PARÓQUIA S. MIGUEL DE QUEIJAS

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Pascoa16 catequese

Patriarca convoca Sínodo diocesano

Dom Manuel10D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, anunciou a convocação de um Sínodo Diocesano para 2016, sublinhando que a preparação do evento "deve começar desde já".
D. Manuel Clemente falava na Sé de Lisboa, durante a missa que assinalou a festa litúrgica de São Vicente, padroeiro da diocese (22-01-2014).

Segundo a página do Patriarcado de Lisboa na internet, a proposta foi feita ao Conselho Presbiteral da diocese, que esteve reunido esta semana no Seminário dos Olivais.

"Na proposta que apresentou, D. Manuel Clemente refere que é programa para os próximos anos a diocese constituir-se em estado permanente de missão", acrescenta a nota oficial.

Este Sínodo acontece também no contexto da celebração dos três séculos sobre a "qualificação patriarcal de Lisboa", que ocorre em novembro de 2016.

Lisboa foi elevada a metrópole eclesiástica em 1393, Lisboa, sendo seu primeiro arcebispo D. João Anes.
Em 1716, o Papa Clemente XI elevou a capela real a basílica patriarcal, ficando a antiga diocese dividida em duas até 1740, ano em que foi reunificada.
Os sínodos diocesanos, como os que decorrem atualmente em Viseu, Portalegre-Castelo Branco e Beja, são assembleias consultivas destinadas a discutir questões importantes das Igrejas particulares.
De acordo com o Código de Direito Canónico, devem ser convocados pelo bispo quando "as circunstâncias o aconselharem", depois de ouvido o Conselho Presbiteral, órgão constituído por representantes dos padres.

 Ecclesia, 22-01-2014

Mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz - 2014

Francisco134Fraternidade, fundamento e caminho para a Paz

1. Nesta minha primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, desejo formular a todos, indivíduos e povos, votos duma vida repleta de alegria e esperança. Com efeito, no coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar.
Na realidade, a fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.
O número sempre crescente de ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as nações da terra. Assim, nos dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.
Em muitas partes do mundo, parece não conhecer tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos. Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.
A globalização, como afirmou Bento XVI, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos.[1] As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis». Assim, a convivência humana assemelha-se sempre mais a um mero do ut des pragmático e egoísta.
Ao mesmo tempo, resulta claramente que as próprias éticas contemporâneas se mostram incapazes de produzir autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue subsistir.[2] Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro.

«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9)
2. Para compreender melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada Escritura.
Segundo a narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta família primigénia, lemos a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos.
Abel é pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação é ser irmãos, embora na diversidade da sua actividade e cultura, da sua maneira de se relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predilecção de Deus por Abel, que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho – «o Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta» (Gn 4, 4-5) –, mata Abel por inveja. Desta forma, recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se positivamente com ele, viver diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de cuidar e proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o teu irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua acção, responde: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Génesis –, «Caim afastou-se da presença do Senhor» (4, 16).
É preciso interrogar-se sobre os motivos profundos que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e, simultaneamente, o vínculo de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia e censura a Caim a sua contiguidade com o mal: «o pecado deitar-se-á à tua porta» (Gn 4, 7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente «lançar-se sobre o irmão» (Gn 4, 8), desprezando o projecto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação original para ser filho de Deus e viver a fraternidade.
A narração de Caim e Abel ensina que a humanidade traz inscrita em si mesma uma vocação à fraternidade, mas também a possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo dá testemunho o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a reciprocidade, a comunhão e a doação.

«E vós sois todos irmãos» (Mt 23, 8)
3. Surge espontaneamente a pergunta: poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?
Parafraseando as palavras do Senhor Jesus, poderemos sintetizar assim a resposta que Ele nos dá: dado que há um só Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23, 8-9). A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha activa.
Em particular, a fraternidade humana foi regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projecto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.
Jesus retoma o projecto inicial do Pai, reconhecendo-Lhe a primazia sobre todas as coisas. Mas Cristo, com o seu abandono até à morte por amor do Pai, torna-Se princípio novo e definitivo de todos nós, chamados a reconhecer-nos n'Ele como irmãos, porque filhos do mesmo Pai. Ele é a própria Aliança, o espaço pessoal da reconciliação do homem com Deus e dos irmãos entre si. Na morte de Jesus na cruz, ficou superada também a separação entre os povos, entre o povo da Aliança e o povo dos Gentios, privado de esperança porque permanecera até então alheio aos pactos da Promessa. Como se lê na Carta aos Efésios, Jesus Cristo é Aquele que reconcilia em Si todos os homens. Ele é a paz, porque, dos dois povos, fez um só, derrubando o muro de separação que os dividia, ou seja, a inimizade. Criou em Si mesmo um só povo, um só homem novo, uma só humanidade nova (cf. 2,14-16).
Quem aceita a vida de Cristo e vive n'Ele, reconhece Deus como Pai e a Ele Se entrega totalmente, amando-O acima de todas as coisas. O homem reconciliado vê, em Deus, o Pai de todos e, consequentemente, é solicitado a viver uma fraternidade aberta a todos. Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos.

A fraternidade, fundamento e caminho para a paz
4. Suposto isto, é fácil compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para a paz. As Encíclicas sociais dos meus Predecessores oferecem uma ajuda valiosa neste sentido. Basta ver as definições de paz da Populorum progressio, de Paulo VI, ou da Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II. Da primeira, apreendemos que o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da paz[3] e, da segunda, que a paz é opus solidaritatis, fruto da solidariedade.[4]
Paulo VI afirma que tanto as pessoas como as nações se devem encontrar num espírito de fraternidade. E explica: «Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos (...) trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade».[5] Este dever recai primariamente sobre os mais favorecidos. As suas obrigações radicam-se na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspecto: o dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais correctos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal, que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros.[6]
Ora, da mesma forma que se considera a paz como opus solidarietatis, é impossível não pensar que o seu fundamento principal seja a fraternidade. A paz, afirma João Paulo II, é um bem indivisível: ou é bem de todos, ou não o é de ninguém. Na realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável, se estiver viva, em todos, «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum».[7] Isto implica não deixar-se guiar pela «avidez do lucro» e pela «sede do poder». É preciso estar pronto a «"perder-se" em benefício do próximo em vez de o explorar, e a "servi-lo" em vez de o oprimir para proveito próprio (...). O "outro" – pessoa, povo ou nação – [não deve ser visto] como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim como um nosso "semelhante", um "auxílio"».[8]
A solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja amado não só como «um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objecto da acção permanente do Espírito Santo»,[9] como um irmão. «Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, "filhos no Filho", e da presença e da acção vivificante do Espírito Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar»,[10] para o transformar.

A fraternidade, premissa para vencer a pobreza
5. Na Caritas in veritate, o meu Predecessor lembrava ao mundo que uma causa importante da pobreza é a falta de fraternidade entre os povos e entre os homens.[11] Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.
Além disso, se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projecto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa.
Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a chamada hipoteca social, segundo a qual, se é lícito – como diz São Tomás de Aquino – e mesmo necessário que «o homem tenha a propriedade dos bens»,[12] quanto ao uso, porém, «não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros».[13]
Por último, há uma forma de promover a fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o caso não só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas também de muitas famílias e tantos cidadãos responsáveis que acreditam firmemente que a relação fraterna com o próximo constitua o bem mais precioso.

