Mãe
Não sei como a seara vem do grão,
Nem como a aranha faz as suas teias,
Mas sei que alguém tirou do coração
O sangue para dá-lo às minhas veias.
Não sei quem fez a casa onde nasci,
Mas sei quem dentro dela me afagou,
Não sei quem fez a roupa que vesti,
Mas sei quem de carinhos me cercou.
Não sei como o perfume chega à flor,
Mas sei porque um sorriso me seduz,
Não sei quem deu à gente tanto amor,
Mas sei quem me ensinou a amar Jesus.
Não sei quem pôs a luz na minha casa,
Mas sei quem acendeu luz no meu peito,
Não sei como o carvão se torna brasa,
Mas sei quem é na vida o amor-perfeito.
Não sei qual é a estrela de mais brilho,
Mas sei que um só olhar me iluminou,
E sei que é doce ouvir: – «querido filho!»
Quando o choro meus olhos apagou.
Não sei como no céu se faz a neve,
Não sei como a carriça faz o ninho,
Mas sei como a palavra mãe se escreve:
Com letras feitas de ouro e de carinho.
Não sei como se torna azul a esfera,
Mas sei que a mulher-mãe tem lá seu trono,
Não sei como se faz a Primavera,
Mas sei que o amor de mãe não tem Outono.
Não sei qual a fundura desse mar,
Mas sei que o amor de mãe não tem fundura,
Não sei se a Lua anseia por luar,
Mas sei que a mãe é luz na noite escura.
Não sei como é o coração do vento,
Mas sei como é o coração da mãe,
Não sei a onde chega o pensamento,
Mas sei que o amor de mãe vai mais além.
Não sei se o pôr-do-sol beija o luar,
Mas sei que alguém de beijos me comeu,
Não sei se o Paraíso é meu solar,
Mas sei que o amor de mãe recorda o Céu.
Dinis de Vilarelho
São José Operário
A Igreja Católica celebra no 1º de Maio a festa litúrgica de S. José Operário, como forma de associar-se à comemoração mundial do Dia do Trabalhador.
S. José foi desde cedo apresentado pela Igreja como símbolo e exemplo de pai e de trabalhador, tendo sido declarado patrono da Igreja universal em 1870, pelo papa Pio IX.
Esta celebração litúrgica foi instituída pelo Papa Pio XII, no dia 1 de Maio de 1955 e, diante de milhares de trabalhadores italianos, proferiu estas palavras: “Longe de despertar discórdia, ódios e violência, o 1º de Maio é e será um recorrente convite à sociedade moderna a realizar aquilo que ainda falta à paz social."
Sábias são também as palavras do Papa Francisco, a propósito de S. José Operário, que encontramos na Carta Encíclica sobre o cuidado da casa comum - Laudato Sì:
«E ao lado d'Ela [Maria], na Sagrada Família de Nazaré, destaca-se a figura de São José. Com o seu trabalho e presença generosa, cuidou e defendeu Maria e Jesus e livrou-os da violência dos injustos, levando-os para o Egipto.
No Evangelho, aparece descrito como um homem justo, trabalhador, forte; mas, da sua figura, emana também uma grande ternura, própria não de quem é fraco mas de quem é verdadeiramente forte, atento à realidade para amar e servir humildemente. Por isso, foi declarado protector da Igreja universal.
Também Ele nos pode ensinar a cuidar, pode motivar-nos a trabalhar com generosidade e ternura para proteger este mundo que Deus nos confiou.» (Papa Francisco, in Laudato Sì, n.º 242)
S. José Operário, rogai por nós!
Entre-laços: Memórias de um morrer crente
No seu memorável livro Os irmãos Karamazov, Dostoiévski escrevia que «a morte de uma criança dá vontade de devolver ao universo o meu bilhete de entrada».
A nossa experiência indireta do morrer é um ato inapagável a ser atravessado em relação. É um tu «morreste-me» (José Luís Peixoto) ineliminável. Humana, demasiadamente humana é a morte.
Nesta hora as nossas palavras poderão ser como «equipas de salvamento confusas com mapas obsoletos e cantos de passarinhos em vez de bússolas» (Kalman Stefánsson, Paraíso e Inferno). Palavras confusas e perdidas, entreabertas por um sussurro frágil e leve para não ferir o silêncio.
O teólogo Joseph Ratzinger, numa das suas mais profundas intuições, A angústia de uma ausência. Três meditações sobre o Sábado Santo, escrevia que «existe uma angústia – a verdadeira, escondida na profundidade da nossa solidão - que não pode ser superada mediante a razão, mas apenas pela presença de uma pessoa que nos ama».
