Sinodalidade e a tomada de decisões na Igreja
1. "Sínodo é o nome da Igreja"
No seu comentário ao Salmo 149, procurando o sentido do final do versículo 1 («Que o seu louvor ressoe na Assembleia dos Santos»), S. João Crisóstomo interroga os seus ouvintes:
«Vedes como [o salmista], para formar o seu concerto religioso, antes do louvor da palavra, pede o louvor das obras e da vida? Não basta que a voz cante um hino de acção de graças, é necessário que a virtude das obras a acompanhe. "Que o seu louvor ressoe na assembleia dos santos". Há aqui um outro ensinamento: vemos nesta palavra que é necessário louvar a Deus dum modo perfeitamente concorde; porque a Igreja é uma reunião em que reina a mais completa harmonia»1.
Em grego, esta última afirmação ressoa deste modo: «Ἐκκλησία γὰρ συστήματος καὶ συνόδου ἐστὶν ὄνομα». Ou seja, traduzindo à letra: «A Igreja é uma assembleia, e sínodo é o seu nome».
De acordo com estudos relativamente recentes (2004)2, a palavra sínodo (σύνοδος) não terá como etimologia aquela habitualmente apresentada de «caminho feito em conjunto» (suvn + oJdovß), mas antes — com origem no dialecto ático do grego antigo — a etimologia suvn + oujdovß, em que oujdovß significa a soleira da casa. Assim, a palavra sínodo teria inicialmente o significado de «atravessar simultaneamente a soleira da casa, permanecer em conjunto, reunir»3.
1.1 O aparecimento da «sinodalidade»
Na Igreja, a realidade sinodal encontra a sua primeira expressão clara no célebre «Concílio de Jerusalém», relatado por S. Lucas em Act 15, e por S. Paulo em Gal 2,1-9. Deixemos de lado as sem dúvida importantes questões exegéticas que estas passagens da Escritura levantam, mas cuja abordagem não ajudaria para a nossa reflexão. Reconheçamos apenas que, apesar de não encontrarmos na Assembleia de Jerusalém o que hoje podemos chamar tecnicamente um «sínodo» (e seguindo a posição de Harald Wagner)4 , devemos, no entanto, reconhecer que ali se encontram vários «elementos sinodais»: a procura da verdade sob a invocação do Espírito Santo, a reunião dos Apóstolos e presbíteros que se encontram à frente das Igrejas, a auscultação das várias posições sobre uma determinada matéria, a tomada de uma resolução vinculante e a sua posterior comunicação às diferentes Igrejas. Podemos, pois, afirmar que aquela reunião de Jerusalém inaugurou na vida da Igreja um modo de tomar decisões a que podemos designar sob o termo genérico de sinodalidade.
Refira-se que a conexão do chamado «Concílio de Jerusalém» com os «sínodos episcopais», que constituem um fenómeno típico da Igreja antiga, foi realizada pela primeira vez por S. João Crisóstomo5, enquanto o primeiro testemunho do uso técnico da palavra sínodo remonta a Eusébio de Cesareia (Hist. Eccl. VII, 27,2)6. Por outro lado, o primeiro sínodo foi convocado no ano 155, em Roma, pelo Papa Aniceto7, para tratar da questão da data da Páscoa8. A este seguir-se-iam muitos outros, inúmeros mesmo, em muitas outras regiões, como forma de reconhecimento mútuo da fé católica e da resolução e regulamentação de diferentes questões disciplinares.
Não iremos aqui fazer referência aos Concílios Ecuménicos9 , ainda que, obviamente, sejam eles o expoente daquilo a que poderíamos chamar a sinodalidade na Igreja. Contudo, ao longo de vários séculos, mesmo antes do I Concílio Ecuménico de Niceia, em 325, e antes da liberdade proporcionada à Igreja por Constantino, o fenómeno sinodal e conciliar marca fortemente a vida da eclesial.
Notemos ainda que a sinodalidade não obsta a que, ao mesmo tempo, o ministério apostólico percorra um outro caminho que, embora diferente10, não deixa de convergir com aquele: a emergência e a afirmação da autoridade e da figura dos bispos como expressão da Tradição e da unidade da fé eclesial (vejam-se, por exemplo, as referências que Eusébio faz às figuras episcopais mais salientes na sua História Eclesiástica)11.