A redescoberta da fraternidade na economia
6. As graves crises financeiras e económicas dos nossos dias – que têm a sua origem no progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais, por um lado, e o empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias, por outro – impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma economia saudável. Já, em 1979, o Papa João Paulo II alertava para a existência de «um real e perceptível perigo de que, enquanto progride enormemente o domínio do homem sobre o mundo das coisas, ele perca os fios essenciais deste seu domínio e, de diversas maneiras, submeta a elas a sua humanidade, e ele próprio se torne objecto de multiforme manipulação, se bem que muitas vezes não directamente perceptível; manipulação através de toda a organização da vida comunitária, mediante o sistema de produção e por meio de pressões dos meios de comunicação social».[14]
As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise actual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual. As referidas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter uma sociedade à medida da dignidade humana.

A fraternidade extingue a guerra
7. Ao longo do ano que termina, muitos irmãos e irmãs nossos continuaram a viver a experiência dilacerante da guerra, que constitui uma grave e profunda ferida infligida à fraternidade.
Há muitos conflitos que se consumam na indiferença geral. A todos aqueles que vivem em terras onde as armas impõem terror e destruição, asseguro a minha solidariedade pessoal e a de toda a Igreja. Esta última tem por missão levar o amor de Cristo também às vítimas indefesas das guerras esquecidas, através da oração pela paz, do serviço aos feridos, aos famintos, aos refugiados, aos deslocados e a quantos vivem no terror. De igual modo a Igreja levanta a sua voz para fazer chegar aos responsáveis o grito de dor desta humanidade atribulada e fazer cessar, juntamente com as hostilidades, todo o abuso e violação dos direitos fundamentais do homem.[15]
Por este motivo, desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor! «Nesta óptica, torna-se claro que, na vida dos povos, os conflitos armados constituem sempre a deliberada negação de qualquer concórdia internacional possível, originando divisões profundas e dilacerantes feridas que necessitam de muitos anos para se curarem. As guerras constituem a rejeição prática de se comprometer para alcançar aquelas grandes metas económicas e sociais que a comunidade internacional estabeleceu».[16]
Mas, enquanto houver em circulação uma quantidade tão grande como a actual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento nuclear e químico.
Não podemos, porém, deixar de constatar que os acordos internacionais e as leis nacionais, embora sendo necessários e altamente desejáveis, por si sós não bastam para preservar a humanidade do risco de conflitos armados. É precisa uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para todos. Este é o espírito que anima muitas das iniciativas da sociedade civil, incluindo as organizações religiosas, a favor da paz. Espero que o compromisso diário de todos continue a dar fruto e que se possa chegar também à efectiva aplicação, no direito internacional, do direito à paz como direito humano fundamental, pressuposto necessário para o exercício de todos os outros direitos.

A corrupção e o crime organizado contrastam a fraternidade
8. O horizonte da fraternidade apela ao crescimento em plenitude de todo o homem e mulher. As justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição, porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10). Mesmo nas disputas, que constituem um aspecto inevitável da vida, é preciso recordar-se sempre de que somos irmãos; por isso, é necessário educar e educar-se para não considerar o próximo como um inimigo nem um adversário a eliminar.
A fraternidade gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum. Uma comunidade política deve, portanto, agir de forma transparente e responsável para favorecer tudo isto. Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito.
Um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual, que contrasta a possibilidade das pessoas viverem em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo desenvolve-se, socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difunde de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas – desde os pequenos grupos até àqueles organizados à escala global – que, minando profundamente a legalidade e a justiça, ferem no coração a dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.
Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso no abomínio do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade. A este respeito escreveu João XXIII: «Uma convivência baseada unicamente em relações de força nada tem de humano: nela vêem as pessoas coarctada a própria liberdade, quando, pelo contrário, deveriam ser postas em condição tal que se sentissem estimuladas a procurar o próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento».[17] Mas o homem pode converter-se, e não se deve jamais desesperar da possibilidade de mudar de vida. Gostaria que isto fosse uma mensagem de confiança para todos, mesmo para aqueles que cometeram crimes hediondos, porque Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 18, 23).
No contexto alargado da sociabilidade humana, considerando o delito e a pena, penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate. A Igreja faz muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais acções desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.

A fraternidade ajuda a guardar e cultivar a natureza
9. A família humana recebeu, do Criador, um dom em comum: a natureza. A visão cristã da criação apresenta um juízo positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para dela tirar benefício, contanto que se actue responsavelmente, isto é, reconhecendo aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com sabedoria, os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a finalidade e a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no ecossistema. Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.
De modo particular o sector produtivo primário, o sector agrícola, tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para alimentar a humanidade. A propósito, a persistente vergonha da fome no mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra? As sociedades actuais devem reflectir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome. As iniciativas e as soluções possíveis são muitas, e não se limitam ao aumento da produção. É mais que sabido que a produção actual é suficiente, e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, o que constitui um verdadeiro escândalo. Por isso, é necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano. Neste sentido, gostaria de lembrar a todos o necessário destino universal dos bens, que é um dos princípios fulcrais da doutrina social da Igreja. O respeito deste princípio é a condição essencial para permitir um acesso real e equitativo aos bens essenciais e primários de que todo o homem precisa e tem direito.

Conclusão
10. Há necessidade que a fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada; mas só o amor dado por Deus é que nos permite acolher e viver plenamente a fraternidade.
O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a actividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objecto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.
Nós, cristãos, acreditamos que, na Igreja, somos membros uns dos outros e todos mutuamente necessários, porque a cada um de nós foi dada uma graça, segundo a medida do dom de Cristo, para utilidade comum (cf. Ef 4, 7.25; 1 Cor 12, 7). Cristo veio ao mundo para nos trazer a graça divina, isto é, a possibilidade de participar na sua vida. Isto implica tecer um relacionamento fraterno, caracterizado pela reciprocidade, o perdão, o dom total de si mesmo, segundo a grandeza e a profundidade do amor de Deus, oferecido à humanidade por Aquele que, crucificado e ressuscitado, atrai todos a Si: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.
Cristo abraça todo o ser humano e deseja que ninguém se perca. «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 17). Fá-lo sem oprimir, sem forçar ninguém a abrir-Lhe as portas do coração e da mente. «O que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve – diz Jesus Cristo –. Eu estou no meio de vós como aquele que serve» (Lc 22, 26-27). Deste modo, cada actividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas, incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da fraternidade que edifica a paz.
Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que vive nesta nossa amada terra.
Vaticano, 8 de Dezembro de 2013.

Papa FRANCISCUS

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[1]Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.
[2]Cf. Francisco, Carta enc. Lumen fidei (29 de Junho de 2013), 54: AAS 105 (2013), 591-592.
[3]Cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 87: AAS 59 (1967), 299.
[4]Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 39: AAS 80 (1988), 566-568.
[5]Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 43: AAS 59 (1967), 278-279.
[6]Cf. ibid., 44: o. c., 279.
[7]Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 38: AAS 80 (1988), 566.
[8] Ibid., 38-39: o. c., 566-567.
[9] Ibid., 40: o. c., 569.
[10] Ibid., 40: o. c., 569.
[11]Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.
[12] Summa theologiae, II-II, q. 66, a. 2.
[13] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 69; cf. Leão XIII, Carta enc. Rerum novarum (15 de Maio de 1891), 19: ASS 23 (1890-1891), 651; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 573-574; Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 178.
[14] Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 16: AAS 61 (1979), 290.
[15]Cf. Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 159.
[16] Francisco, Carta ao Presidente Vladimir Putin (4 de Setembro de 2013): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 8/IX/2013), 5.
[17] Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963), 17: AAS 55 (1963), 265.

