confiou o encargo
de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá.
Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho
e que Deus esteja com ele».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 136 (137)
Refrão: Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua.

Sobre os rios de Babilónia nos sentámos a chorar,
com saudades de Sião.
Nos salgueiros das suas margens,
dependurámos nossas harpas.

Aqueles que nos levaram cativos
queriam ouvir os nossos cânticos
e os nossos opressores uma canção de alegria:
«Cantai-nos um cântico de Sião».

Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor
em terra estrangeira?
Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
esquecida fique a minha mão direita.

Apegue-se-me a língua ao paladar,
se não me lembrar de ti,
se não fizer de Jerusalém
a maior das minhas alegrias.

NB: Queres fazer a leitura camoniana deste salmo? Experimenta revisitar as célebres redondilhas "Sôbolos rios que vão", em que Camões faz o balanço da sua vida passada projectando o futuro através da superação mística das contingências humanas, com fortes laivos neoplatónicos. Vai ao final desta página.


LEITURA II – Ef 2,4-10
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

Irmãos:
Deus, que é rico em misericórdia,
pela grande caridade com que nos amou,
a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados,
restituiu-nos à vida em Cristo
– é pela graça que fostes salvos –
e com Ele nos ressuscitou
e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus,
para mostrar aos séculos futuros
a abundante riqueza da sua graça
e da sua bondade para connosco, em Cristo Jesus.
De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé.
A salvação não vem de vós: é dom de Deus.
Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar.
Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus,
em vista das boas obras que Deus de antemão preparou,
como caminho que devemos seguir.


EVANGELHO: Jo 3,14-21
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
disse Jesus a Nicodemos:
«Assim como Moisés elevou a serpente no deserto,
também o Filho do homem será elevado,
para que todo aquele que acredita n'Ele
não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o Filho ao mundo
para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Quem acredita n'Ele não é condenado,
mas quem não acredita já está condenado,
porque não acreditou em nome do Filho Unigénito de Deus.
E a causa da condenação é esta:
a luz veio ao mundo
e os homens amaram mais as trevas do que a luz,
porque eram más as suas obras.
Todo aquele que pratica más acções
odeia a luz e não se aproxima dela,
para que as suas obras não sejam denunciadas.
Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz,
para que as suas obras sejam manifestas,
pois são feitas em Deus.


Ressonâncias

A Quaresma é um tempo oportuno para purificar ideias e atitudes da nossa vida cristã. Muitas vezes somos levados a ter de Deus a imagem de um juiz severo e castigador. A Bíblia sugere-nos uma imagem bem diferente: um Deus Criador e Amigo que dialoga com Adão; um Deus que faz uma Aliança de amizade com o seu povo; um Deus-connosco ("Emanuel") que caminha com o homem; um Deus que liberta e salva; um Deus misericordioso, que perdoa e ama; um Deus que é Pai sempre disposto a acolher o filho pródigo...

O Evangelho de hoje apresenta-nos Deus Nicodemoscomo Salvador e não tanto como juiz. Este texto é a conclusão do diálogo de Jesus com Nicodemos que, nas "trevas da noite", vem falar com Jesus à procura de "Luz", e descreve o projecto de Salvação de Deus: "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu próprio filho e este não veio para julgar o mundo, mas para salvá-lo". Vida, morte e ressurreição de Jesus é dom gratuito oferecido pelo Pai. A acção suprema de Jesus na cruz, "levantado ao alto", atrai todos os povos à salvação. A referência à serpente de bronze no deserto realça que Deus usa o mesmo instrumento que causa morte para salvar os que estão dispostos a acolher a sua intervenção.

Este texto convida-nos a contemplar essa incrível história de amor: o Amor de Deus oferece ao homem vida plena e definitiva. Aos homens compete aceitar ou não o dom de Deus. Jesus não veio condenar nem excluir ninguém da salvação. Ele é a luz divina enviada ao mundo para mostrar o caminho da verdade e da vida que conduz a Deus. As pessoas podem rejeitar Jesus e a sua missão, permanecendo nas trevas do egoísmo, rejeitando Jesus e a sua missão; ou aceitar Jesus e acolher o seu projecto, deixando-se envolver pela luz da fé e da salvação.

João define o caminho para chegar à vida eterna: crer em Jesus! Não é uma mera adesão intelectual a umas verdades, mas acolher Jesus, O enviado do Pai que veio salvar o homem. Escutá-l'O, aderir à sua mensagem e segui-l'O é tarefa de todo o discípulo. Deixar as trevas e caminhar para a Luz... tudo isto pressupõe arrependimento e conversão de cada um.