Mas é a sinodalidade que faz a diferença. Assim, S. Ireneu não hesitava em afirmar que, enquanto os fundadores de seitas davam origem a uma cacofonia, os bispos mostravam «uma mesma fé e um mesmo modo de organização» (Adv. Haer. V, 20,1). A este propósito, reconhecia J. Daniélou: «não podemos deixar de ser tocados pela diferença entre a acção dos fundadores de uma seita, que apresenta um carácter pessoal e é semelhante aos chefes de escola, e a acção dos bispos, que é essencialmente colectiva e procura mostrar a fé comum»12.
É pois natural que, ao lado e em convergência com a «práxis sinodal»13 desenvolvida no séc. II, nos apareçam em S. Inácio de Antioquia (c. 35 - c.107), S. Ireneu (c. 130-202)14 e S. Cipriano de Cartago (+ 258) — apenas para dar alguns dos exemplos mais conhecidos — os testemunhos do que viria a ser chamado o «episcopado monárquico»15; ou que, por volta de 215, a Traditio Apostolica de Hipólito já nos apresente a oração de ordenação dos Bispos (ainda hoje usada), com a descrição detalhada das suas funções no seio da comunidade.
Podemos dizer que, na Igreja antiga, os sínodos são reuniões dos bispos de uma determinada região com vista à procura da expressão da fé comum e da consequente elaboração de normas disciplinares, a que se seguiam a troca dos documentos finais, e o seu envio às outras Igrejas, em particular à de Roma16.
Constituem, portanto, uma realidade diferente dos sínodos diocesanos, ainda que possam ser colocados debaixo do mesmo conceito de sinodalidade.
1.2 Os Sínodos diocesanos
O primeiro sínodo diocesano de que temos notícia é o de Auxerre, por volta do ano de 585, que reuniu 7 abades, 34 presbíteros e 3 diáconos, à volta do Bispo Aunachario, tendo promulgado 45 cânones, a maioria deles referentes a matéria litúrgica. De então para cá, o fenómeno dos sínodos diocesanos não deixou nunca de estar presente na vida da Igreja, em particular na Idade Média.
«Eram — afirma José Pedro Paiva — assembleias que congregavam o clero de um arcebispado, ou bispado, convocado pelo respectivo prelado, com o intuito de se avaliar o estado da vida religiosa, a situação clerical e de se proporem medidas de actuação nesses domínios. Eram ainda, em função de juntarem a totalidade do clero beneficiado — algum dele habitualmente residente em regiões periféricas das sedes diocesanas — um meio de transmissão de informações e normas oriundas dos diversos níveis de poder da Igreja.»17
Segundo o mesmo autor, estes sínodos aparecem consagrados no chamado Decreto de Graciano (1140-1150), são objecto de decisão do IV Concílio de Latrão (1215)18 e, em 1433, do Concílio de Basileia (XV sessão, 26 de novembro), que lhes dedica um decreto19.
Refletindo as tendências conciliaristas que marcavam o ambiente em que foi realizado o Concílio, o Decreto de Basileia impunha a celebração regular de Concílios ecuménicos, provinciais e, anualmente, de sínodos diocesanos, numa espécie de hierarquia e de sequência lógica. Contudo, não deixa de ser interessante verificar o facto de o Concílio reconhecer a antiguidade do costume sinodal e de indicar com algum detalhe o programa das duas ou três jornadas que deveriam durar: Missa, pregação do Bispo, leitura dos estatutos provinciais e sinodais, e resolução dos problemas disciplinares ou doutrinais, particularmente dos que originavam escândalo, e que os delegados episcopais tivessem encontrado ao longo do ano ao visitar a diocese. O sínodo tinha a obrigação providenciar à sua resolução, mesmo quando ocasionados pelo próprio Bispo.
Sem qualquer intuito conciliarista, o Concílio de Trento, na sua XXIV sessão, em 11 de novembro de 1563 (Decretum De reformatione, can. II), não deixou de reconfirmar a práxis da convocação dos concílios provinciais e da convocação anual do sínodo diocesano, fazendo suas as normas do Concílio de Basileia a este respeito.