Família e Evangelização

familia 2II Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos
DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DA EVANGELIZAÇÃO: DOCUMENTO PREPARATÓRIO

I – O SÍNODO: FAMÍLIA E EVANGELIZAÇÃO

A missão de pregar o Evangelho a cada criatura foi confiada directamente pelo Senhor aos seus discípulos, e dela a Igreja é portadora na história. Na época em que vivemos, a evidente crise social e espiritual torna-se um desafio pastoral, que interpela a missão evangelizadora da Igreja para a família, núcleo vital da sociedade e da comunidade eclesial.

Propor o Evangelho sobre a família neste contexto é mais urgente e necessário do que nunca. A importância deste tema sobressai do facto que o Santo Padre decidiu estabelecer para o Sínodo dos Bispos um itinerário de trabalho em duas etapas: a primeira, a Assembleia Geral Extraordinária de 2014, destinada a especificar o "status quaestionis" e a recolher testemunhos e propostas dos Bispos para anunciar e viver de maneira fidedigna o Evangelho para a família; a segunda, a Assembleia Geral Ordinária de 2015, em ordem a procurar linhas de acção para a pastoral da pessoa humana e da família.

Hoje perfilam-se problemáticas até há poucos anos inéditas, desde a difusão dos casais de facto, que não acedem ao matrimónio e às vezes excluem esta própria ideia, até às uniões entre pessoas do mesmo sexo, às quais não raramente é permitida a adopção de filhos. Entre as numerosas novas situações que exigem a atenção e o compromisso pastoral da Igreja, será suficiente recordar: os matrimónios mistos ou inter-religiosos; a família monoparental; a poligamia; os matrimónios combinados, com a consequente problemática do dote, por vezes entendido como preço de compra da mulher; o sistema das castas; a cultura do não-comprometimento e da presumível instabilidade do vínculo; as formas de feminismo hostis à Igreja; os fenómenos migratórios e reformulação da própria ideia de família; o pluralismo relativista na noção de matrimónio; a influência dos meios de comunicação sobre a cultura popular na compreensão do matrimónio e da vida familiar; as tendências de pensamento subjacentes a propostas legislativas que desvalorizam a permanência e a fidelidade do pacto matrimonial; o difundir-se do fenómeno das mães de substituição ("barriga de aluguer"); e as novas interpretações dos direitos humanos. Mas sobretudo no âmbito mais estritamente eclesial, o enfraquecimento ou abandono da fé na sacramentalidade do matrimónio e no poder terapêutico da penitência sacramental.

A partir de tudo isto compreende-se como é urgente que a atenção do episcopado mundial, "cum et sub Petro", enfrente estes desafios. Se, por exemplo, pensarmos unicamente no facto de que no contexto actual muitos adolescentes e jovens, nascidos de matrimónios irregulares, poderão nunca ver os seus pais aproximar-se dos sacramentos, compreenderemos como são urgentes os desafios apresentados à evangelização pela situação actual, de resto difundida em todas as partes da "aldeia global". Esta realidade encontra uma correspondência singular no vasto acolhimento que tem, nos nossos dias, o ensinamento sobre a misericórdia divina e sobre a ternura em relação às pessoas feridas, nas periferias geográficas e existenciais: as expectativas que disto derivam, a propósito das escolhas pastorais relativas à família, são extremamente amplas. Por isso, uma reflexão do Sínodo dos Bispos a respeito destes temas parece tanto necessária e urgente quanto indispensável, como expressão de caridade dos Pastores em relação a quantos lhes são confiados e a toda a família humana.

II – A IGREJA E O EVANGELHO SOBRE A FAMÍLIA

A boa nova do amor divino deve ser proclamada a quantos vivem esta fundamental experiência humana pessoal, de casal e de comunhão aberta ao dom dos filhos, que é a comunidade familiar. A doutrina da fé sobre o matrimónio deve ser apresentada de modo comunicativo e eficaz, para ser capaz de alcançar os corações e de os transformar segundo a vontade de Deus manifestada em Cristo Jesus.

A propósito das fontes bíblicas sobre o matrimónio e a família, nesta circunstância apresentamos somente as referências essenciais. Também no que se refere aos documentos do Magistério, parece oportuno limitar-se aos documentos do Magistério universal da Igreja, integrando-os com alguns textos emanados pelo Pontifício Conselho para a Família e atribuindo aos Bispos participantes no Sínodo a tarefa de dar voz aos documentos dos seus respectivos organismos episcopais.

Em todas as épocas e nas culturas mais diversificadas nunca faltou o ensinamento claro dos Pastores, nem o testemunho concreto dos fiéis, homens e mulheres que, em circunstâncias muito diversas, viveram o Evangelho sobre a família como uma dádiva incomensurável para a sua própria vida e para a vida dos seus filhos. O compromisso a favor do próximo Sínodo Extraordinário é assumido e sustentado pelo desejo de comunicar esta mensagem a todos, com maior incisividade, esperando assim que «o tesouro da revelação confiado à Igreja encha cada vez mais os corações dos homens» (DV 26).
O projecto de Deus Criador e Redentor

A beleza da mensagem bíblica sobre a família tem a sua raiz na criação do homem e da mulher, ambos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 24-31; 2, 4b-25). Ligados por um vínculo sacramental indissolúvel, os esposos vivem a beleza do amor, da paternidade, da maternidade e da dignidade suprema de participar deste modo na obra criadora de Deus.

No dom do fruto da sua união, eles assumem a responsabilidade do crescimento e da educação de outras pessoas, para o futuro do género humano. Através da procriação, o homem e a mulher realizam na fé a vocação de ser colaboradores de Deus na preservação da criação e no desenvolvimento da família humana.

O Beato João Paulo II comentou este aspecto na Familiaris consortio: «Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26 s.): chamando-o à existência por amor, chamou-o ao mesmo tempo ao amor. Deus é amor (1 Jo 4, 8) e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão (cf. "Gaudium et spes", 12). O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação de cada ser humano» (FC 11).

Este projecto de Deus Criador, que o pecado original deturpou (cf. Gn 3, 1-24), manifestou-se na história através das vicissitudes do povo eleito, até à plenitude dos tempos, pois mediante a encarnação o Filho de Deus não apenas confirmou a vontade divina de salvação, mas com a redenção ofereceu a graça de obedecer a esta mesma vontade.

O Filho de Deus, Palavra que se fez carne (cf. Jo 1, 14) no seio da Virgem Mãe, viveu e cresceu na família de Nazaré, e participou nas bodas de Caná, cuja festa foi por Ele enriquecida com o primeiro dos seus "sinais" (cf. Jo 2, 1-11). Ele aceitou com alegria o acolhimento familiar dos seus primeiros discípulos (cf. Mc 1, 29-31; 2,13-17) e consolou o luto da família dos seus amigos em Betânia (cf. Lc 10, 38-42; Jo 11, 1-44).

