IV Domingo da Quaresma B

A primeira leitura é um resumo da História da Salvação, em três momentos: o Pecado do homem, o Castigo e o Perdão de Deus. A história do pecado e da infidelidade do homem para com Deus é paralela à história do perdão de Deus ao homem. Deus permanece sempre fiel à aliança e não abandona o seu povo. Apesar das infidelidades, Deus dá sempre ao seu Povo outra possibilidade de recomeçar, de refazer o caminho da esperança e da vida nova. Deus detesta o pecado, mas ama o pecador.
Na segunda leitura São Paulo afirma que Deus é rico em misericórdia. Deus ama o homem com um amor total, incondicional, desmedido; é esse amor que levanta o homem da sua condição de finitude e debilidade e que lhe oferece esse mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim que está no horizonte final da nossa existência.
No Evangelho, João recorda-nos que Deus nos amou de tal forma que enviou o seu Filho único ao nosso encontro para nos oferecer a vida eterna. Somos convidados a olhar para Jesus, a aprender com Ele a lição do amor total, a percorrer com Ele o caminho da entrega e do dom da vida. É esse o caminho da salvação, da vida plena e definitiva.
Leitura do Segundo Livro das Crónicas
Naqueles dias,
todos os príncipes dos sacerdotes e o povo
multiplicaram as suas infidelidades,
imitando os costumes abomináveis das nações pagãs,
e profanaram o templo
que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém.
O Senhor, Deus de seus pais,
desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros,
pois queria poupar o povo e a sua própria morada.
Mas eles escarneciam dos mensageiros de Deus,
desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas,
a tal ponto que deixou de haver remédio,
perante a indignação do Senhor contra o seu povo.
Os caldeus incendiaram o templo de Deus,
demoliram as muralhas de Jerusalém.
Lançaram fogo aos seus palácios
e destruíram todos os objectos preciosos.
O rei dos caldeus deportou para Babilónia
todos os que tinham escapado ao fio da espada;
e foram escravos deles e de seus filhos,
até que se estabeleceu o reino dos persas.
Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias:
«Enquanto o país não descontou os seus sábados,
esteve num sábado contínuo,
durante todo o tempo da sua desolação,
até que se completaram setenta anos».
No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia,
para se cumprir a palavra do Senhor,
pronunciada pela boca de Jeremias,
o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia,
que mandou publicar, em todo o seu reino,
de viva voz e por escrito,
a seguinte proclamação:
«Assim fala Ciro, rei da Pérsia:
O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra
e Ele próprio me confiou o encargo
de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá.
Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho
e que Deus esteja com ele».
Refrão: Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua.
Sobre os rios de Babilónia nos sentámos a chorar,
com saudades de Sião.
Nos salgueiros das suas margens,
dependurámos nossas harpas.
Aqueles que nos levaram cativos
queriam ouvir os nossos cânticos
e os nossos opressores uma canção de alegria:
«Cantai-nos um cântico de Sião».
Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor
em terra estrangeira?
Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
esquecida fique a minha mão direita.
Apegue-se-me a língua ao paladar,
se não me lembrar de ti,
se não fizer de Jerusalém
a maior das minhas alegrias.
NB: Queres fazer a leitura camoniana deste salmo? Experimenta revisitar as célebres redondilhas "Sôbolos rios que vão", em que Camões faz o balanço da sua vida passada projectando o futuro através da superação mística das contingências humanas, com fortes laivos neoplatónicos. Vai ao final desta página.
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Deus, que é rico em misericórdia,
pela grande caridade com que nos amou,
a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados,
restituiu-nos à vida em Cristo
– é pela graça que fostes salvos –
e com Ele nos ressuscitou
e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus,
para mostrar aos séculos futuros
a abundante riqueza da sua graça
e da sua bondade para connosco, em Cristo Jesus.
De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé.
A salvação não vem de vós: é dom de Deus.
Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar.
Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus,
em vista das boas obras que Deus de antemão preparou,
como caminho que devemos seguir.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
disse Jesus a Nicodemos:
«Assim como Moisés elevou a serpente no deserto,
também o Filho do homem será elevado,
para que todo aquele que acredita n'Ele
não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o Filho ao mundo
para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Quem acredita n'Ele não é condenado,
mas quem não acredita já está condenado,
porque não acreditou em nome do Filho Unigénito de Deus.
E a causa da condenação é esta:
a luz veio ao mundo
e os homens amaram mais as trevas do que a luz,
porque eram más as suas obras.
Todo aquele que pratica más acções
odeia a luz e não se aproxima dela,
para que as suas obras não sejam denunciadas.
Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz,
para que as suas obras sejam manifestas,
pois são feitas em Deus.
A Quaresma é um tempo oportuno para purificar ideias e atitudes da nossa vida cristã. Muitas vezes somos levados a ter de Deus a imagem de um juiz severo e castigador. A Bíblia sugere-nos uma imagem bem diferente: um Deus Criador e Amigo que dialoga com Adão; um Deus que faz uma Aliança de amizade com o seu povo; um Deus-connosco ("Emanuel") que caminha com o homem; um Deus que liberta e salva; um Deus misericordioso, que perdoa e ama; um Deus que é Pai sempre disposto a acolher o filho pródigo...
O Evangelho de hoje apresenta-nos Deus como Salvador e não tanto como juiz. Este texto é a conclusão do diálogo de Jesus com Nicodemos que, nas "trevas da noite", vem falar com Jesus à procura de "Luz", e descreve o projecto de Salvação de Deus: "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu próprio filho e este não veio para julgar o mundo, mas para salvá-lo". Vida, morte e ressurreição de Jesus é dom gratuito oferecido pelo Pai. A acção suprema de Jesus na cruz, "levantado ao alto", atrai todos os povos à salvação. A referência à serpente de bronze no deserto realça que Deus usa o mesmo instrumento que causa morte para salvar os que estão dispostos a acolher a sua intervenção.
Este texto convida-nos a contemplar essa incrível história de amor: o Amor de Deus oferece ao homem vida plena e definitiva. Aos homens compete aceitar ou não o dom de Deus. Jesus não veio condenar nem excluir ninguém da salvação. Ele é a luz divina enviada ao mundo para mostrar o caminho da verdade e da vida que conduz a Deus. As pessoas podem rejeitar Jesus e a sua missão, permanecendo nas trevas do egoísmo, rejeitando Jesus e a sua missão; ou aceitar Jesus e acolher o seu projecto, deixando-se envolver pela luz da fé e da salvação.
João define o caminho para chegar à vida eterna: crer em Jesus! Não é uma mera adesão intelectual a umas verdades, mas acolher Jesus, O enviado do Pai que veio salvar o homem. Escutá-l'O, aderir à sua mensagem e segui-l'O é tarefa de todo o discípulo. Deixar as trevas e caminhar para a Luz... tudo isto pressupõe arrependimento e conversão de cada um.
E o julgamento final como fica? Muitos imaginam um Deus severo, que vai analisar tudo com rigor até os mínimos detalhes. Seria então Ele um Pai, que ama os bons e os maus, como ensinou Jesus? Segundo São João, o julgamento não é pronunciado por Deus, mas pela escolha que cada um faz diante da Luz de Cristo. " Quem acredita n'Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado [...]. a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz."
Por isso, a decisão no julgamento não é propriamente Deus que o faz, somos nós que escolhemos.