Mas será este ato o fim de tudo, de tudo quanto vivido? Será a morte apagamento de nulificação, ou um abandono breve de uma existência que é «originariamente estrangeira a si mesma» (Heidegger), sempre em êxodo?
Como não recordar intensamente o seu riso, gestos, ternura, rosto, palavras, desejos, beijos e errâncias…o seu corpo vivente? Tudo isso é tocado e assumido na liturgia-memorial do corpo sempre presente e tão invisível!
A presença do N participa hoje das últimas palavras do Ressuscitado: «isto é o meu corpo, fazei isto em memória de mim». Crer nesta presença eucarística comemorável é participar na vida nova.
Se «a morte se cobre-se de flores», como escrevia Dostoiévski, agora, com o nosso olhar transfigurado, o corpo cobre-se de flores.
Permanecer na comunhão do corpo é fazer com que o N viva presentemente de outro modo. Paradoxal, mas real, é a imagem joanina do grão de trigo: «se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele fica só. Mas, se morre, produz muito fruto» (Jo 12,24).
Mas a ausência do corpo físico não ocultará os traços da sua presença viva? Talvez a morte seja como «o lado noturno do existir, escuridão impenetrável» (J. Ratzinger).
A luz de Deus permanece nos traços entreabertos desse lado noturno porque o «paraíso continua a ser ainda aquilo de que nos lembramos» (Eduardo Lourenço). A memória viva entre-laça-se num extraordinário corpo vivo presente na história de cada um.
A Voz luzente que apela é a nua promessa que transfigura, que excede, nossas frágeis e afetivas relações. «Mesmo na noite extrema na qual não penetra palavra alguma, na qual todos nós somos como crianças apavoradas, chorosas, surge uma voz que nos chama, uma mão que nos toma e nos conduz», escrevia ainda Ratzinger.
Seres expostos à vulnerabilidade taciturna, ao desânimo afetivo, desejamos ardentemente comer do ágape que transfigura o nosso corpo num excesso de incompreensão!
O luto é o tempo do questionamento! Deus faz-se questionamento e não tanto resposta, na possibilidade de uma «repentina iluminação» inquietante.
O poeta Pedro Sena-Lino – perscrutando o profundo de todo o humano – escrevia: «onde hoje se levanta uma árvore morou uma angústia».
A morte conasce com a vida, atravessando-a. «Morrer é só não ser visto», poetizava Fernando Pessoa. Nós atravessamo-la e ela atravessa-nos em presença silenciosa e crescente. Longe de ser uma entidade estranha, o morrer faz-se presente! O esquecimento do ser estrangeiro provoca a angústia da impossessão.
A morte não está à margem da vida. Ela está na vida como presença invisível, como «rebento no interior da morte como o trigo» (Daniel Faria).
Do trágico e do inevitável, há sempre a possibilidade da experiência da «luz refrata de Deus» (Christian Wiman, My Bright Abyss. Meditation of a Modern Believer). Mesmo se a morte é o abismo mais profundo, não terá ela o gérmen de um «abismo luzente»?
O timbre invisível da Voz apela a «levantar» o nosso rosto descaído, a atravessar silenciosamente este ato que fere. O corpo que hoje se silencia aos nossos sentidos é a expressão noturna da nossa vida, abissal, à espera de transfiguração no amor-(do)-Outro.
A morte visita-nos na irrupção do inesperado, ou na docilidade citrina de Llansol no «encontro inesperado do diverso». E o N muito precocemente foi visitado pela «irmã morte», como poetizava o santo de Assis. A certeza da vida tão evidente quanto a morte reside na memória afetiva que nos entre-laça.
Nesta revivescência afetiva reside o princípio da pessoalidade. No fundo, como escreve José Luís Peixoto, a possibilidade efetiva de «reviver o silêncio insepulto dos teus lábios».
Em registo de apelo afetivo, Kalman Stefánsson, no seu belíssimo livro Paraíso e Inferno, escrevia:
«Tudo aquilo que se relaciona com uma pessoa torna-se uma recordação que lutámos para reter, e é traição esquecer isso. Esquecer como ele bebia café. Esquecer como se ria. Como olhava para cima. Esquecer é trair […]
Deveríamos cuidar daqueles que são para nós importantes e que têm em si bondade, e de preferência nunca os abandonar, a vida é demasiado curta para isso e, por vezes, termina de modo súbito.»