Jesus Cristo restabeleceu a beleza do matrimónio, voltando a propor o projecto unitário de Deus, que tinha sido abandonado devido à dureza do coração humano, até mesmo no interior da tradição do povo de Israel (cf. Mt 5, 31-32; 19.3-12; Mc 10, 1-12; Lc 16, 18). Voltando à origem, Jesus ensinou a unidade e a fidelidade dos esposos, recusando o repúdio e o adultério.
Precisamente através da beleza extraordinária do amor humano – já celebrada com contornos inspirados no Cântico dos Cânticos, e do vínculo esponsal exigido e defendido por Profetas como Oseias (cf. Os 1, 2-3,3) e Malaquias (cf. Ml 2, 13-16) – Jesus confirmou a dignidade originária do amor entre o homem e a mulher.

O ensinamento da Igreja sobre a família
Também na comunidade cristã primitiva a família se manifestava como "Igreja doméstica" (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1655): nos chamados "códigos familiares" das Cartas apostólicas neotestamentárias, a grande família do mundo antigo é identificada como o lugar da solidariedade mais profunda entre esposas e maridos, entre pais e filhos, entre ricos e pobres (cf. Ef 5, 21-6, 9; Cl 3, 18-4, 1; 1 Tm 2, 8-15; Tt 2, 1-10; 1 Pd 2, 13-3, 7; cf., além disso, também a Carta a Filémon). Em particular, a Carta aos Efésios identificou no amor nupcial entre o homem e a mulher «o grande mistério», que torna presente no mundo o amor de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 31-32).

Ao longo dos séculos, sobretudo na época moderna até aos nossos dias, a Igreja não fez faltar um seu ensinamento constante e crescente sobre a família e sobre o matrimónio que a fundamenta. Uma das expressões mais excelsas foi a proposta do Concílio Ecuménico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et spes que, abordando algumas problemáticas mais urgentes, dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimónio e da família, como sobressai na descrição do seu valor para a constituição da sociedade: «A família – na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social – constitui assim o fundamento da sociedade» (GS 52). Particularmente intenso é o apelo a uma espiritualidade cristocêntrica dirigida aos esposos crentes: «Os próprios esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade, de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e dos sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e a sua ressurreição» (GS 52).

Também os Sucessores de Pedro, depois do Concílio Vaticano II, enriqueceram mediante o seu Magistério a doutrina sobre o matrimónio e a família, de modo especial Paulo VI com a Encíclica Humanae vitae, que oferece ensinamentos específicos a níveis de princípio e de prática. Sucessivamente, o Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica Familiaris consortio, quis insistir na proposta do desígnio divino acerca da verdade originária do amor esponsal e familiar: «O "lugar" único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimónio, ou seja o pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor, querida pelo próprio Deus (cf. Gaudium et spes, 48), que só a esta luz manifesta o seu verdadeiro significado. A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em segurança em relação ao subjectivismo e relativismo, tornando-a participante da Sabedoria criadora» (FC 11).

O Catecismo da Igreja Católica reúne estes dados fundamentais: «A aliança matrimonial, pela qual um homem e uma mulher constituem entre si uma comunidade íntima de vida e de amor; foi fundada e dotada das suas leis próprias pelo Criador: pela sua natureza, ordena-se ao bem dos cônjuges, bem como à procriação e educação dos filhos. Entre os baptizados, foi elevada por Cristo Senhor à dignidade de sacramento [cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Gaudium et spes, 48; Código de Direito Canónico, cân. 1055 § 1]» (CCC, n. 1660).

A doutrina exposta no Catecismo refere-se tanto aos princípios teológicos como aos comportamentos morais, abordados sob dois títulos distintos: O sacramento do matrimónio (nn. 1601-1658) e O sexto mandamento (nn. 2331-2391). Uma leitura atenta destas partes do Catecismo oferece uma compreensão actualizada da doutrina da fé, em benefício da actividade da Igreja diante dos desafios contemporâneos. A sua pastoral encontra inspiração na verdade do matrimónio visto no desígnio de Deus, que criou varão e mulher, e na plenitude dos tempos revelou em Jesus também a plenitude do amor esponsal, elevado a sacramento. O matrimónio cristão, fundamentado sobre o consenso, é dotado também de efeitos próprios, e no entanto a tarefa dos cônjuges não é subtraída ao regime do pecado (cf. Gn 3, 1-24), que pode provocar feridas profundas e até ofensas contra a própria dignidade do sacramento.

«O primeiro âmbito da cidade dos homens iluminado pela fé é a família; penso, antes de mais nada, na união estável do homem e da mulher no matrimónio. Tal união nasce do seu amor, sinal e presença do amor de Deus, nasce do reconhecimento e aceitação do bem que é a diferença sexual, em virtude da qual os cônjuges se podem unir numa só carne (cf. Gn 2, 24) e são capazes de gerar uma nova vida, manifestação da bondade do Criador, da sua sabedoria e do seu desígnio de amor. Fundados sobre este amor, homem e mulher podem prometer-se amor mútuo com um gesto que compromete a vida inteira e que lembra muitos traços da fé: prometer um amor que dure para sempre é possível quando se descobre um desígnio maior que os próprios projetos, que nos sustenta e permite doar o futuro inteiro à pessoa amada» (LF 52). «A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir um grande chamamento – a vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade» (LF 53).

III – QUESTIONÁRIO

As seguintes perguntas permitem às Igrejas particulares participar activamente na preparação do Sínodo Extraordinário, que tem a finalidade de anunciar o Evangelho nos atuais desafios pastorais a respeito da família.

1. Sobre a difusão da Sagrada Escritura e do Magistério da Igreja a propósito da família
a) Qual é o conhecimento real dos ensinamentos da Bíblia, da "Gaudium et spes", da "Familiaris consortio" e de outros documentos do Magistério pós-conciliar sobre o valor da família segundo a Igreja católica? Como os nossos fiéis são formados para a vida familiar, em conformidade com o ensinamento da Igreja?
b) Onde é conhecido, o ensinamento da Igreja é aceite integralmente. Verificam-se dificuldades na hora de o pôr em prática? Se sim, quais?
c) Como o ensinamento da Igreja é difundido no contexto dos programas pastorais nos planos nacional, diocesano e paroquial? Que tipo de catequese sobre a família é promovida?
d) Em que medida – e em particular sob que aspectos – este ensinamento é realmente conhecido, aceite, rejeitado e/ou criticado nos ambientes extra-eclesiais? Quais são os fatores culturais que impedem a plena aceitação do ensinamento da Igreja sobre a família?

2. Sobre o matrimónio segundo a lei natural
a) Que lugar ocupa o conceito de lei natural na cultura civil, quer nos planos institucional, educativo e académico, quer a nível popular? Que visões da antropologia estão subjacentes a este debate sobre o fundamento natural da família?
b) O conceito de lei natural em relação à união entre o homem e a mulher é geralmente aceite, enquanto tal, por parte dos baptizados?
c) Como é contestada, na prática e na teoria, a lei natural sobre a união entre o homem e a mulher, em vista da formação de uma família? Como é proposta e aprofundada nos organismos civis e eclesiais?
d) Quando a celebração do matrimónio é pedida por baptizados não praticantes, ou que se declaram não-crentes, como enfrentar os desafios pastorais que daí derivam?