Salvam-se os que praticam a Verdade e se aproximam da "Luz". Condenam-se os que praticam o mal e preferem as "trevas". A salvação é um dom gratuito de Deus oferecido a todos. Tudo depende da nossa aceitação ou não à proposta de Cristo. Cristo quer ser o nosso Salvador, não o nosso Juiz... Qual será a nossa escolha? Preferimos a Luz ou as Trevas?
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Hoje o nosso coração exulta de alegria, Deus nosso Pai, ao sabermo-nos amados por Ti com um amor tão grande que nos torna Teus filhos; a prova que evidencia notícia tão feliz é Jesus, Teu Filho, a partir de agora nosso irmão mais velho e amigo para sempre.
Ele não veio para condenar mas para salvar o homem que Tu amas com amor e com imensa ternura de pai. Faz com que saibamos corresponder como filhos Teus de nobre linhagem.
Obrigado Senhor, porque Tu não és um Deus frio e distante, controlador impávido da máquina do cosmos, mas Pai que nos ama, sempre desvelado pela Tua criatura, o homem.
O segredo do mundo e da nossa existência humana apoia-se no bater do Teu coração que ama. Obrigado, Senhor!
QUEM É BOM
Quem é bom, suporta a ofensa,
quem ama, esquece-a.
Quem é bom, compadece-se,
quem ama, ajuda.
Quem é bom faz o que pode,
quem ama, pode o que parece impossível.
Quem é bom revela os erros,
quem ama, não deixa errar.
Quem é bom ajuda quando está perto,
quem ama, está sempre perto para ajudar.
Quem é bom, atende as necessidades,
quem ama, tem necessidades de atender.
Quem é bom, não faz mal a ninguém,
quem ama, faz o bem a quem faz mal.
Quem é bom, vê as condições para dar,
quem ama, dá sem condições.
Quem é bom, é como Deus o fez,
quem ama, faz como Deus quer.
Quem é bom, às vezes cansa-se,
quem ama, nunca descansa.
Quem é bom, vê o homem que pede,
quem ama, vê no homem Deus que pede.
Quem é bom, também ama,
QUEM AMA, É SEMPRE BOM!
"É preciso amar o próximo com o suor
da fronte e o cansaço dos braços." (S. Vicente de Paulo)
Para todos nós que estamos de certo modo habituados a tudo, ao amor, à fé, à solidariedade, a Deus e aos outros e a quem já nada surpreende: Quaresma!
Para todos nós que pensamos saber tudo e nada receber porque fizemos a experiência de todas as coisas: Quaresma!
Para todos nós que estabelecemos o catálogo das pessoas a amar e daqueles a quem desprezar: Quaresma!
Para todos nós que fizemos a lista dos gestos a fazer, dos ritos a executar e das palavras a pronunciar para ser um cristão de bom tom: Quaresma!
Cristo vem arrancar a nossa existência do desgasto e do descalabro.
Com ele, numa caminhada de quarenta dias, o Evangelho ressoa como uma Palavra Nova, uma notícia que quebra as velhas crostas dos nossos comportamentos.
Nele, numa caminhada de quarenta dias, o rosto de Deus aparece-nos e também, misteriosamente, o rosto que o homem é chamado a revestir.
Por ele, numa caminhada de quarenta dias, cria-se uma relação entre Deus e nós, uma íntima aliança.
Graças a ele, numa caminhada de quarenta dias, o amor de Deus revela-se à nossa admiração.
No final de quarenta dias, espera-se que tudo esteja renovado. Não podemos viver de outro modo senão pondo em prática aquilo que Cristo, nosso irmão quotidiano, nos foi ensinando com a sua vida e morte e com o seu amor.
Queres fazer a leitura camoniana do salmo 136? Experimenta revisitar as célebres redondilhas "Sôbolos rios que vão", em que Camões faz o balanço da sua vida passada projectando o futuro através da superação mística das contingências humanas, com fortes laivos neoplatónicos.
1
Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
2
Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
3
E vi que todos os danos
se causavam das mudanças
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.
4
Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder o mal,
e o mal, muito pior,
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.
5
Bem são rios estas águas,
com que banho este papel;
bem parece ser cruel
variedade de mágoas
e confusão de Babel.
Como homem que, por exemplo
dos transes em que se achou,
despois que a guerra deixou,
pelas paredes do templo
suas armas pendurou:
6
Assi, despois que assentei
que tudo o tempo gastava,
da tristeza que tomei
nos salgueiros pendurei
os órgãos com que cantava.
Aquele instrumento ledo
deixei da vida passada,
dizendo: -- Música amada,
deixo-vos neste arvoredo
à memória consagrada.
7
Frauta minha que, tangendo,
os montes fazíeis vir
para onde estáveis, correndo,
e as águas, que iam decendo,
tornavam logo a subir:
jamais vos não ouvirão
os tigres que se amansavam,
e as ovelhas, que pastavam,
das ervas se fartarão
que por vos ouvir deixavam.
8
Já não fareis docemente
em rosas tornar abrolhos
na ribeira florecente;
nem poreis freio à corrente,
e mais, se for dos meus olhos.
Não movereis a espessura,
nem podereis já trazer
atrás vós a fonte pura,
pois não pudeste mover
desconcertos da ventura.
9
Ficareis oferecida
à Fama, que sempre vela,
frauta de mim tão querida;
porque, mudando-se a vida,
se mudam os gostos dela.
Acha a tenra mocidade
prazeres acomodados,
e logo a maior idade
já sente por pouquidade
aqueles gostos passados.
10
Um gosto que hoje se alcança,
amanhã já o não vejo;
assi nos traz a mudança
de esperança em esperança,
e de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa
que esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte,
que, quanto da vida passa,
está receitando a morte?
11
Mas deixar nesta espessura
o canto da mocidade,
não cuide a gente futura
que será obra da idade
o que é força da ventura.
Que idade, tempo, o espanto
de ver quão ligeiro passe,
nunca em mim puderam tanto
que, posto que deixe o canto,
a causa dele deixasse.
12
Mas, em tristezas e nojos,
em gosto e contentamento,
por sol, por neve, por vento,
tendré presente á los ojos
por quien muero tan contento.
Órgãos e frauta deixava,
despojo meu tão querido,
no salgueiro que ali estava
que para troféu ficava
de quem me tinha vencido.
13
Mas lembranças da afeição
que ali cativo me tinha,
me perguntaram então:
que era da música minha
que eu cantava em Sião?
Que foi daquele cantar
das gentes tão celebrado?
Porque o deixava de usar?
Pois sempre ajuda a passar
qualquer trabalho passado.
14
Canta o caminhante ledo
no caminho trabalhoso,
por entre o espesso arvoredo;
e, de noite, o temeroso,
cantando, refreia o medo.
Canta o preso docemente
os duros grilhões tocando;
canta o sagador contente;
e o trabalhor, cantando,
o trabalho menos sente.
15
Eu, que estas cousas senti
n'alma, de mágoas tão cheia,
- Como dirá, respondi,
quem alheio está de si
doce canto em terra alheia?
Como poderá cantar
quem em choro banha o peito?
Porque, se quem trabalhar
canta por menos cansar,
eu, só, descansos enjeito.
16
Que não parece razão
nem seria cousa idónea,
por abrandar a paixão,
que cantasse em Babilónia
as cantigas de Sião.
Que, quando a muita graveza
de saudade quebrante
esta vital fortaleza,
antes moura de tristeza
que, por abrandá-la, cante.
