Entre-laços: Memórias de um morrer crente
No seu memorável livro Os irmãos Karamazov, Dostoiévski escrevia que «a morte de uma criança dá vontade de devolver ao universo o meu bilhete de entrada».
A nossa experiência indireta do morrer é um ato inapagável a ser atravessado em relação. É um tu «morreste-me» (José Luís Peixoto) ineliminável. Humana, demasiadamente humana é a morte.
Nesta hora as nossas palavras poderão ser como «equipas de salvamento confusas com mapas obsoletos e cantos de passarinhos em vez de bússolas» (Kalman Stefánsson, Paraíso e Inferno). Palavras confusas e perdidas, entreabertas por um sussurro frágil e leve para não ferir o silêncio.
O teólogo Joseph Ratzinger, numa das suas mais profundas intuições, A angústia de uma ausência. Três meditações sobre o Sábado Santo, escrevia que «existe uma angústia – a verdadeira, escondida na profundidade da nossa solidão - que não pode ser superada mediante a razão, mas apenas pela presença de uma pessoa que nos ama».
Mas será este ato o fim de tudo, de tudo quanto vivido? Será a morte apagamento de nulificação, ou um abandono breve de uma existência que é «originariamente estrangeira a si mesma» (Heidegger), sempre em êxodo?
Como não recordar intensamente o seu riso, gestos, ternura, rosto, palavras, desejos, beijos e errâncias…o seu corpo vivente? Tudo isso é tocado e assumido na liturgia-memorial do corpo sempre presente e tão invisível!
A presença do N participa hoje das últimas palavras do Ressuscitado: «isto é o meu corpo, fazei isto em memória de mim». Crer nesta presença eucarística comemorável é participar na vida nova.
Se «a morte se cobre-se de flores», como escrevia Dostoiévski, agora, com o nosso olhar transfigurado, o corpo cobre-se de flores.
Permanecer na comunhão do corpo é fazer com que o N viva presentemente de outro modo. Paradoxal, mas real, é a imagem joanina do grão de trigo: «se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele fica só. Mas, se morre, produz muito fruto» (Jo 12,24).
Mas a ausência do corpo físico não ocultará os traços da sua presença viva? Talvez a morte seja como «o lado noturno do existir, escuridão impenetrável» (J. Ratzinger).
A luz de Deus permanece nos traços entreabertos desse lado noturno porque o «paraíso continua a ser ainda aquilo de que nos lembramos» (Eduardo Lourenço). A memória viva entre-laça-se num extraordinário corpo vivo presente na história de cada um.
A Voz luzente que apela é a nua promessa que transfigura, que excede, nossas frágeis e afetivas relações. «Mesmo na noite extrema na qual não penetra palavra alguma, na qual todos nós somos como crianças apavoradas, chorosas, surge uma voz que nos chama, uma mão que nos toma e nos conduz», escrevia ainda Ratzinger.
Seres expostos à vulnerabilidade taciturna, ao desânimo afetivo, desejamos ardentemente comer do ágape que transfigura o nosso corpo num excesso de incompreensão!
O luto é o tempo do questionamento! Deus faz-se questionamento e não tanto resposta, na possibilidade de uma «repentina iluminação» inquietante.
O poeta Pedro Sena-Lino – perscrutando o profundo de todo o humano – escrevia: «onde hoje se levanta uma árvore morou uma angústia».
A morte conasce com a vida, atravessando-a. «Morrer é só não ser visto», poetizava Fernando Pessoa. Nós atravessamo-la e ela atravessa-nos em presença silenciosa e crescente. Longe de ser uma entidade estranha, o morrer faz-se presente! O esquecimento do ser estrangeiro provoca a angústia da impossessão.
A morte não está à margem da vida. Ela está na vida como presença invisível, como «rebento no interior da morte como o trigo» (Daniel Faria).
Do trágico e do inevitável, há sempre a possibilidade da experiência da «luz refrata de Deus» (Christian Wiman, My Bright Abyss. Meditation of a Modern Believer). Mesmo se a morte é o abismo mais profundo, não terá ela o gérmen de um «abismo luzente»?
O timbre invisível da Voz apela a «levantar» o nosso rosto descaído, a atravessar silenciosamente este ato que fere. O corpo que hoje se silencia aos nossos sentidos é a expressão noturna da nossa vida, abissal, à espera de transfiguração no amor-(do)-Outro.