3. A pastoral da família no contexto da evangelização
a) Quais foram as experiências que surgiram nas últimas décadas em ordem à preparação para o matrimónio? Como se procurou estimular a tarefa de evangelização dos esposos e da família? De que modo promover a consciência da família como "Igreja doméstica"?
b) Conseguiu-se propor estilos de oração em família, capazes de resistir à complexidade da vida e da cultural contemporânea?
c) Na atual situação de crise entre as gerações, como as famílias cristãs souberam realizar a própria vocação de transmissão da fé?
d) De que modo as Igrejas locais e os movimentos de espiritualidade familiar souberam criar percursos exemplares?
e) Qual é a contribuição específica que casais e famílias conseguiram oferecer, em ordem à difusão de uma visão integral do casal e da família cristã, hoje credível?
f) Que atenção pastoral a Igreja mostrou para sustentar o caminho dos casais em formação e dos casais em crise?

4. Sobre a pastoral para enfrentar algumas situações matrimoniais difíceis
a) A convivência ad experimentum é uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que percentagem se poderia calculá-la numericamente?
b) Existem uniões livres de facto, sem o reconhecimento religioso nem civil? Dispõem-se de dados estatísticos confiáveis?
c) Os separados e os divorciados recasados constituem uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que percentagem se poderia calculá-los numericamente? Como se enfrenta esta realidade, através de programas pastorais adequados?
d) Em todos estes casos: como vivem os baptizados a sua irregularidade? Estão conscientes da mesma? Simplesmente manifestam indiferença? Sentem-se marginalizados e vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos?
e) Quais são os pedidos que as pessoas separadas e divorciadas dirigem à Igreja, a propósito dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação? Entre as pessoas que se encontram em tais situações, quantas pedem estes sacramentos?
f) A simplificação da práxis canónica em ordem ao reconhecimento da declaração de nulidade do vínculo matrimonial poderia oferecer uma contribuição positiva real para a solução das problemáticas das pessoas interessadas? Se sim, de que forma?
g) Existe uma pastoral para ir ao encontro destes casos? Como se realiza esta actividade pastoral? Existem programas a este propósito, nos planos nacional e diocesano? Como a misericórdia de Deus é anunciada a separados e divorciados recasados e como se põe em prática a ajuda da Igreja para o seu caminho de fé?

5. Sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo
a) Existe no vosso país uma lei civil de reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, equiparadas de alguma forma ao matrimónio?
b) Qual é a atitude das Igrejas particulares e locais, quer diante do Estado civil promotor de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, quer perante as pessoas envolvidas neste tipo de união?
c) Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver em conformidade com este tipo de união?
d) No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adoptaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?

6. Sobre a educação dos filhos no contexto das situações de matrimónios irregulares
a) Qual é nestes casos a proporção aproximativa de crianças e adolescentes, em relação às crianças nascidas e educadas em famílias regularmente constituídas?
b) Com que atitude os pais se dirigem à Igreja? O que pedem? Somente os sacramentos, ou inclusive a catequese e o ensino da religião em geral?
c) Como as Igrejas particulares vão ao encontro da necessidade dos pais destas crianças, de oferecer uma educação cristã aos próprios filhos?
d) Como se realiza a prática sacramental em tais casos: a preparação, a administração do sacramento e o acompanhamento?

7. Sobre a abertura dos esposos à vida
a) Qual é o conhecimento real que os cristãos têm da doutrina da Humanae vitae a respeito da paternidade responsável? Que consciência têm da avaliação moral dos diferentes métodos de regulação dos nascimentos? Que aprofundamentos poderiam ser sugeridos a respeito desta matéria, sob o ponto de vista pastoral?
b) Esta doutrina moral é aceite? Quais são os aspectos mais problemáticos que tornam difícil a sua aceitação para a grande maioria dos casais?
c) Que métodos naturais são promovidos por parte das Igrejas particulares, para ajudar os cônjuges a pôr em prática a doutrina da Humanae vitae?
d) Qual é a experiência relativa a este tema na prática do sacramento da penitência e na participação na Eucaristia?
e) Quais são, a este propósito, os contrastes que se salientam entre a doutrina da Igreja e a educação civil?
f) Como promover uma mentalidade mais aberta à natalidade? Como favorecer o aumento dos nascimentos?
8. Sobre a relação entre a família e a pessoa
a) Jesus Cristo revela o mistério e a vocação do homem: a família é um lugar privilegiado para que isto aconteça?
b) Que situações críticas da família no mundo contemporâneo podem tornar-se um obstáculo para o encontro da pessoa com Cristo?
c) Em que medida as crises de fé, pelas quais as pessoas podem atravessar, incidem sobre a vida familiar?

9. Outros desafios e propostas
a) Existem outros desafios e propostas a respeito dos temas abordados neste questionário, sentidos como urgentes ou úteis por parte dos destinatários?

Roma, Outubro de 2013

Mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial das Missões

Francisco13420 de Outubro de 2013

Queridos irmãos e irmãs,
Este ano, a celebração do Dia Mundial das Missões tem lugar próximo da conclusão do Ano da Fé, ocasião importante para revigorarmos a nossa amizade com o Senhor e o nosso caminho como Igreja que anuncia, com coragem, o Evangelho. Nesta perspectiva, gostaria de propor algumas reflexões.

1. A fé é um dom precioso de Deus, que abre a nossa mente para O podermos conhecer e amar. Ele quer entrar em relação connosco, para nos fazer participantes da sua própria vida e encher plenamente a nossa vida de significado, tornando-a melhor e mais bela. Deus nos ama! Mas a fé pede para ser acolhida, ou seja, pede a nossa resposta pessoal, a coragem de nos confiarmos a Deus e vivermos o seu amor, agradecidos pela sua infinita misericórdia. Trata-se de um dom que não está reservado a poucos, mas é oferecido a todos com generosidade: todos deveriam poder experimentar a alegria de se sentirem amados por Deus, a alegria da salvação. E é um dom que não se pode conservar exclusivamente para si mesmo, mas deve ser partilhado; se o quisermos conservar apenas para nós mesmos, tornamo-nos cristãos isolados, estéreis e combalidos. O anúncio do Evangelho é um dever que brota do próprio ser discípulo de Cristo e um compromisso constante que anima toda a vida da Igreja. «O ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial» (Bento XVI, Verbum Domini, 95). Toda a comunidade é «adulta», quando professa a fé, celebra-a com alegria na liturgia, vive a caridade e anuncia sem cessar a Palavra de Deus, saindo do próprio recinto para levá-la até às «periferias», sobretudo a quem ainda não teve a oportunidade de conhecer Cristo. A solidez da nossa fé, a nível pessoal e comunitário, mede-se também pela capacidade de a comunicarmos a outros, de a espalharmos, de a vivermos na caridade, de a testemunharmos a quantos nos encontram e partilham connosco o caminho da vida.