17
Que se o fino pensamento
só na tristeza consiste,
não tenho medo ao tormento:
que morrer de puro triste,
que maior contentamento?
Nem na frauta cantarei
o que passo, e passei já,
nem menos o escreverei,
porque a pena cansará,
e eu não descansarei.
18
Que, se a vida tão pequena
se acrescenta em terra estranha,
e se amor assi o ordena,
razão é que canse a pena
de escrever pena tamanha.
Porém se, para assentar
o que sente o coração,
a pena já me cansar,
não canse para voar
a memória em Sião.
19
Terra bem-aventurada,
se, por algum movimento,
d'alma me fores mudada,
minha pena seja dada
a perpétuo esquecimento.
A pena deste desterro,
que eu mais desejo esculpida
em pedra, ou em duro ferro,
essa nunca seja ouvida,
em castigo de meu erro.
20
E se eu cantar quiser,
em Babilónia sujeito,
Hierusalém, sem te ver,
a voz, quando a mover,
se me congele no peito.
A minha língua se apegue
às fauces, pois te perdi,
se, enquanto viver assi,
houver tempo em que te negue
ou que me esqueça de ti.
21
Mas ó tu, terra de Glória,
se eu nunca vi tua essência,
como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória,
senão na reminiscência.
Que a alma é tábua rasa,
que, com a escrita doutrina
celeste, tanto imagina,
que voa da própria casa
e sobe à pátria divina.
22
Não é, logo, a saudade
das terras onde nasceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa Cidade,
donde esta alma descendeu.
E aquela humana figura,
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.
23
Que os olhos e a luz que ateia
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.
24
Destes o mando tirano
me obriga, com desatino,
a cantar ao som do dano
cantares de amor profano
por versos de amor divino.
Mas eu, lustrado co santo
Raio, na terra de dor,
de confusão e de espanto,
como hei-de cantar o canto
que só se deve ao Senhor?
25
Tanto pode o benefício
da Graça, que dá saúde,
que ordena que a vida mude;
e o que tomei por vício
me faz grau para a virtude;
e faz que este natural
amor, que tanto se preza,
suba da sombra ao Real,
da particular beleza
para a Beleza geral.
26
Fique logo pendurada
a frauta com que tangi,
ó Hierusalém sagrada,
e tome a lira dourada,
para só cantar de ti.
Não cativo e ferrolhado
na Babilónia infernal,
mas dos vícios desatado,
e cá desta a ti levado,
Pátria minha natural.
27
E se eu mais der a cerviz
a mundanos acidentes,
duros, tiranos e urgentes,
risque-se quanto já fiz
do grão livro dos viventes.
E tomando já na mão
a lira santa e capaz
doutra mais alta invenção,
cale-se esta confusão,
cante-se a visão da paz.
28
Ouça-me o pastor e o Rei,
retumbe este acento santo,
mova-se no mundo espanto,
que do que já mal cantei
a palinódia já canto.
A vós só me quero ir,
Senhor e grão Capitão
da alta torre de Sião,
à qual não posso subir,
se me vós não dais a mão.
29
No grão dia singular
que na lira o douto som
Hierusalém celebrar,
lembrai-vos de castigar
os ruins filhos de Edom.
Aqueles que tintos vão
no pobre sangue inocente,
soberbos co poder vão,
arrasai-os igualmente,
conheçam que humanos são.
30
E aquele poder tão duro
dos afeitos com que venho,
que encendem alma e engenho,
que já me entraram o muro
do livre alvídrio que tenho;
estes, que tão furiosos
gritando vêm a escalar-me,
maus espíritos danosos,
que querem, como forçosos,
do alicerce derrubar-me;
31
Derrubai-os, fiquem sós,
de forças fracos, imbeles,
porque não podemos nós
nem com eles ir a Vós
nem sem Vós tirar-nos deles.
Não basta minha fraqueza
para me dar defensão,
se vós, santo Capitão,
nesta minha fortaleza
não puserdes guarnição.
32
E tu, ó carne que encantas,
filha de Babel tão feia,
toda de misérias cheia,
que mil vezes te levantas,
contra quem te senhoreia:
beato só pode ser
quem, co a ajuda celeste,
contra ti prevalecer,
e te vier a fazer
o mal que lhe tu fizeste.
33
Quem, com disciplina crua,
se fere que ua vez,
cuja alma, de vícios nua,
faz nódoas na carne sua,
que já a carne n'alma fez.
E beato quem tomar
seus pensamentos recentes
e em nacendo os afogar,
por não virem a parar
em vícios graves e urgentes.
34
Quem com eles logo der
na pedra do furor santo,
e, batendo, os desfizer
na Pedra, que veio a ser
enfim cabeça do Canto;
quem logo, quando imagina
nos vícios da carne má,
os pensamentos declina
àquela Carne divina
que na Cruz esteve já;
35
Quem do vil contentamento
cá deste mundo visível,
quanto ao homem for possível,
passar logo o entendimento
para o mundo inteligível:
ali achará alegria
em tudo perfeita e cheia
de tão suave harmonia,
que, nem por pouca, recreia,
nem, por sobeja, enfastia.
36
Ali verá tão profundo
mistério na suma Alteza,
que, vencida a natureza,
os mores faustos do mundo
julgue por maior baixeza.
Ó tu, divino aposento,
minha pátria singular!
Se só com te imaginar
tanto sobe o entendimento,
que fará se em ti se achar?
37
Ditoso quem se partir
para ti, terra excelente,
tão justo e tão penitente
que, depois de a ti subir
lá descanse eternamente.
Luís de Camões
Baptismo do Senhor

A Liturgia deste Domingo apresenta-nos o início da vida pública de Jesus. Tudo começa com o Baptismo de Jesus, cuja festa hoje celebramos.
No Baptismo de Jesus nas margens do Jordão, revela-se o Filho amado de Deus, que veio ao mundo enviado pelo Pai, com a missão de salvar e libertar os homens. Cumprindo o projecto do Pai, Jesus fez-Se um de nós, partilhou da nossa fragilidade humana, libertou-nos do egoísmo e do pecado, empenhou-Se em promover-nos para que pudéssemos chegar à vida plena.
A primeira leitura anuncia um misterioso "Servo", escolhido por Deus e enviado aos homens para instaurar um mundo de justiça e de paz sem fim... Animado pelo Espírito de Deus, Ele concretizará essa missão com humildade e simplicidade, sem recorrer ao poder, à imposição, à prepotência, pois esses esquemas não são os de Deus.
A segunda Leitura narra o Baptismo de Cornélio. Pedro dá seu testemunho e catequese na casa de Cornélio e no final baptiza toda a sua família. Cornélio é o primeiro pagão a ser admitido ao cristianismo por um apóstolo.
No Evangelho, aparece-nos a concretização da promessa profética veiculada pela primeira leitura: Jesus é o "Servo" enviado pelo Pai, sobre quem repousa o Espírito, e cuja missão é realizar a libertação dos homens. Obedecendo ao Pai, Ele tornou-se pessoa, identificou-Se com as fragilidades dos homens, caminhou ao lado deles, a fim de os promover e de os levar à reconciliação com Deus, à vida em plenitude.
LEITURA I – Is 42,1-4.6-7
Leitura do Livro de Isaías
Diz o Senhor:
«Eis o meu servo, a quem Eu protejo,
o meu eleito, enlevo da minha alma.