E, de facto, em Portugal encontramos testemunhos da celebração de vários sínodos diocesanos, sem no entanto atingirmos a frequência anual indicada. O primeiro deles, bem anterior ao Concílio de Basileia, foi celebrado em Lisboa, em 1191, e o último data de 1761, celebrado na então diocese de Miranda20. Mas não podemos esquecer a convocação mais recente de outros sínodos diocesanos nas colónias portuguesas, e a reedição das normas sinodais em várias dioceses do continente.
Podemos, assim, dizer que, revestindo-se embora de formas muito diversas, os sínodos são uma realidade na Igreja desde o seu início — na Igreja universal e, de igual modo, nas Igrejas diocesanas, de que são exemplo várias dioceses portuguesas —, e que não existiu, de facto, nenhum período da história da Igreja em que eles não marcassem a sua importância. São uma expressão da vida eclesial, que vai assumindo, ao longo dos séculos, facetas diferentes.
2. O Sínodo diocesano contemporâneo
Estes diversos modos com que a sinodalidade foi vivida na Igreja ao longo dos séculos encontraram um novo impulso no Concílio Vaticano II. Assim, este Concílio não deixou de pedir (ou mesmo de tornar obrigatórios) a criação de diferentes órgãos de «conselho», que marcam, desde então, a vida das nossas dioceses, paróquias e movimentos. É o caso dos Conselhos Presbiterais (PO 7) e dos conselhos pastorais (CD 27) e mesmo de outros, prevendo o Concílio que, nalguns, participassem também leigos. Recordemos um desses passos do Vaticano II:
«Quando for possível, haja em todas as dioceses conselhos que ajudem a obra apostólica da Igreja, quer no campo da evangelização e santificação, quer no campo caritativo, social e outros, onde os clérigos e os religiosos colaborem dum modo conveniente com os leigos. Tais órgãos poderão servir para coordenar as diversas associações de leigos e suas iniciativas apostólicas, respeitando a índole e autonomia própria de cada uma. Se for possível, haja também organismos semelhantes no âmbito paroquial, interparoquial, interdiocesano, bem como no plano nacional ou internacional.» (AA 26).
A partir desta determinação, a sinodalidade passará a configurar de um modo mais incisivo a ação pastoral da Igreja do pós-concílio, não por uma mera «moda» cultural, mas porque ela traduz o modo de ser da Igreja, o seu mistério.
O Concílio faz também referência ao Sínodo diocesano (Decreto Christus Dominus, 36). A sua celebração foi depois delineada mais extensamente pelo Código de Direito Canónico de 1983 (can. 460-468), e concretizada na Instrução sobre os Sínodos diocesanos, emanada pelas Congregações para os Bispos e para a Evangelização dos Povos, em 1997, e no Directório para o ministério pastoral dos Bispos, de 2004 (nn. 166-174).
Se, por um lado, todos estes documentos sublinham a iniciativa, o papel e decisão última do Bispo diocesano ao longo do processo sinodal — e, portanto, configuram o Sínodo diocesano como «acto de governo episcopal» — por outro lado não deixam igualmente de realçar que a sua celebração constitui o «vértice das estruturas de participação da Diocese», e um singular «evento de comunhão» (DMPB, 166).
Olhemos, pois, primeiramente, como devemos entender o Sínodo diocesano enquanto expressão da comunhão eclesial e, depois, o modo muito próprio de, nas diferentes estruturas eclesiais de participação se expressar esta comunhão.
2.1 O Sínodo é um acontecimento de comunhão
A noção de comunhão tomada como conceito da eclesiologia começou a ganhar a sua «popularidade teológica» a partir do Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, convocado por S. João Paulo II para realizar o balanço dos 20 anos de caminho eclesial desde o encerramento do Concílio. A noção de comunhão domina o documento conclusivo, redigido pelo Card. Danneels e pelo futuro Card. W. Kasper, como conceito a partir do qual reler e interpretar os diversos documentos do Concílio Vaticano II. Vejam-se, por exemplo, alguns passos desse documento:
«A Igreja torna-se mais credível se, falando menos de si mesma, prega mais e mais a Cristo crucificado (cf. 1Cor 2,2) e dá testemunho dele com a sua vida. Deste modo, a Igreja é como um sacramento, ou seja, sinal e instrumento da comunhão com Deus e também da comunhão e reconciliação do homens entre si. O anúncio sobre a Igreja, como o descreve o Concílio Vaticano II, é trinitário e cristocêntrico.» (Relatio finalis, I.1).