2. Celebrado cinquenta anos depois do início do Concílio Vaticano II, este Ano da Fé serve de estímulo para a Igreja inteira adquirir uma renovada consciência da sua presença no mundo contemporâneo, da sua missão entre os povos e as nações. A missionariedade não é questão apenas de territórios geográficos, mas de povos, culturas e indivíduos, precisamente porque os «confins» da fé não atravessam apenas lugares e tradições humanas, mas o coração de cada homem e mulher. O Concílio Vaticano II pôs em evidência de modo especial como seja próprio de cada baptizado e de todas as comunidades cristãs o dever missionário, o dever de alargar os confins da fé: «Como o Povo de Deus vive em comunidades, sobretudo diocesanas e paroquiais, e é nelas que, de certo modo, se torna visível, pertence a estas dar também testemunho de Cristo perante as nações» (Ad Gentes, 37). Por isso, cada comunidade é interpelada e convidada a assumir o mandato, confiado por Jesus aos Apóstolos, de ser suas «testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (Act 1, 8); e isso, não como um aspecto secundário da vida cristã, mas um aspecto essencial: todos somos enviados pelas estradas do mundo para caminhar com os irmãos, professando e testemunhando a nossa fé em Cristo e fazendo-nos arautos do seu Evangelho. Convido os bispos, os presbíteros, os conselhos presbiterais e pastorais, cada pessoa e grupo responsável na Igreja a porem em relevo a dimensão missionária nos programas pastorais e formativos, sentindo que o próprio compromisso apostólico não é completo, se não incluir o propósito de «dar também testemunho perante as nações», perante todos os povos. Mas a missionariedade não é apenas uma dimensão programática na vida cristã; é também uma dimensão paradigmática, que diz respeito a todos os aspectos da vida cristã.

3. Com frequência, os obstáculos à obra de evangelização encontram-se, não no exterior, mas dentro da própria comunidade eclesial. Às vezes, estão relaxados o fervor, a alegria, a coragem, a esperança de anunciar a todos a Mensagem de Cristo e ajudar os homens do nosso tempo a encontrá-Lo. Por vezes há ainda quem pense que levar a verdade do Evangelho seja uma violência à liberdade. A propósito, são iluminantes estas palavras de Paulo VI: «Seria certamente um erro impor qualquer coisa à consciência dos nossos irmãos. Mas propor a essa consciência a verdade evangélica e a salvação em Jesus Cristo, com absoluta clareza e com todo o respeito pelas opções livres que essa consciência fará (...), é uma homenagem a essa liberdade» (Exort. ap. Evangelii Nuntiandi, 80). Devemos sempre ter a coragem e a alegria de propor, com respeito, o encontro com Cristo e de nos fazermos portadores do seu Evangelho; Jesus veio ao nosso meio para nos indicar o caminho da salvação e confiou, também a nós, a missão de a fazer conhecer a todos, até aos confins do mundo. Com frequência, vemos que a violência, a mentira, o erro é que são colocados em evidência e propostos. É urgente fazer resplandecer, no nosso tempo, a vida boa do Evangelho pelo anúncio e o testemunho, e isso dentro da Igreja. Porque, nesta perspectiva, é importante não esquecer jamais um princípio fundamental para todo o evangelizador: não se pode anunciar Cristo sem a Igreja. Evangelizar nunca é um acto isolado, individual, privado, mas sempre eclesial. Paulo VI escrevia que, «quando o mais obscuro dos pregadores, dos catequistas ou dos pastores, no rincão mais remoto, prega o Evangelho, reúne a sua pequena comunidade, ou administra um sacramento, mesmo sozinho, ele perfaz um acto de Igreja». Ele não age «por uma missão pessoal que se atribuísse a si próprio, ou por uma inspiração pessoal, mas em união com a missão da Igreja e em nome da mesma» (ibid., 60). E isto dá força à missão e faz sentir a cada missionário e evangelizador que nunca está sozinho, mas é parte de um único Corpo animado pelo Espírito Santo.

4. Na nossa época, a difusa mobilidade e a facilidade de comunicação através dos novos mídias misturaram entre si os povos, os conhecimentos e as experiências. Por motivos de trabalho, há famílias inteiras que se deslocam de um continente para outro; os intercâmbios profissionais e culturais, assim como o turismo e fenómenos análogos impelem a um amplo movimento de pessoas. Às vezes, resulta difícil até mesmo para as comunidades paroquiais conhecer, de modo seguro e profundo, quem está de passagem ou quem vive estavelmente no território. Além disso, em áreas sempre mais amplas das regiões tradicionalmente cristãs, cresce o número daqueles que vivem alheios à fé, indiferentes à dimensão religiosa ou animados por outras crenças. Não raro, alguns baptizados fazem opções de vida que os afastam da fé, tornando-os assim carecidos de uma «nova evangelização». A tudo isso se junta o facto de que larga parte da humanidade ainda não foi atingida pela Boa Nova de Jesus Cristo. Ademais vivemos num momento de crise que atinge vários sectores da existência, e não apenas os da economia, das finanças, da segurança alimentar, do meio ambiente, mas também os do sentido profundo da vida e dos valores fundamentais que a animam. A própria convivência humana está marcada por tensões e conflitos, que provocam insegurança e dificultam o caminho para uma paz estável. Nesta complexa situação, onde o horizonte do presente e do futuro parecem atravessados por nuvens ameaçadoras, torna-se ainda mais urgente levar corajosamente a todas as realidades o Evangelho de Cristo, que é anúncio de esperança, de reconciliação, de comunhão, anúncio da proximidade de Deus, da sua misericórdia, da sua salvação, anúncio de que a força de amor de Deus é capaz de vencer as trevas do mal e guiar pelo caminho do bem. O homem do nosso tempo necessita de uma luz segura que ilumine a sua estrada e que só o encontro com Cristo lhe pode dar. Com o nosso testemunho de amor, levemos a este mundo a esperança que nos dá a fé! A missionariedade da Igreja não é proselitismo, mas testemunho de vida que ilumina o caminho, que traz esperança e amor. A Igreja – repito mais uma vez – não é uma organização assistencial, uma empresa, uma ONG, mas uma comunidade de pessoas, animadas pela acção do Espírito Santo, que viveram e vivem a maravilha do encontro com Jesus Cristo e desejam partilhar esta experiência de profunda alegria, partilhar a Mensagem de salvação que o Senhor nos trouxe. É justamente o Espírito Santo que guia a Igreja neste caminho.