Sobre ele fiz repousar o meu espírito,
para que leve a justiça às nações.
Não gritará, nem levantará a voz,
nem se fará ouvir nas praças;
não quebrará a cana fendida,
nem apagará a torcida que ainda fumega:
proclamará fielmente a justiça.
Não desfalecerá nem desistirá,
enquanto não estabelecer a justiça na terra,
a doutrina que as ilhas longínquas esperam.
Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça;
tomei-te pela mão, formei-te
e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações,
para abrires os olhos aos cegos,
tirares do cárcere os prisioneiros
e da prisão os que habitam nas trevas».
Refrão: O Senhor abençoará o seu povo na paz.
Tributai ao Senhor, filhos de Deus,
tributai ao Senhor glória e poder.
Tributai ao Senhor a glória do seu nome,
adorai o Senhor com ornamentos sagrados.
A voz do Senhor ressoa sobre as nuvens,
o Senhor está sobre a vastidão das águas.
A voz do Senhor é poderosa,
a voz do Senhor é majestosa.
A majestade de Deus faz ecoar o seu trovão
e no seu templo todos clamam: Glória!
Sobre as águas do dilúvio senta-Se o Senhor,
o Senhor senta-Se como rei eterno.
Leitura dos Actos dos Apóstolos
Naqueles dias,
Pedro tomou a palavra e disse:
«Na verdade,
eu reconheço que Deus não faz acepção de pessoas,
mas, em qualquer nação,
aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável.
Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel,
anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos.
Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia,
a começar pela Galileia,
depois do baptismo que João pregou:
Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
que passou fazendo o bem
e curando todos os que eram oprimidos pelo Demónio,
porque Deus estava com Ele».
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele Naquele tempo,
João começou a pregar, dizendo:
«Vai chegar depois de mim
quem é mais forte do que eu,
diante do qual eu não sou digno de me inclinar
para desatar as correias das suas sandálias.
Eu baptizo na água,
mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo».
Sucedeu que, naqueles dias,
Jesus veio de Nazaré da Galileia
e foi baptizado por João no rio Jordão.
Ao subir da água, viu os céus rasgarem-se
e o Espírito, como uma pomba, descer sobre ele.
E dos céus ouviu-se uma voz:
«Tu és o meu Filho muito amado,
em Ti pus toda a minha complacência».

O Baptismo de Jesus foi acompanhado de três acontecimentos:
– "O céu abriu-se..." – Deus encerrou o seu silêncio; abriu o seu coração e voltou a ser amigo dos homens. É o momento da reconciliação entre o céu e a terra, entre Deus e o homem.
– "O Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal de pomba..." – faz-nos relembrar o dilúvio, quando o céu estava fechado e a pomba com o raminho de oliveira foi o sinal de que a paz havia sido restabelecida.
– "E do céu fez-se ouvir uma voz..." – há mais de 300 anos que o povo não ouvia a voz de Deus pelos profetas. Ao enviar o Espírito sobre Jesus, Deus voltou a falar com os homens. Era a Trindade presente comemorando o grande acontecimento.
Precisava Jesus de receber o Baptismo?
É claro que não. João até nem queria baptizar Jesus. Mas Jesus desejava mostrar que a sua actividade, que estava a iniciar, seria a continuação daquilo que João Baptista já estava a anunciar.
O Baptismo de João não era sacramento. Mas um rito de iniciação à Comunidade Messiânica. Renunciava-se ao pecado, convertia-se a uma vida nova e passava-se a integrar a Comunidade do Messias. Era uma antecipação do Baptismo cristão, na "água e no Espírito".
O que significa para nós o Baptismo?
– A Nicodemos, Jesus afirma: "Só se salvará quem renascer..."
– Na Ascensão, recomenda: "Ide... Baptizai..."
– São Paulo resumia as obrigações e esperanças dos cristãos: "Pelo baptismo tornamo-nos filhos de Deus."
Todos sabemos o que realiza na pessoa o baptismo: lava-nos da mancha do pecado original; dá-nos uma vida nova; torna-nos membros do Povo de Deus e da Igreja; torna-nos Filhos de Deus e herdeiros do céu.
Pelo Baptismo assumimos o compromisso de servir a Deus com fidelidade; e tudo isso se realiza através de sinais: de palavras e gestos escolhidos por Deus; de pessoas escolhidas por Deus (na Igreja).
Sabemos muitas coisas. Mas o que é que o Baptismo realmente representa na nossa vida?
Para ser cristão, basta apenas receber o Baptismo?
Ninguém duvida do valor e da eficácia do Baptismo dado às crianças. Mas será oportuno baptizar uma criança se os pais não praticam, não vivem o seu baptismo? O que importa não é marcar a data do baptismo, mas percorrer o caminho de fé. Ser cristão é muito mais do que uma cerimónia religiosa.
O Baptismo torna-nos cristãos seguidores de Cristo. Para isso é necessário Conhecer (catequese permanente); Viver (o amor, o perdão, a fraternidade); Anunciar (pela palavra, pela oração, pela acção); Ser comunidade.
"É Este é o meu filho muito amado." Essa maravilha renovou-se em cada um de nós, quando fomos baptizados. Por isso, Ele espera que conservemos essa vida divina e que possamos testemunhar essa vida nova que o Baptismo confere a cada um de nós.
Agradeçamos o grande dom do nosso Baptismo e peçamos as forças para sermos fiéis a esse compromisso que assumimos.
– Oh, que lindo! É seu filho?
– Não. Respondeu-lhe, a sorrir, o sacerdote – é meu irmão...
– Ah, está bem. Mas olhe que ele não se parece nada consigo.
– Pois é – pensou aquele missionário - durante toda a minha vida não faço outra coisa do que procurar ficar parecido com Ele.
Ainda hoje faz-se ouvir a mesma voz de Deus: Tu és meu filho muito amado. Nós somos da mesma Família de Cristo. E como diz a sabedoria popular quem sai aos seus não degenera. Através do Baptismo cada um torna-se parecido com Cristo. Ele deixou-se baptizar para Se identificar connosco e para santificar aquelas águas pelas quais um dia havíamos de passar. Agora é tempo de nos tornarmos parecidos com Ele, nas palavras, nas obras, na vida e no caminhar. É por isso que rezamos nesta Festa do Baptismo do Senhor: já que Cristo se manifestou aos homens na realidade da nossa natureza, que saibamos reconhecê-lo exteriormente semelhante a nós para sermos por Ele interiormente renovados.
Precisamos muito de alguém que seja em tudo parecido com Cristo.

Neste Domingo do Baptismo do Senhor, os céus abrem-se novamente porque Deus tem urgência em amar.
Ele está impaciente em abrir os seus braços num infinito abraço que nos acolhe. E o Evangelho conta-nos que Jesus se imerge no rio da frágil humanidade: o Filho de Deus faz-se irmão. E ali, a todos nós irmãos, Deus faz-nos filhos predilectos e amados.
Há aberturas que nós também podemos fazer. Há pontes que devemos estabelecer. Cada um de nós também pode abrir o Céu ao irmão. Temos ao nosso alcance o segredo para os maiores milagres, quando conseguimos olhar o outro, com sincero encanto, e declarar-lhe: "tu és amado!", "tu és amada!"
Senhor, de ténue esperança e persistente ansiedade,
pinto cada página da minha busca.