E o julgamento final como fica? Muitos imaginam um Deus severo, que vai analisar tudo com rigor até os mínimos detalhes. Seria então Ele um Pai, que ama os bons e os maus, como ensinou Jesus? Segundo São João, o julgamento não é pronunciado por Deus, mas pela escolha que cada um faz diante da Luz de Cristo. " Quem acredita n'Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado [...]. a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz."

Por isso, a decisão no julgamento não é propriamente Deus que o faz, somos nós que escolhemos.
Salvam-se os que praticam a Verdade e se aproximam da "Luz". Condenam-se os que praticam o mal e preferem as "trevas". A salvação é um dom gratuito de Deus oferecido a todos. Tudo depende da nossa aceitação ou não à proposta de Cristo. Cristo quer ser o nosso Salvador, não o nosso Juiz... Qual será a nossa escolha? Preferimos a Luz ou as Trevas?

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Hoje o nosso coração exulta de alegria, Deus nosso Pai, ao sabermo-nos amados por Ti com um amor tão grande que nos torna Teus filhos; a prova que evidencia notícia tão feliz é Jesus, Teu Filho, a partir de agora nosso irmão mais velho e amigo para sempre.

Ele não veio para condenar mas para salvar o homem que Tu amas com amor e com imensa ternura de pai. Faz com que saibamos corresponder como filhos Teus de nobre linhagem.

Obrigado Senhor, porque Tu não és um Deus frio e distante, controlador impávido da máquina do cosmos, mas Pai que nos ama, sempre desvelado pela Tua criatura, o homem.
O segredo do mundo e da nossa existência humana apoia-se no bater do Teu coração que ama. Obrigado, Senhor!


QUEM É BOM

Quem é bom, suporta a ofensa,
quem ama, esquece-a.

Quem é bom, compadece-se,
quem ama, ajuda.

Quem é bom faz o que pode,
quem ama, pode o que parece impossível.Quaresma12

Quem é bom revela os erros,
quem ama, não deixa errar.

Quem é bom ajuda quando está perto,
quem ama, está sempre perto para ajudar.

Quem é bom, atende as necessidades,
quem ama, tem necessidades de atender.

Quem é bom, não faz mal a ninguém,
quem ama, faz o bem a quem faz mal.

Quem é bom, vê as condições para dar,
quem ama, dá sem condições.

Quem é bom, é como Deus o fez,
quem ama, faz como Deus quer.

Quem é bom, às vezes cansa-se,
quem ama, nunca descansa.

Quem é bom, vê o homem que pede,
quem ama, vê no homem Deus que pede.

Quem é bom, também ama,
QUEM AMA, É SEMPRE BOM!

"É preciso amar o próximo com o suor
da fronte e o cansaço dos braços." (S. Vicente de Paulo)


QUARESMA!

Para todos nós que estamos de certo modo habituados a tudo, ao amor, à fé, à solidariedade, a Deus e aos outros e a quem já nada surpreende: Quaresma!

Para todos nós que pensamos saber tudo e nada receber porque fizemos a experiência de todas as coisas: Quaresma!

Para todos nós que estabelecemos o catálogo das pessoas a amar e daqueles a quem desprezar: Quaresma!

Para todos nós que fizemos a lista dos gestos a fazer, dos ritos a executar e das palavras a pronunciar para ser um cristão de bom tom: Quaresma!

Cristo vem arrancar a nossa existência do desgasto e do descalabro.

Com ele, numa caminhada de quarenta dias, o Evangelho ressoa como uma Palavra Nova, uma notícia que quebra as velhas crostas dos nossos comportamentos.

Nele, numa caminhada de quarenta dias, o rosto de Deus aparece-nos e também, misteriosamente, o rosto que o homem é chamado a revestir.

Por ele, numa caminhada pegadasde quarenta dias, cria-se uma relação entre Deus e nós, uma íntima aliança.

Graças a ele, numa caminhada de quarenta dias, o amor de Deus revela-se à nossa admiração.

No final de quarenta dias, espera-se que tudo esteja renovado. Não podemos viver de outro modo senão pondo em prática aquilo que Cristo, nosso irmão quotidiano, nos foi ensinando com a sua vida e morte e com o seu amor.

De facto, a caminhada de quarenta dias marca o início da Ressurreição, pois começa para nós o segundo nascimento.


Queres fazer a leitura camoniana do salmo 136? Experimenta revisitar as célebres redondilhas "Sôbolos rios que vão", em que Camões faz o balanço da sua vida passada projectando o futuro através da superação mística das contingências humanas, com fortes laivos neoplatónicos.

1
Sôbolos rios que vãocamoes1
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.

2
Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.