A memória do que fomos e somos é transfigurada pelo toque dos afetos que nos unem eternamente. Salva-nos, por isso, a amizade comemorativa, na vida e na morte!
É belo o verso da poetiza Adília Lopes a dizer-nos: «Deixa o dia de ontem com Deus […] Um anjo está contigo quando desanimas/ um anjo está contigo quando te alegras».
Só amizade tocante e íntima nos redime, esse contigo, nos aproxima ou nos afasta, do “inferno” ou do “paraíso”. É essa experiência que Agostinho de Hipona sente aquando da morte de sua mãe: «ficou-me um profundo afeto por ti».
O mistério luzente leva-nos a sentir que «tu não morrerás; venha o que vier, permaneceremos juntos. O amor é tão forte como a morte» (Gabriel Marcel).
Que ao longo da nossa breve vida tenhamos oportunidade de dizer a a/Alguém «nada foi para mim doce sem ti» (John Milton) porque, no fundo, «todos os livros do mundo não valem um café com um amigo» (Ermanno Olmi, filme Centochiodi).
Para cada um, o tempo de vida
que lhe foi concedido é o breve instante
em que chega a ser aquilo que há de ser (Karl Rahner )
João Paulo Costa, in www.snpcultura.org/entrelacos_memorias_de_um_morrer_crente.html
Quaresma: tempo favorável, tempo de salvação!
Quaresma, tempo para redescobrir o rosto misericordioso do Pai!
Quaresma, tempo de transformação e de renovação interior
Este é o momento favorável para mudar! Este é o tempo de se deixar tocar o coração.
«Precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o acto último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado.»
«A misericórdia de Deus transforma o coração do homem e faz-lhe experimentar um amor fiel, tornando-o assim, por sua vez, capaz de misericórdia. É um milagre sempre novo que a misericórdia divina possa irradiar-se na vida de cada um de nós, estimulando-nos ao amor do próximo e animando aquilo que a tradição da Igreja chama as obras de misericórdia corporal e espiritual.
Estas recordam-nos que a nossa fé se traduz em actos concretos e quotidianos, destinados a ajudar o nosso próximo no corpo e no espírito e sobre os quais havemos de ser julgados: alimentá-lo, visitá-lo, confortá-lo, educá-lo.
Por isso, expressei o desejo de que «o povo cristão reflicta, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia corporal e espiritual. Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina» Rosto da Misericórdia, 15). Realmente, no pobre, a carne de Cristo «torna-se de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... a fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós» (Rosto da Misericórdia, 15).
[...] Portanto a Quaresma deste Ano Jubilar é um tempo favorável para todos poderem, finalmente, sair da própria alienação existencial, graças à escuta da Palavra e às obras de misericórdia.
Se, por meio das obras corporais, tocamos a carne de Cristo nos irmãos e irmãs necessitados de ser nutridos, vestidos, alojados, visitados, as obras espirituais tocam mais directamente o nosso ser de pecadores: aconselhar, ensinar, perdoar, admoestar, rezar. Por isso, as obras corporais e as espirituais nunca devem ser separadas.
Com efeito, é precisamente tocando, no miserável, a carne de Jesus crucificado que o pecador pode receber, em dom, a consciência de ser ele próprio um pobre mendigo. Por este caminho, também os «soberbos», os «poderosos» e os «ricos», de que fala o Magnificat, têm a possibilidade de aperceber-se que são, imerecidamente, amados pelo Crucificado, morto e ressuscitado também por eles.
[...] Não percamos este tempo de Quaresma favorável à conversão! Pedimo-lo pela intercessão materna da Virgem Maria, a primeira que, diante da grandeza da misericórdia divina que Lhe foi concedida gratuitamente, reconheceu a sua pequenez, confessando-Se a humilde serva do Senhor.»
Papa Francisco
Oração em tempo de Quaresma
Senhor,
hoje recordas-nos que somos pecadores,
convidando-nos à conversão radical das nossas vidas.
Hoje dizes-nos:
“Convertei-vos e acreditai no Evangelho!”.
É uma ordem de libertação de tudo o que nos degrada.
Eis aqui a tarefa da Quaresma
no caminho para a Páscoa.
A cinza
é garantia da ressurreição do homem novo. Queremos despojar-nos
da hipocrisia que nos corrói:
que saibamos procurar-Te
e agradar-Te em segredo.
Queremos refazer
a nossa opção baptismal
para chegar à noite da vigília pascal
como homens e mulheres novos,
renascidos do Teu Espírito.
Amen.