Nas manchas entranhadas do pecado em mim,
há um grito que me lança para Ti,
no desejo de arrependimento, de purificação e da liberdade do sentir.
Só o Teu abraço me faz digno de ser teu,
só o fogo do teu Espírito me ensina a orar,
a escutar, a estar contigo.
Em Ti descubro as cores desafiantes do amor,
da entrega, da abertura aos outros.
Preciso de olhar o céu e escutar de coração aberto:
Tu és meu filho muito amado!
DIGNIDADE DO BAPTISMO

«O Baptismo, porta da vida e do reino, é o primeiro sacramento da nova lei, que Cristo propôs a todos para terem a vida eterna (Cf. Jo 3, 5), e, em seguida, confiou à sua Igreja, juntamente com o Evangelho, quando mandou aos Apóstolos: «Ide e ensinai todos os povos, baptizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19). Por essa razão, o Baptismo é, em primeiro lugar, o sacramento daquela fé pela qual os homens, iluminados pela graça do Espírito Santo, respondem ao Evangelho de Cristo. Assim, não há nada que a Igreja deseje tanto, nem missão que considere mais própria de si do que despertar a todos, catecúmenos, pais das crianças a baptizar e padrinhos, para esta fé verdadeira e activa pela qual, aderindo a Cristo, iniciam ou confirmam o pacto da nova aliança. A esse fim se ordenam, de facto, quer a formação pastoral dos catecúmenos e a preparação dos pais, quer a celebração da palavra de Deus e a profissão de fé baptismal.
Além disso, o Baptismo é o sacramento pelo qual os homens se tornam membros do corpo da Igreja, edificados uns com os outros em morada de Deus no Espírito (Cf. Ef 2, 22), e em sacerdócio real e povo santo (Cf. 1Pe 2, 9); é também o vínculo sacramental da unidade que existe entre todos os que são assinalados por ele (Vaticano II, Unitatis redintegratio, n. 22).
Em razão desse efeito imutável, que a própria celebração do sacramento na liturgia latina manifesta, quando os baptizados são ungidos com o Crisma na presença do povo de Deus, o rito do Baptismo é tido na maior estima por todos os cristãos, e a ninguém é lícito repeti-lo uma vez celebrado, validamente, ainda que pelos irmãos separados.

O Baptismo, banho de água acompanhado da palavra da vida (Cf. Ef 5, 26), limpa os homens de toda a mancha de culpa, tanto original como pessoal, e torna-os participantes da natureza divina (Cf. 2Pe 1,4) e da adopção de filhos. (Cf. Rom 8,15; Gal 4, 5) Com efeito, o Baptismo, como se proclama nas orações da bênção da água, é o banho de regeneração dos filhos de Deus (Cf. Tit 3, 5) e do seu nascimento do alto. A invocação da Santíssima Trindade sobre os baptizandos faz com que estes, marcados pelo seu nome, Lhe sejam consagrados e entrem em comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Para essa dignidade tão sublime preparam e a ela conduzem as leituras bíblicas, a oração da assembleia, e a tríplice profissão de fé.
Superando de longe as purificações da antiga lei, o Baptismo produz estes efeitos pela força do mistério da Paixão e Ressurreição do Senhor. Na verdade, os que são baptizados, são configurados com Cristo por morte semelhante à sua, sepultados com Ele na morte, (Cf. Rom 6,5.4) também n'Ele são restituídos à vida e juntamente com Ele ressuscitam. (Cf. Ef 2, 5.6) No Baptismo, nada mais se comemora e realiza senão o mistério pascal, enquanto nele os homens passam da morte do pecado para a vida. Por isso, na sua celebração, sobretudo quando esta se realiza na Vigília pascal ou em dia de domingo, é necessário que se torne manifesta a alegria da ressurreição.»
Solenidade da Epifania do Senhor

A Liturgia deste Domingo leva-nos à manifestação de Jesus. Ele é uma "Luz", que se acende na noite do mundo e ilumina os caminhos dos homens, conduzindo-os ao encontro da Salvação.
A primeira leitura anuncia a chegada da Luz salvadora do Senhor, que transfigurará Jerusalém e atrairá a ela povos de todo o mundo. Esta Jerusalém nova representa a Igreja, comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a Luz salvadora que ele veio trazer.
A segunda leitura apresenta o projecto salvador de Deus, como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos, numa mesma comunidade de irmãos, a comunidade de Jesus.
No Evangelho vemos a concretização da promessa da primeira leitura. Guiados pela luz da Estrela, procuram com esperança o Messias e reconhecem n'Ele a "Salvação de Deus" e aceitam-no como "Senhor".
Leitura do Livro de Isaías
Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
porque chegou a tua luz
e brilha sobre ti a glória do Senhor.
Vê como a noite cobre a terra
e a escuridão os povos.
Mas sobre ti levanta-Se o Senhor
e a sua glória te ilumina.
As nações caminharão à tua luz
e os reis ao esplendor da tua aurora.
Olha ao redor e vê:
todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
os teus filhos vão chegar de longe
e as tuas filhas são trazidas nos braços.
Quando o vires ficarás radiante,
palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
pois a ti afluirão os tesouros do mar,
a ti virão ter as riquezas das nações.
Invadir-te-á uma multidão de camelos,
de dromedários de Madiã e Efá.
Virão todos os de Sabá,
trazendo ouro e incenso
e proclamando as glórias do Senhor.
Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra.
Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.
Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.
Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
Prostrar-se-ão diante dele todos os reis,
todos os povos o hão-de servir.
Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Certamente já ouvistes falar
da graça que Deus me confiou a vosso favor:
por uma revelação,
foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
Nas gerações passadas,
ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
como agora foi revelado pelo Espírito Santo
aos seus santos apóstolos e profetas:
os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
pertencem ao mesmo corpo
e participam da mesma promessa,
em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
nos dias do rei Herodes,
quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde está – perguntaram eles –
o rei dos judeus que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-l'O».
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado
e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles responderam: «Em Belém da Judeia,
porque assim está escrito pelo profeta:
'Tu, Belém, terra de Jusá,
não és de modo nenhum a menor
entre as principais cidades de Judá,
pois de ti sairá um chefe,
que será o Pastor de Israel, meu povo'».
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e pediu-lhes informações precisas
sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e, quando O encontrardes, avisai-me,
para que também eu vá adorá-l'O».
Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
seguia à sua frente
e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe,
e, prostrando-se diante d'Ele, adoraram-n'O.
Depois, abrindo os seus tesouros,
ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra.
E, avisados em sonhos
para não voltarem à presença de Herodes,
regressaram à sua terra por outro caminho.
Esta narrativa não é uma reportagem jornalística, mas uma catequese sobre Jesus e a sua Missão. A Estrela não é um astro no céu, mas a pessoa de Jesus. Ele é a "Luz" anunciada pelos profetas. Os Magos representam os povos estrangeiros que vão ao encontro de Jesus e se deixam guiar pela sua mensagem de paz e de amor. São imagem da Igreja, formada de todos os povos que aderem a Jesus e O reconhecem como o seu "Senhor".
A intenção de S. Mateus era apresentar Jesus como o novo Moisés, o ungido de Deus, recusado pelos judeus e aceite pelos pagãos, que formarão o novo Israel, o novo povo de Deus: a Igreja.
Atitudes diante desta estrela: adoração, indiferença e rejeição.