A morte visita-nos na irrupção do inesperado, ou na docilidade citrina de Llansol no «encontro inesperado do diverso». E o N muito precocemente foi visitado pela «irmã morte», como poetizava o santo de Assis. A certeza da vida tão evidente quanto a morte reside na memória afetiva que nos entre-laça.
Nesta revivescência afetiva reside o princípio da pessoalidade. No fundo, como escreve José Luís Peixoto, a possibilidade efetiva de «reviver o silêncio insepulto dos teus lábios».
Em registo de apelo afetivo, Kalman Stefánsson, no seu belíssimo livro Paraíso e Inferno, escrevia:
«Tudo aquilo que se relaciona com uma pessoa torna-se uma recordação que lutámos para reter, e é traição esquecer isso. Esquecer como ele bebia café. Esquecer como se ria. Como olhava para cima. Esquecer é trair […]
Deveríamos cuidar daqueles que são para nós importantes e que têm em si bondade, e de preferência nunca os abandonar, a vida é demasiado curta para isso e, por vezes, termina de modo súbito.»
A memória do que fomos e somos é transfigurada pelo toque dos afetos que nos unem eternamente. Salva-nos, por isso, a amizade comemorativa, na vida e na morte!
É belo o verso da poetiza Adília Lopes a dizer-nos: «Deixa o dia de ontem com Deus […] Um anjo está contigo quando desanimas/ um anjo está contigo quando te alegras».
Só amizade tocante e íntima nos redime, esse contigo, nos aproxima ou nos afasta, do “inferno” ou do “paraíso”. É essa experiência que Agostinho de Hipona sente aquando da morte de sua mãe: «ficou-me um profundo afeto por ti».
O mistério luzente leva-nos a sentir que «tu não morrerás; venha o que vier, permaneceremos juntos. O amor é tão forte como a morte» (Gabriel Marcel).
Que ao longo da nossa breve vida tenhamos oportunidade de dizer a a/Alguém «nada foi para mim doce sem ti» (John Milton) porque, no fundo, «todos os livros do mundo não valem um café com um amigo» (Ermanno Olmi, filme Centochiodi).
Para cada um, o tempo de vida
que lhe foi concedido é o breve instante
em que chega a ser aquilo que há de ser (Karl Rahner )
João Paulo Costa, in www.snpcultura.org/entrelacos_memorias_de_um_morrer_crente.html
Festa de S. Miguel Arcanjo: 29 Setembro
A Paróquia de Queijas tem como padroeiro São Miguel Arcanjo. Sabes qual é a origem desse nome e o que isso significa?
Miguel, em hebraico Mi-ka-El, significa “Quem como Deus?”. Na linguagem antiga, o nome designava a vocação e missão da pessoa, Miguel, portanto, é aquele que a todos lembra que ninguém nem nada deve igualar-se a Deus. Quem como Deus?
Quer no Antigo, quer no Novo Testamento, São Miguel foi sempre muito amado e venerado pelo povo de Deus. O Senhor o constituiu guarda e protector do Povo de Israel, como se lê no Profeta Daniel: “Surgirá Miguel, o grande Príncipe, que guardará o teu povo.” (Dan 12, 1)
As intervenções de São Miguel, em favor do Povo de Deus, motivaram da parte da Igreja – desde o princípio – uma veneração muito especial por este Arcanjo que ela sempre considerou e honrou, com um culto especial, como guarda e protector da Igreja.
A nossa devoção a São Miguel leva-nos não só a pedir a sua intercessão mas, também, a imitá-lo à nossa maneira e na nossa medida. Nós, também a título da devoção que lhe temos, somos convidados a ouvir Miguel e a colaborar com ele: ninguém e nada pode ocupar o lugar de Deus, na história e na nossa vida. Quem como Deus?
Com Deus, tudo temos; sem Deus, não temos nada; O pouco com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada! – Diz o ditado da sabedoria popular, que é afinal a mensagem de São Miguel.
Respeitemos o lugar de Deus nas nossas vidas e na sociedade. E, quais devotos de São Miguel, colaboremos com o nosso Padroeiro, proclamando sobretudo com as nossas vidas, com o nosso testemunho, que só em Deus o nosso coração e a humanidade, encontrarão descanso e paz.
É esta a maneira de ser sal, luz e fermento, a vocação e missão que nos deu Nosso Senhor, a nossa vocação e missão de baptizados; a razão do nosso ser Igreja, comunidade de São Miguel de Queijas.
São Miguel Arcanjo, rogai por nós!