5. Gostaria de encorajar a todos para que se façam portadores da Boa Nova de Cristo e agradeço, de modo especial, aos missionários e às missionárias, aos presbíteros fidei donum, aos religiosos e às religiosas, aos fiéis leigos – cada vez mais numerosos – que, acolhendo a chamada do Senhor, deixaram a própria pátria para servir o Evangelho em terras e culturas diferentes. Mas queria também sublinhar como as próprias Igrejas jovens se estão empenhando generosamente no envio de missionários às Igrejas que se encontram em dificuldade – não raro Igrejas de antiga cristandade – levando assim o vigor e o entusiasmo com que elas mesmas vivem a fé que renova a vida e dá esperança. Viver com este fôlego universal, respondendo ao mandato de Jesus «ide, pois, fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28, 19), é uma riqueza para cada Igreja particular, para cada comunidade; e dar missionários nunca é uma perda, mas um ganho. Faço apelo, a todos aqueles que sentem esta chamada, para que correspondam generosamente à voz do Espírito, segundo o próprio estado de vida, e não tenham medo de ser generosos com o Senhor. Convido também os bispos, as famílias religiosas, as comunidades e todas as agregações cristãs a apoiarem, com perspicácia e cuidadoso discernimento, a vocação missionária ad gentes e a ajudarem as Igrejas que precisam de sacerdotes, de religiosos e religiosas e de leigos para revigorar a comunidade cristã. E a mesma atenção deveria estar presente entre as Igrejas que fazem parte de uma Conferência Episcopal ou de uma Região: é importante que as Igrejas mais ricas de vocações ajudem, com generosidade, aquelas que padecem a sua escassez.
Ao mesmo tempo exorto os missionários e as missionárias, especialmente os presbíteros fidei donum e os leigos, a viverem com alegria o seu precioso serviço nas Igrejas aonde foram enviados e a levarem a sua alegria e esperança às Igrejas donde provêm, recordando como Paulo e Barnabé, no final da sua primeira viagem missionária, «contaram tudo o que Deus fizera com eles e como abrira aos pagãos a porta da fé» (Act 14, 27). Eles podem assim tornar-se caminho para uma espécie de «restituição» da fé, levando o vigor das Igrejas jovens às Igrejas de antiga cristandade a fim de que estas reencontrem o entusiasmo e a alegria de partilhar a fé, numa permuta que é enriquecimento recíproco no caminho de seguimento do Senhor.
A solicitude por todas as Igrejas, que o Bispo de Roma partilha com os irmãos Bispos, encontra uma importante aplicação no empenho das Obras Missionárias Pontifícias, cuja finalidade é animar e aprofundar a consciência missionária de cada baptizado e de cada comunidade, seja apelando à necessidade de uma formação missionária mais profunda de todo o Povo de Deus, seja alimentando a sensibilidade das comunidades cristãs para darem a sua ajuda a favor da difusão do Evangelho no mundo.

Por fim, o meu pensamento vai para os cristãos que, em várias partes do mundo, encontram dificuldade em professar abertamente a própria fé e ver reconhecido o direito a vivê-la dignamente. São nossos irmãos e irmãs, testemunhas corajosas – ainda mais numerosas do que os mártires nos primeiros séculos – que suportam com perseverança apostólica as várias formas actuais de perseguição. Não poucos arriscam a própria vida para permanecer fiéis ao Evangelho de Cristo. Desejo assegurar que estou unido, pela oração, às pessoas, às famílias e às comunidades que sofrem violência e intolerância, e repito-lhes as palavras consoladoras de Jesus: «Tende confiança, Eu já venci o mundo» (Jo 16, 33).
Bento XVI exortava: «Que "a Palavra do Senhor avance e seja glorificada" (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n'Ele temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro» (Carta ap. Porta Fidei, 15). Tais são os meus votos para o Dia Mundial das Missões deste ano. Abençoo de todo o coração os missionários e as missionárias e todos aqueles que acompanham e apoiam este compromisso fundamental da Igreja para que o anúncio do Evangelho possa ressoar em todos os cantos da terra e nós, ministros do Evangelho e missionários, possamos experimentar «a suave e reconfortante alegria de evangelizar» (Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 80).

Vaticano, 19 de Maio de 2013, Solenidade de Pentecostes
+ Papa Francisco

Papa Francisco consagrou o Mundo a Maria

Papa Francisco FatimaPapa Francisco consagrou o Mundo ao Imaculado Coração de Maria, diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima.

O Papa Francisco despediu-se hoje em Roma da imagem de Nossa Senhora de Fátima, venerada na Capelinha das Aparições, com um "acto de entrega" em que recordou a atenção pelos mais pobres e marginalizados.

"Ensina-nos o teu próprio amor de predileção pelos mais pequenos e os pobres, pelos excluídos e os que sofrem, pelos pecadores e os de coração perdido", disse, no final da missa conclusiva da Jornada Mariana do Ano da Fé, na Praça de São Pedro.

A oração encerrou dois dias de celebrações junto da imagem original de Fátima, que se deslocou ao Vaticano a pedido de Bento XVI, Papa emérito, e de Francisco, tendo sido recebida por ambos, após a sua chegada, este sábado.
O Papa Francisco rezou à Virgem Maria, Senhora de Fátima, com renovada gratidão unindo a sua voz "à de todas as gerações".

"Celebramos em ti as grandes obras de Deus, que nunca se cansa de inclinar-se com misericórdia sobre a humanidade, atingida pelo mal e ferida pelo pecado, para a curar e salvar", declarou, perante dezenas de milhares de peregrinos que participaram na celebração desta manhã.

O Papa dirigiu-se a Nossa Senhora de Fátima para pedir que esta acompanhe a "vida" da humanidade com o seu olhar e o seu "sorriso".
"Acolhe com benevolência de mãe o acto de entrega que hoje fazemos com confiança, diante desta tua imagem, que nos é tão querida", declarou.
"Estamos certos que cada um de nós é precioso aos teus olhos e que nada do que mora nos nossos corações te é estranho", acrescentou Francisco.

A oração invocou a intercessão da Virgem Maria para que "reavive e alimente a fé", "ilumine a esperança" e "suscite" a caridade, guiando os cristãos "no caminho da santidade".
"Perdoa a todos, sob a tua proteção, e entrega todos ao teu dileto filho, o Nosso Senhor, Jesus", concluiu o Papa.
A imagem de Nossa Senhora de Fátima vai seguir em helicóptero até ao aeroporto de Roma para regressar, ao final da noite, à Capelinha das Aparições, na Cova da Iria, após uma ausência de cerca de 42 horas.

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Fatima2013Acto de entrega a Nossa Senhora de Fátima
Oração do Papa Francisco

No final da Missa celebrada frente à Basílica de S. Pedro, por ocasião do Ano da Fé, o Papa Francisco rezou o Acto de Entrega a Nossa Senhora de Fátima perante a sua imagem que veio de Fátima.

Nossa Senhora de Fátima,
com renovada gratidão pela tua presença materna,
unimos a nossa voz à de todas as gerações
que Te proclamam bem aventurada.
Em Ti celebramos as grandes obras de Deus,
que nunca se cansa de inclinar se com misericórdia
sobre a humanidade, afligida pelo mal e ferida pelo pecado,
para a curar e salvar.

Acolhe com benevolência de Mãe
o ato de entrega que hoje fazemos com confiança,
diante desta tua imagem que nos é tão querida.
Estamos certos que cada um de nós é precioso aos teus olhos
e que nada do que se encontra nos nossos corações Te é estranho.
Deixamo-nos alcançar pelo teu dulcíssimo olhar
e recebemos a consoladora carícia do teu sorriso.

Guarda a nossa vida entre os teus braços:
abençoa e robustece todo o desejo de bem;
vivifica e alimenta a fé;
ampara e ilumina a esperança;
suscita e anima a caridade;
guia a todos nós no caminho da santidade.
Ensina nos o teu amor de predilecção
com os pequenos e pobres,
com os excluídos e sofredores,
com os pecadores e os de coração perdido:
reúne a todos sob a tua protecção
e entrega a todos o teu amado Filho, Jesus nosso Senhor.
Amen.