3
E vi que todos os danos
se causavam das mudanças
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.

4
Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder o mal,
e o mal, muito pior,
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.

5
Bem são rios estas águas,
com que banho este papel;
bem parece ser cruel
variedade de mágoas
e confusão de Babel.
Como homem que, por exemplo
dos transes em que se achou,
despois que a guerra deixou,
pelas paredes do templo
suas armas pendurou:

6
Assi, despois que assentei
que tudo o tempo gastava,
da tristeza que tomei
nos salgueiros pendurei
os órgãos com que cantava.
Aquele instrumento ledo
deixei da vida passada,
dizendo: -- Música amada,
deixo-vos neste arvoredo
à memória consagrada.

7
Frauta minha que, tangendo,
os montes fazíeis vir
para onde estáveis, correndo,
e as águas, que iam decendo,
tornavam logo a subir:
jamais vos não ouvirão
os tigres que se amansavam,
e as ovelhas, que pastavam,
das ervas se fartarão
que por vos ouvir deixavam.

8
Já não fareis docemente
em rosas tornar abrolhos
na ribeira florecente;
nem poreis freio à corrente,
e mais, se for dos meus olhos.
Não movereis a espessura,
nem podereis já trazer
atrás vós a fonte pura,
pois não pudeste mover
desconcertos da ventura.

9
Ficareis oferecida
à Fama, que sempre vela,
frauta de mim tão querida;
porque, mudando-se a vida,
se mudam os gostos dela.
Acha a tenra mocidade
prazeres acomodados,
e logo a maior idade
já sente por pouquidade
aqueles gostos passados.

10
Um gosto que hoje se alcança,
amanhã já o não vejo;
assi nos traz a mudança
de esperança em esperança,
e de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa
que esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte,
que, quanto da vida passa,
está receitando a morte?

11
Mas deixar nesta espessura
o canto da mocidade,
não cuide a gente futura
que será obra da idade
o que é força da ventura.
Que idade, tempo, o espanto
de ver quão ligeiro passe,
nunca em mim puderam tanto
que, posto que deixe o canto,
a causa dele deixasse.

12
Mas, em tristezas e nojos,
em gosto e contentamento,
por sol, por neve, por vento,
tendré presente á los ojos
por quien muero tan contento.
Órgãos e frauta deixava,
despojo meu tão querido,
no salgueiro que ali estava
que para troféu ficava
de quem me tinha vencido.

13
Mas lembranças da afeição
que ali cativo me tinha,
me perguntaram então:
que era da música minha
que eu cantava em Sião?
Que foi daquele cantar
das gentes tão celebrado?
Porque o deixava de usar?
Pois sempre ajuda a passar
qualquer trabalho passado.

14
Canta o caminhante ledo
no caminho trabalhoso,
por entre o espesso arvoredo;
e, de noite, o temeroso,
cantando, refreia o medo.
Canta o preso docemente
os duros grilhões tocando;
canta o sagador contente;
e o trabalhor, cantando,
o trabalho menos sente.

15
Eu, que estas cousas senti
n'alma, de mágoas tão cheia,
- Como dirá, respondi,
quem alheio está de si
doce canto em terra alheia?
Como poderá cantar
quem em choro banha o peito?
Porque, se quem trabalhar
canta por menos cansar,
eu, só, descansos enjeito.

16
Que não parece razão
nem seria cousa idónea,
por abrandar a paixão,
que cantasse em Babilónia
as cantigas de Sião.
Que, quando a muita graveza
de saudade quebrante
esta vital fortaleza,
antes moura de tristeza
que, por abrandá-la, cante.

17
Que se o fino pensamento
só na tristeza consiste,
não tenho medo ao tormento:
que morrer de puro triste,
que maior contentamento?
Nem na frauta cantarei
o que passo, e passei já,
nem menos o escreverei,
porque a pena cansará,
e eu não descansarei.

18
Que, se a vida tão pequena
se acrescenta em terra estranha,
e se amor assi o ordena,
razão é que canse a pena
de escrever pena tamanha.
Porém se, para assentar
o que sente o coração,
a pena já me cansar,
não canse para voar
a memória em Sião.

19
Terra bem-aventurada,
se, por algum movimento,
d'alma me fores mudada,
minha pena seja dada
a perpétuo esquecimento.
A pena deste desterro,
que eu mais desejo esculpida
em pedra, ou em duro ferro,
essa nunca seja ouvida,
em castigo de meu erro.