Pe. Alexandre Santos, scj
São José Operário
A Igreja Católica celebra no 1º de Maio a festa litúrgica de S. José Operário, como forma de associar-se à comemoração mundial do Dia do Trabalhador.
S. José foi desde cedo apresentado pela Igreja como símbolo e exemplo de pai e de trabalhador, tendo sido declarado patrono da Igreja universal em 1870, pelo papa Pio IX.
Esta celebração litúrgica foi instituída pelo Papa Pio XII, no dia 1 de Maio de 1955 e, diante de milhares de trabalhadores italianos, proferiu estas palavras: “Longe de despertar discórdia, ódios e violência, o 1º de Maio é e será um recorrente convite à sociedade moderna a realizar aquilo que ainda falta à paz social."
Sábias são também as palavras do Papa Francisco, a propósito de S. José Operário, que encontramos na Carta Encíclica sobre o cuidado da casa comum - Laudato Sì:
«E ao lado d'Ela [Maria], na Sagrada Família de Nazaré, destaca-se a figura de São José. Com o seu trabalho e presença generosa, cuidou e defendeu Maria e Jesus e livrou-os da violência dos injustos, levando-os para o Egipto.
No Evangelho, aparece descrito como um homem justo, trabalhador, forte; mas, da sua figura, emana também uma grande ternura, própria não de quem é fraco mas de quem é verdadeiramente forte, atento à realidade para amar e servir humildemente. Por isso, foi declarado protector da Igreja universal.
Também Ele nos pode ensinar a cuidar, pode motivar-nos a trabalhar com generosidade e ternura para proteger este mundo que Deus nos confiou.» (Papa Francisco, in Laudato Sì, n.º 242)
S. José Operário, rogai por nós!
Mãe
Não sei como a seara vem do grão,
Nem como a aranha faz as suas teias,
Mas sei que alguém tirou do coração
O sangue para dá-lo às minhas veias.
Não sei quem fez a casa onde nasci,
Mas sei quem dentro dela me afagou,
Não sei quem fez a roupa que vesti,
Mas sei quem de carinhos me cercou.
Não sei como o perfume chega à flor,
Mas sei porque um sorriso me seduz,
Não sei quem deu à gente tanto amor,
Mas sei quem me ensinou a amar Jesus.
Não sei quem pôs a luz na minha casa,
Mas sei quem acendeu luz no meu peito,
Não sei como o carvão se torna brasa,
Mas sei quem é na vida o amor-perfeito.
Não sei qual é a estrela de mais brilho,
Mas sei que um só olhar me iluminou,
E sei que é doce ouvir: – «querido filho!»
Quando o choro meus olhos apagou.
Não sei como no céu se faz a neve,
Não sei como a carriça faz o ninho,
Mas sei como a palavra mãe se escreve:
Com letras feitas de ouro e de carinho.
Não sei como se torna azul a esfera,
Mas sei que a mulher-mãe tem lá seu trono,
Não sei como se faz a Primavera,
Mas sei que o amor de mãe não tem Outono.
Não sei qual a fundura desse mar,
Mas sei que o amor de mãe não tem fundura,
Não sei se a Lua anseia por luar,
Mas sei que a mãe é luz na noite escura.
Não sei como é o coração do vento,
Mas sei como é o coração da mãe,
Não sei a onde chega o pensamento,
Mas sei que o amor de mãe vai mais além.
Não sei se o pôr-do-sol beija o luar,
Mas sei que alguém de beijos me comeu,
Não sei se o Paraíso é meu solar,
Mas sei que o amor de mãe recorda o Céu.
Dinis de Vilarelho
O Terço, o caminho de Maria
O Terço coloca-se ao serviço do ideal de que pela fé Jesus habita os corações, oferecendo o ‘segredo’ para se abrir mais facilmente a um conhecimento profundo e empenhado de Cristo.
Digamos que é o caminho de Maria, o caminho do exemplo da Virgem de Nazaré, mulher de fé, silêncio e escuta. É, ao mesmo tempo, o caminho de uma devoção mariana animada pela certeza da relação indivisível que liga Cristo à sua Mãe Santíssima: os mistérios de Cristo são também, de certo modo, os mistérios da Mãe, mesmo quando não está directamente envolvida, pelo facto de ela viver d’Ele e para Ele.
Na Ave-Maria, apropriando-nos das palavras do Arcanjo Gabriel e de Santa Isabel, sentimo-nos levados a procurar sempre de novo, em Maria, nos seus braços e no seu coração, o fruto bendito do seu ventre (cf. Lc 1, 42).
S. João Paulo II