– Adoração: os Magos viram a "estrela", deixaram tudo e puseram-se a caminho para descobrir Jesus e adorá-l'O: "Vimos e viemos". Os Magos representam todos os povos não judeus, agora associados à História da Salvação.
– Indiferença: os Sacerdotes conheciam-n'O bem nas Escrituras. Sabiam até o lugar onde Ele deveria nascer, mas não perceberam o sinal da sua chegada, nem se preocuparam de ir ao seu encontro. Estavam muito seguros da sua sabedoria, por isso não acolheram a alegria de encontrar e adorar o Salvador.
– Rejeição: Herodes tentou até apagar essa Luz. Ele simboliza os grandes deste mundo que temem a Sua chegada. Poderia roubar-lhe o trono.
Todos viram a mesma realidade: um menino recém-nascido, mas as opções foram e são diferentes.
Com quem nos assemelhamos? Com os Magos, atentos aos sinais, capazes de ler os acontecimentos de nossa vida e a história do mundo à luz de Deus? Com os Sacerdotes, orgulhosos do seu saber, mas acomodados? Com Herodes, que procura matar o menino?
Há um caminho a seguir n procura de Deus.
O itinerário seguido pelos magos reflecte o processo que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: Estão atentos aos sinais (a estrela); percebem que Jesus traz a Salvação; põem-se a caminho para O encontrar perguntam aos judeus, que conhecem as Sagradas Escrituras, o que fazer; encontram Jesus e o adoram-n'O; oferecem-Lhe "os seus tesouros" e "voltam por outro caminho".
Neste relato, descobrimos as etapas do nosso caminho à procura de Jesus: a sensibilidade em distinguir os sinais de Deus e a generosidade em aceitar o convite.
"Os magos viram a estrela e vieram adorá-l'O". Eles não perderam a esperança na incompreensão dos contemporâneos, nem diante das dificuldades da longa caminhada, da ignorância e maldade de Herodes, ou do ambiente rústico em que encontraram o Menino, o Rei dos judeus.
Se olharmos o mundo e os homens com os olhos da fé tudo será uma manifestação e presença de Deus, uma perene Epifania.
Os magos não se apresentaram de mãos vazias. Ofereceram as suas riquezas: ouro, incenso e mirra.
O que temos nós hoje para lhe dar?
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Obrigado, Senhor Jesus, porque vieste também para nós! Obrigado porque nos arrancaste do poder das trevas, porque nos fizeste encontrar o Deus vivo e verdadeiro!
Hoje, também somos convidados a admirar o exemplo dos sábios do Oriente, que vendo no céu o sinal do Rei nascido, não temeram deixar tudo e, humildemente, seguir a luz!
Como Abraão, o pai de todos os crentes, deixou a sua terra e partiu à ordem de Deus, sem saber para onde ia, assim também, aqueles que hoje são as nossas primícias para Cristo, partem, obedecendo ao apelo do Senhor, sem saber para onde vão!
Partamos nós também! Partamos da nossa vida cómoda, partamos da nossa fé tíbia, partamos do nosso cristianismo burguês, que deseja ser compreendido, aceite, e aplaudido pelo mundo... ou não veremos a luz do Menino!
Partamos, pois, e encontraremos Aquele que é a Luz do mundo!
Quem procura?
De procuras e encontros (e também alguns desencontros!) se vai escrevendo a nossa história. Revelamo-nos tanto em tudo o que procuramos. Por isso também gosto muito de olhar para os magos que chegam ao presépio como representantes da procura humana que se agita dentro de nós. Procuramos mais felicidade, mais realização, mais conhecimento, mais amor. Não se trata de uma mera insatisfação porque nos maravilhamos com o que alcançamos, mas é como se um dinamismo maior do que nós nos habitasse. O problema é quando se transforma a procura na ânsia desmesurada de "ser deus" e não agradecemos nem saboreamos o que já alcançámos!
Quantas vezes procuramos fora de nós aquilo que está tão íntimo e próximo! Santo Agostinho di-lo nas suas Confissões: "Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! E eis que estavas dentro de mim e eu fora, e aí te procurava, e eu, sem beleza, precipitava-me nessas coisas belas que tu fizeste. Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti aquelas coisas que não seriam, se em ti não fossem. Chamaste, e clamaste, e rompeste a minha surdez; brilhaste, cintilaste, e afastaste a minha cegueira; exalaste o teu perfume, e eu respirei e suspiro por ti; saboreei-te, e tenho fome e sede; tocaste-me, e inflamei-me no desejo da tua paz." Procuramos longe o que está perto, como também diz Sophia de Mello Breyner Andressen, num poema sobre a estrela que guiou os magos.: "Quanto deserto / Atravessei para encontrar aquilo / Que morava entre os homens e tão perto". No meio de todas as procuras não podemos esquecer a do nosso universo interior, aquela que faz descobrir riquezas incontáveis no íntimo de cada pessoa.
Mas o que verdadeiramente me espanta é que Deus também nos procure. Mais do que o "motor imóvel" de Aristóteles revela-se como Pai a lançar-se nos braços do filho pródigo, como Filho a pisar os nossos caminhos de terra e flores, como Espírito que sopra e semeia incêndios de amor. É d'Ele que aprendemos a alegria de procurar uns com os outros, de potenciar os dons diversos e tão interdependentes, de fazer a festa do encontro. É com Ele que vencemos o medo (até o medo de errar e de nos perdemos), que celebramos o esforço e promovemos a iniciativa, que recusamos as teias de aranha e a tentação fácil de condenar. É n'Ele que cada dia pode encher-se de descobertas e o que é pequeno e frágil ter uma beleza imensa. Que outro e novo caminho trazemos do Natal acabado de celebrar? Como se pode traduzir numa procura maior o encontro com Jesus Emanuel, o Deus-connosco? Queremos mesmo procurar?
Natal é a certeza de um Deus-Menino,
acampado no meio de nós.
Solidário com as nossas alegrias e tristezas,
as nossas esperanças, dificuldades e frustrações...
E agora, outra vez os Reis,
os representantes da procura e do sonho
que nos habita e agiganta o coração.
Para compreender a festa de Reis:
- É preciso pés novos,
para partir em demanda de outros horizontes,
abandonando rotinas e dogmas e sofás.
- É preciso olhos novos,
para descobrir, na terra e nos céus,
as estrelas e os sinais
que nos guiam no encontro com Deus na história.
- É preciso um coração novo,
para se encantar com um Menino,
e prostrar-se diante dele em humilde adoração,
perante a rejeição dos senhores do Tempo e do Templo
e a indiferença dos "sábios" da corte.
- É necessário mãos novas,
que se abram em partilha e gratidão,
com presentes generosos e solidários...
- É preciso uma vontade nova,
decididos a regressar ao seu interior
e ao coração dos irmãos por outro caminho:
o caminho da Fraternidade, do Perdão e da Festa.
Ser Estrela
Os Magos chegaram a Belém guiados por uma estrela. É que as pessoas são como estrelas ou como cometas.
Os cometas passam, as estrelas permanecem. Há gente cometa que passa pela vida apenas por instantes, gente que não prende ninguém e a ninguém se prende, gente sem amigos que passa pela vida sem iluminar, sem guiar ou marcar presença.
O importante é ser estrela, estar junto, ser luz, ser calor, ser vida. Um amigo é uma estrela. Podem passar anos, podem surgir distâncias mas a marca fica no coração. Há necessidade de criar um mundo de estrelas. Todos os dias poder contar com elas e poder sentir a sua luz e calor.