20
E se eu cantar quiser,
em Babilónia sujeito,
Hierusalém, sem te ver,
a voz, quando a mover,
se me congele no peito.
A minha língua se apegue
às fauces, pois te perdi,
se, enquanto viver assi,
houver tempo em que te negue
ou que me esqueça de ti.

21
Mas ó tu, terra de Glória,
se eu nunca vi tua essência,
como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória,
senão na reminiscência.
Que a alma é tábua rasa,
que, com a escrita doutrina
celeste, tanto imagina,
que voa da própria casa
e sobe à pátria divina.

22
Não é, logo, a saudade
das terras onde nasceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa Cidade,
donde esta alma descendeu.
E aquela humana figura,
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.

23
Que os olhos e a luz que ateia
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.

24
Destes o mando tirano
me obriga, com desatino,
a cantar ao som do dano
cantares de amor profano
por versos de amor divino.
Mas eu, lustrado co santo
Raio, na terra de dor,
de confusão e de espanto,
como hei-de cantar o canto
que só se deve ao Senhor?

25
Tanto pode o benefício
da Graça, que dá saúde,
que ordena que a vida mude;
e o que tomei por vício
me faz grau para a virtude;
e faz que este natural
amor, que tanto se preza,
suba da sombra ao Real,
da particular beleza
para a Beleza geral.

26
Fique logo pendurada
a frauta com que tangi,
ó Hierusalém sagrada,
e tome a lira dourada,
para só cantar de ti.
Não cativo e ferrolhado
na Babilónia infernal,
mas dos vícios desatado,
e cá desta a ti levado,
Pátria minha natural.

27
E se eu mais der a cerviz
a mundanos acidentes,
duros, tiranos e urgentes,
risque-se quanto já fiz
do grão livro dos viventes.
E tomando já na mão
a lira santa e capaz
doutra mais alta invenção,
cale-se esta confusão,
cante-se a visão da paz.

28
Ouça-me o pastor e o Rei,
retumbe este acento santo,
mova-se no mundo espanto,
que do que já mal cantei
a palinódia já canto.
A vós só me quero ir,
Senhor e grão Capitão
da alta torre de Sião,
à qual não posso subir,
se me vós não dais a mão.

29
No grão dia singular
que na lira o douto som
Hierusalém celebrar,
lembrai-vos de castigar
os ruins filhos de Edom.
Aqueles que tintos vão
no pobre sangue inocente,
soberbos co poder vão,
arrasai-os igualmente,
conheçam que humanos são.

30
E aquele poder tão duro
dos afeitos com que venho,
que encendem alma e engenho,
que já me entraram o muro
do livre alvídrio que tenho;
estes, que tão furiosos
gritando vêm a escalar-me,
maus espíritos danosos,
que querem, como forçosos,
do alicerce derrubar-me;

31
Derrubai-os, fiquem sós,
de forças fracos, imbeles,
porque não podemos nós
nem com eles ir a Vós
nem sem Vós tirar-nos deles.
Não basta minha fraqueza
para me dar defensão,
se vós, santo Capitão,
nesta minha fortaleza
não puserdes guarnição.

32
E tu, ó carne que encantas,
filha de Babel tão feia,
toda de misérias cheia,
que mil vezes te levantas,
contra quem te senhoreia:
beato só pode ser
quem, co a ajuda celeste,
contra ti prevalecer,
e te vier a fazer
o mal que lhe tu fizeste.

33
Quem, com disciplina crua,
se fere que ua vez,
cuja alma, de vícios nua,
faz nódoas na carne sua,
que já a carne n'alma fez.
E beato quem tomar
seus pensamentos recentes
e em nacendo os afogar,
por não virem a parar
em vícios graves e urgentes.

34
Quem com eles logo der
na pedra do furor santo,
e, batendo, os desfizer
na Pedra, que veio a ser
enfim cabeça do Canto;
quem logo, quando imagina
nos vícios da carne má,
os pensamentos declina
àquela Carne divina
que na Cruz esteve já;

35
Quem do vil contentamento
cá deste mundo visível,
quanto ao homem for possível,
passar logo o entendimento
para o mundo inteligível:
ali achará alegria
em tudo perfeita e cheia
de tão suave harmonia,
que, nem por pouca, recreia,
nem, por sobeja, enfastia.

36
Ali verá tão profundo
mistério na suma Alteza,
que, vencida a natureza,
os mores faustos do mundo
julgue por maior baixeza.
Ó tu, divino aposento,
minha pátria singular!
Se só com te imaginar
tanto sobe o entendimento,
que fará se em ti se achar?

37
Ditoso quem se partir
para ti, terra excelente,
tão justo e tão penitente
que, depois de a ti subir
lá descanse eternamente.

Luís de Camões

 

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