Papa Francisco
Roma, 13 de Outubro de 2013

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HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO

Recitamos no salmo: «Cantai ao Senhor um cântico novo, porque Ele fez maravilhas» (Sl 97, 1).
Encontramo-nos hoje diante duma das maravilhas do Senhor: Maria! Uma criatura humilde e frágil como nós, escolhida para ser Mãe de Deus, Mãe do seu Criador.
Precisamente olhando Maria à luz das Leituras que acabámos de escutar, queria reflectir convosco sobre três realidades: a primeira, Deus surpreende-nos; a segunda, Deus pede-nos fidelidade; a terceira, Deus é a nossa força.

1. A primeira: Deus surpreende-nos. O caso de Naamã, comandante do exército do rei da Síria, é notável: para se curar da lepra, vai ter com o profeta de Deus, Eliseu, que não realiza ritos mágicos, nem lhe pede nada de extraordinário. Pede-lhe apenas para confiar em Deus e mergulhar na água do rio; e não dos grandes rios de Damasco, mas de um rio pequeno como o Jordão. É uma exigência que deixa Naamã perplexo e também surpreendido: Que Deus poderá ser este que pede uma coisa tão simples? A vontade primeira dele é retornar ao País, mas depois decide-se a fazê-lo, mergulha no Jordão e imediatamente fica curado (cf. 2Re 5,1-14). Vedes!? Deus surpreende-nos; é precisamente na pobreza, na fraqueza, na humildade que Ele Se manifesta e nos dá o seu amor que nos salva, cura, dá força. Pede somente que sigamos a sua palavra e tenhamos confiança n'Ele.

Esta é a experiência da Virgem Maria: perante o anúncio do Anjo, não esconde a sua admiração. Fica admirada ao ver que Deus, para Se fazer homem, escolheu precisamente a ela, jovem simples de Nazaré, que não vive nos palácios do poder e da riqueza, que não realizou feitos extraordinários, mas que está disponível a Deus, sabe confiar n'Ele, mesmo não entendendo tudo: «Eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). É a sua resposta. Deus surpreende-nos sempre, rompe os nossos esquemas, põe em crise os nossos projectos, e diz-nos: confia em Mim, não tenhas medo, deixa-te surpreender, sai de ti mesmo e segue-Me!
Hoje perguntemo-nos, todos, se temos medo daquilo que Deus me poderá pedir ou está pedindo. Deixo-me surpreender por Deus, como fez Maria, ou fecho-me nas minhas seguranças, seguranças materiais, seguranças intelectuais, seguranças ideológicas, seguranças dos meus projectos? Deixo verdadeiramente Deus entrar na minha vida? Como Lhe respondo?

2. Na passagem lida de São Paulo, ouvimos o Apóstolo dizer ao seu discípulo Timóteo: Lembra-te de Jesus Cristo; se perseverarmos com Ele, também com Ele reinaremos (cf. 2Tm 2,8-13). Aqui está o segundo ponto: lembrar-se sempre de Cristo, a memória de Jesus Cristo, e isto significa perseverar na fé. Deus surpreende-nos com o seu amor, mas pede fidelidade em segui-Lo. Podemos nos tornar "não fiéis", mas Ele não pode; Ele é "o fiel" e pede-nos a mesma fidelidade. Pensemos quantas vezes já nos entusiasmámos por qualquer coisa, por uma iniciativa, por um compromisso, mas depois, ao surgirem os primeiros problemas, abandonámos. E, infelizmente, isto acontece também com as opções fundamentais, como a do matrimónio. É a dificuldade de ser constantes, de ser fiéis às decisões tomadas, aos compromissos assumidos. Muitas vezes é fácil dizer «sim», mas depois não se consegue repetir este «sim» todos os dias. Não se consegue ser fiéis.

Maria disse o seu «sim» a Deus, um «sim» que transtornou a sua vida humilde de Nazaré, mas não foi o único; antes, foi apenas o primeiro de muitos «sins» pronunciados no seu coração tanto nos seus momentos felizes, como nos dolorosos... muitos «sins» que culminaram no «sim» ao pé da Cruz. Estão aqui hoje muitas mães; pensai até onde chegou a fidelidade de Maria a Deus: ver o seu único Filho na Cruz. A mulher fiel, de pé, destruída por dentro, mas fiel e forte.
E eu me pergunto: sou um cristão "soluçante", ou sou cristão sempre? Infelizmente, a cultura do provisório, do relativo penetra também na vivência da fé. Deus pede-nos para Lhe sermos fiéis, todos os dias, nas acções quotidianas; e acrescenta: mesmo se às vezes não Lhe somos fiéis, Ele é sempre fiel e, com a sua misericórdia, não se cansa de nos estender a mão para nos erguer e encorajar a retomar o caminho, a voltar para Ele e confessar-Lhe a nossa fraqueza a fim de que nos dê a sua força. E este é o caminho definitivo: sempre com o Senhor, mesmo com as nossas fraquezas, mesmo com os nossos pecados. Nunca podemos ir pela estrada do provisório. Isto nos destrói. A fé é a fidelidade definitiva, como a de Maria.

3. O último ponto: Deus é a nossa força. Penso nos dez leprosos do Evangelho curados por Jesus: vão ao seu encontro, param à distância e gritam: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós» (Lc 17, 13). Estão doentes, necessitados de serem amados, de terem força e procuram alguém que os cure. E Jesus responde, libertando-os a todos da sua doença. Causa estranheza, porém, o facto de ver que só regressa um para Lhe agradecer, louvando a Deus em alta voz. O próprio Jesus o sublinha: eram dez que gritaram para obter a cura, mas só um voltou para gritar em voz alta o seu obrigado a Deus e reconhecer que Ele é a nossa força. É preciso saber agradecer, saber louvar o Senhor pelo que faz por nós.

Vejamos Maria: depois da Anunciação, o primeiro gesto que ela realiza é um acto de caridade para com a sua parente idosa Isabel; e as primeiras palavras que profere são: «A minha alma enaltece o Senhor», ou seja, um cântico de louvor e agradecimento a Deus, não só pelo que fez n'Ela, mas também pela sua acção em toda a história da salvação. Tudo é dom d'Ele. Se conseguimos entender que tudo é dom de Deus, então quanta felicidade teremos no nosso coração! Tudo é dom d'Ele. Ele é a nossa força! Dizer obrigado parece tão fácil, e todavia é tão difícil! Quantas vezes dizemos obrigado em família? Esta é uma das palavras-chaves da convivência. "Com licença", "perdão", "obrigado": se numa família se dizem estas três palavras, a família segue adiante. "Com licença", "perdão", "obrigado". Quantas vezes dizemos "obrigado" junto da família? Quantas vezes dizemos obrigado a quem nos ajuda, vive perto de nós e nos acompanha na vida? Muitas vezes damos tudo isso como suposto! E o mesmo acontece com Deus. É fácil ir até ao Senhor para pedir alguma coisa, mas ir agradece-Lo... "Ah, isso é difícil".

Continuando a Eucaristia, invocamos a intercessão de Maria, para que nos ajude a deixarmo-nos surpreender por Deus sem resistências, a sermos-Lhe fiéis todos os dias, a louvá-Lo e agradecer-Lhe porque Ele é a nossa força. Amen.

+ Papa Francisco
Praça de São Pedro, 13 de Outubro de 2013

 

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