Ser estrela neste mundo passageiro de pessoas cometas é um desafio e uma recompensa.Recompensa por ter sido luz para muitos amigos, ter sido calor para muitos corações, ter nascido e ter vivido e não apenas existido.
Na nossa constelação cada estrela tem o seu brilho próprio onde o importante não é brilhar mais, mas brilhar sempre.Há um autor desconhecido que escreveu: "Para que a sua estrela brilhe, não é preciso apagar a minha."
«Ao iniciar este ano, descubramos de novo a adoração como exigência da fé. Se soubermos ajoelhar diante de Jesus, venceremos a tentação de olhar apenas aos nossos interesses. De fato, adorar é fazer o êxodo da maior escravidão: a escravidão de si mesmo.»
Homilia do papa Francisco na Solenidade da Epifania
No Evangelho (Mt 2, 1-12), os Magos começam por manifestar a intenção que os move: «Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo» (2, 2). Adorar é o objetivo do seu percurso, a meta do seu caminho. De facto, chegados a Belém, quando «viram o Menino com Maria, sua mãe, prostrando-se, adoraram-No» (2, 11). Se perdermos o sentido da adoração, falta-nos o sentido de marcha da vida cristã, que é um caminho rumo ao Senhor, e não a nós. O risco existe, como nos adverte o Evangelho, quando, a par dos Magos, mostra personagens incapazes de adorar.
O primeiro deles é o rei Herodes, que usa o verbo «adorar», mas de maneira falaciosa. Com efeito, pede aos Magos que o informem do local onde encontrarem o Menino, «para – diz ele – ir também eu adorá-Lo» (2, 8). Na realidade, Herodes adorava apenas a si mesmo e por isso, com uma mentira, o que ele queria era livrar-se do Menino. Que nos ensina isto? Que o homem, quando não adora a Deus, é levado a adorar-se a si mesmo; e a própria vida cristã, sem adorar o Senhor, pode tornar-se uma forma educada de se louvar a si mesmo e a sua habilidade. É um risco sério: servir-se de Deus, em vez de servir a Deus. Quantas vezes trocamos os interesses do Evangelho pelos nossos; quantas vezes revestimos de religiosidade aquilo que a nós nos convém; quantas vezes confundimos o poder segundo Deus, que é servir os outros, com o poder segundo o mundo, que é servir-se a si mesmo!
Além de Herodes, há outras pessoas no Evangelho que não conseguem adorar: são os chefes dos sacerdotes e os escribas do povo. Com extrema precisão, indicam a Herodes o local onde havia de nascer o Messias: em Belém da Judeia (cf. 2, 5). Conhecem as profecias e citam-nas de forma exata. Sabem aonde ir, mas não vão. Disto, também podemos tirar uma lição: na vida cristã, não basta saber. Sem sair de si mesmo, sem ir ao encontro de Deus, sem O adorar, não O conhecemos. De pouco ou nada servem a teologia e a ação pastoral, senão se dobram os joelhos; senão se faz como os Magos, que não se limitaram a ser sábios organizadores duma viagem, mas caminharam e adoraram. Quando se adora, apercebemo-nos de que a fé não se reduz a um belo conjunto de doutrinas, mas é a relação com uma Pessoa viva, que devemos amar. É permanecendo face a face com Jesus que conhecemos o seu rosto. Quando O adoramos, descobrimos que a vida cristã é uma história de amor com Deus, onde não basta ter boas ideias sobre Ele, mas é preciso colocá-Lo em primeiro lugar, como faz um namorado com a pessoa amada. Assim deve ser a Igreja: uma adoradora enamorada de Jesus, seu esposo.
Ao principiar este ano, descubramos de novo a adoração como exigência da fé. Se soubermos ajoelhar diante de Jesus, venceremos a tentação de olhar apenas aos nossos interesses. De facto, adorar é fazer o êxodo da maior escravidão: a escravidão de si mesmo. Adorar é colocar o Senhor no centro, para deixarmos de estar centrados em nós mesmos. É predispor as coisas na sua justa ordem, reservando o primeiro lugar para Deus. Adorar é antepor os planos de Deus ao meu tempo, aos meus direitos, aos meus espaços. É aceitar o ensinamento da Escritura: «Ao Senhor, teu Deus, adorarás» (Mt 4, 10). «Teu Deus»: adorar é sentir que nos pertencemos mutuamente, eu e Deus. É tratá-Lo por «Tu» na intimidade, é depor a seus pés a nossa vida, permitindo-Lhe entrar nela. É fazer descer sobre o mundo a sua consolação. Adorar é descobrir que, para rezar, basta dizer «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28) e deixar-me invadir pela sua ternura.
Adorar é ir ter com Jesus, não com uma lista de pedidos, mas com o único pedido de estar com Ele. É descobrir que a alegria e a paz crescem com o louvor e a ação de graças. Quando adoramos, permitimos a Jesus que nos cure e transforme; adorando, damos ao Senhor a possibilidade de nos transformar com o seu amor, iluminar as nossas trevas, dar-nos força na fraqueza e coragem nas provações. Adorar é ir ao essencial: é o caminho para se desintoxicar de tantas coisas inúteis, de dependências que anestesiam o coração e estonteiam a mente. De facto, adorando, aprende-se a rejeitar o que não deve ser adorado: o deus dinheiro, o deus consumo, o deus prazer, o deus sucesso, o nosso eu arvorado em deus. Adorar é fazer-se pequenino na presença do Altíssimo, descobrir diante d’Ele que a grandeza da vida não consiste em ter, mas em amar. Adorar é descobrir-nos como irmãos e irmãs face ao mistério do amor que ultrapassa todas as distâncias: é beber o bem na fonte, é encontrar no Deus próximo a coragem de nos aproximarmos dos outros. Adorar é ficar calado diante do Verbo divino, para aprender a dizer palavras que não magoem, mas consolem.
Adorar é um gesto de amor que muda a vida. É fazer como os Magos: levar ao Senhor o ouro, para Lhe dizer que nada é mais precioso do que Ele; oferecer-Lhe o incenso, para Lhe dizer que só com Ele se eleva para o alto a nossa vida; apresentar-Lhe a mirra – com ela se ungiam os corpos feridos e dilacerados – como promessa a Jesus de que socorreremos o próximo marginalizado e sofredor, porque nele está o Senhor.
Amados irmãos e irmãs, hoje cada um de nós pode interrogar-se: «Sou um cristão adorador?» A pergunta impõe-se-nos, pois muitos cristãos que rezam, não sabem adorar. Encontremos momentos para a adoração ao longo do nosso dia e criemos espaço para a adoração nas nossas comunidades. Cabe a nós, como Igreja, colocar em prática as palavras que acabamos de rezar no Salmo: «Adorar-Vos-ão, Senhor, todos os povos da terra». Adorando, descobriremos também nós, como os Magos, a direção certa do nosso caminho. E sentiremos, como os Magos, uma «imensa alegria» (Mt 2, 10).
Basílica de S. Pedro, 06-01-2020
Festa da Sagrada Família
A liturgia deste domingo propõe-nos a Família de Jesus como exemplo e modelo das nossas Famílias.
Foi num quadro comum duma família humana que se realizou o mistério da Encarnação, pelo qual Deus feito Homem habitou entre os homens.
Assim como a Família de Jesus foi sagrada também as nossas famílias recebem as mesmas bênçãos de Deus e são sagradas.
- Bem-aventuradas as Famílias que, mais do que interesses materiais, ou atracções naturais, têm a uni-los Jesus e a alegria da mútua entrega!
- Bem-aventuradas as Famílias que têm memórias referenciais e não têm medo de sonhar;
- Bem-aventuradas as Famílias que vivem na Lei do Senhor e reforçam os seus laços na força da Palavra de Deus, que se refazem no perdão, se fortalecem na caridade e se enriquecem na partilha;
- Bem-aventuradas as Famílias cujos membros são capazes de se perdoar e de se valorizarem mutuamente, mantendo activo o sentido da gratidão e do respeito mútuo.
Uma Família Feliz não é sinónimo de prosperidade económica, de sucesso profissional, de estabilidade financeira. Mas é o ambiente em que todos são capazes de se encontrar, contemplar-se a mútua beleza e promover-se na caridade.
Jesus, Maria e José, abençoai as nossas famílias!
IV DOMINGO DO ADVENTO - B

A primeira leitura apresenta a "promessa" de Deus a David. Deus anuncia, pela boca do profeta Natã, que nunca abandonará o seu Povo nem desistirá de o conduzir ao encontro da felicidade e da realização plenas. A "promessa" de Deus irá concretizar-se num "filho" de David, através do qual Deus oferecerá ao seu Povo a estabilidade e a paz, a abundância e a fecundidade, a felicidade sem fim.
A segunda leitura chama a esse projecto de salvação, preparado por Deus desde sempre, o "mistério"; e, sobretudo, garante que esse projecto se manifestou, em Jesus, a todos os povos, a fim de que a humanidade inteira integre a família de Deus.
O Evangelho refere-se ao momento em que Jesus encarna na história dos homens, afim de lhes trazer a salvação e a vida definitivas. Mostra como a concretização do projecto de Deus só é possível quando os homens e as mulheres que Ele chama aceitam dizer "sim" ao projecto de Deus, acolher Jesus e apresentá-l'O ao mundo.
Leitura do Segundo Livro de Samuel
Quando David já morava em sua casa
o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam,
o rei disse ao profeta Natã:
«Como vês, eu moro numa casa de cedro,
e a arca de Deus está debaixo de uma tenda».
Natã respondeu ao rei:
«Faz o que te pede o teu coração,
porque o Senhor está contigo».
Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo:
«Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor:
Pensas edificar um palácio para Eu habitar?
Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos,
para seres o chefe do meu povo de Israel.
Estive contigo em toda a parte por onde andaste
e exterminei diante de ti todos os teus inimigos.
Dar-te-ei um nome tão ilustre
como o nome dos grandes da terra.
Prepararei um lugar para o meu povo de Israel:
e nele o instalarei para que habite nesse lugar,
sem que jamais tenha receio
e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora,
quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel.
Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos.
O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa.
Quando chegares ao termo dos teus dias
e fores repousar com teus pais
estabelecerei em teu lugar um descendente que há-de nascer de ti
e consolidarei a tua realeza.
Ele construirá um palácio ao meu nome
e Eu consolidarei para sempre o teu trono real.
Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho.
A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente
e o teu trono será firme para sempre.
Refrão: Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.
Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor
e para sempre proclamarei a sua fidelidade.
Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre»,
no céu permanece firme a vossa fidelidade.
«Concluí uma aliança com o meu eleito,
fiz um juramento a David meu servo:
'Conservarei a tua descendência para sempre,
estabelecerei o teu trono por todas as gerações'».
«Ele Me invocará: 'Vós sois meu Pai,
meu Deus, meu Salvador'.
Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor,
a minha aliança com ele será irrevogável».
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Àquele que tem o poder de vos confirmar,
segundo o meu Evangelho e a pregação de Jesus Cristo
— a revelação do mistério encoberto desde os tempos eternos
mas agora manifestado
e dado a conhecer a todos os povos
pelas escrituras dos Profetas
segundo a ordem do Deus eterno,
dado a conhecer a todos os gentios
para que eles obedeçam à fé —
a Deus, o único sábio,
por Jesus Cristo,
seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amen.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo:
«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo;
bendita és tu entre as mulheres».
Ela ficou perturbada com estas palavras
e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo:
«Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe:
«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».
O que é que história de Maria nos diz hoje?
Deus ama os homens e tem um projecto de vida plena para lhes oferecer, através de Jesus Cristo.
Maria mostra como é possível fazer Jesus nascer no mundo: através de um Sim incondicional ao projecto de Deus. Ele espera também o nosso Sim para continuar a vir ao mundo e oferecer aos irmãos a Salvação e a Vida de Deus.
Maria torna-se instrumento de Deus porque esteve atenta ao projecto de Deus e disponível para acolher e testemunhar com amor as suas propostas.
Qual a nossa resposta aos apelos de Deus? Maria respondeu com um "sim" total e incondicional. A exemplo dela, devemos também nós dar o nosso "Sim" generoso, numa entrega total nas mãos de Deus e no acolhimento radical dos caminhos de Deus.
Como é possível essa entrega total a Deus? Através de uma vida feita diálogo, comunhão e de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi uma pessoa de oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n'Ele. O caminho é o mesmo ainda hoje para todos nós.
No meio da agitação de todos os dias, encontramos nós tempo e disponibilidade para ouvir o Senhor, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais?
A exemplo de Maria, digamos um sim generoso e total ao Senhor. Preparemos para ele uma morada no nosso lar e no nosso coração.
Só assim o "Senhor estará também connosco" e a nossa alegria neste Natal será completa.
VOZ DA SENTINELA!
Senhor, Tu vais nascer
e o mundo em dor materna
de parto prematuro, sem ter enxoval,
nem casa ou hospital aonde te acolher.
Senhor, Tu vais nascer
e há ódios a explodir em cenas de terror
com homens a mandar e homens a matar
e homens a morrer.
Senhor, Tu vais nascer
e há esgotos entupidos por fetos enjeitados
e órfãos sem ter pão e sem habitação
nem escola onde aprender.
Senhor, Tu vais nascer
e há velhos sem família, casais
desempregados, doentes sem consulta
e jovens que procuram razões para viver.
Senhor, Tu vais nascer
e tanto suor perdido em terras calcinadas
e sangue e tanta dor em guerras sem valor
que é bem melhor perder.
Senhor, Tu vais nascer
e a gente sem saber a forma de acolher-Te.
Se ainda hoje
não podes nascer numa estalagem;
se ele há tantos herodes que temem
a tua influência no espírito do povo,
para que tentar de novo? Não chega
essa experiência que Te levou à Cruz?
Ah! Vem, Senhor Jesus!
(Lopes Morgado)
Maria,
Virgem de poderosa ternura
e de poder tão terno,
de quem brota a fonte de todo o amor,
não deixes de conceder
esta verdadeira misericórdia,
lá onde tu encontras a verdadeira miséria.
Se me confundo diante
da tua poderosa santidade, não cores por causa
dos teus sentimentos misericordiosos
pois são tão naturais.
Virgem de poder tão terno, o Senhor está contigo!
Estás tão cheia de graça,
que incessantemente dás força
a todas as criaturas que recorrem a ti.
Faz com que o grito das minhas necessidades
te siga sempre e em toda a parte
e que o teu olhar de bondade me acompanhe.
Amen.