E mais adiante:
«A eclesiologia de comunhão é uma ideia central fundamental nos documentos do Concílio. Koinonia / comunhão, fundadas na Sagrada Escritura, são tidas em grande honra pela Igreja antiga e pelas Igrejas orientais até aos nossos dias. Desde o Concílio Vaticano II fez-se muito para que se entendesse mais claramente a Igreja como comunhão e se levasse esta ideia mais concretamente para a vida. Que significa a complexa palavra "comunhão"? Fundamentalmente trata-se da comunhão com Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo. Esta comunhão dá-se na Palavra de Deus e nos sacramentos. O batismo é a porta e o fundamento da comunhão da Igreja; a Eucaristia é a fonte e o cume de toda a vida cristã (cf. LG 11). A comunhão do corpo eucarístico de Cristo significa e faz, ou seja, edita a íntima comunhão de todos os fiéis no Corpo de Cristo que é a Igreja. Por isso, a eclesiologia de comunhão não se pode reduzir a meras questões organizativas ou a questões que digam respeito a meros poderes. A eclesiologia de comunhão é o fundamento para a ordem na Igreja e em primeiro lugar para a recta relação entre unidade e pluriformidade na Igreja.» (Relatio finalis, II, C,1).
Tratava-se de não ignorar duas realidades centrais no Concílio: a existência do I capítulo da Constituição Lumen gentium, intitulado «O mistério da Igreja», que faz apelo à dimensão trinitária e cristológica da Igreja, realidade anterior e chave hermenêutica dos outros capítulos da Constituição, e portanto também do capítulo II sobre o «Povo de Deus»; e a afirmação primeira e central da Constituição Dei Verbum (DV 1):
O sagrado Concilio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus, proclamando-a com confiança, faz suas as palavras de S. João: "anunciamo-vos a vida eterna, que estava junto do Pai e nos apareceu: anunciamo-vos o que vimos e ouvimos, para que também vós vivais em comunhão connosco, e a nossa comunhão seja com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo" (1Jo 1, 2-3).
Mais: tratava-se, em 1985, de impedir que a Igreja, tal como o Concílio Vaticano II a apresentou a si mesma e ao mundo, fosse tomada (sob a clara influência marxista — ou, pelo menos, por influência dos modelos culturais dominantes) como tendo no seu centro uma contraposição entre classes (a hierarquia e os religiosos frente ao «povo soberano» que reclamaria uma espécie de «democracia popular») e, deste modo, como uma Igreja que existe a partir de si própria — se quisermos, usando as palavras do Papa Francisco logo no primeiro dia do seu pontificado, uma «ONG religiosa».
Ora a Igreja não existe a partir de si nem para si mesma. A Igreja é o «instrumento de Deus para reunir os homens à Sua volta, para preparar o momento em que "Deus será tudo em todos" (1Cor 15,28)»21. Caso contrário, poderíamos perfeitamente passar sem ela (talvez porque não raras vezes a Igreja é apresentada como uma organização humana, em muitos crentes surge o que poderíamos chamar a «dispensabilidade» da Igreja!).
O centro à volta do qual se constrói a comunhão é a pessoa de Jesus, e a comunhão é o nome dado à Sua relação com o Pai no Espírito Santo. É desta relação que Ele faz participantes os Apóstolos, e por meio destes e da vida comunicada pelo Espírito Santo, todos os cristãos. Por isso, S. João não hesita em dizer: para «que vivais em comunhão connosco e a nossa comunhão seja com o Pai».
A comunhão dos homens entre si nasce da comunhão de Jesus com o Pai, e a ela temos acesso através daquele que realiza a comunhão de Deus com os homens: Jesus22, cuja vida nova de Ressuscitado nos é dada a participar por meio do Espírito Santo recebido no Baptismo.
A noção de comunhão encontra uma realidade sacramental que a torna visível e eficaz, e ao mesmo tempo «espiritual, transcendente e escatológica»23: a Eucaristia. É Cristo quem edifica a Igreja e por ela dá a Sua vida num permanente e eterno serviço sacerdotal.
Assim, para o estudo da noção de comunhão expressa na sinodalidade eclesial, não podemos passar por cima de Gal 2,9. No contexto da referência à Assembleia de Jerusalém, S. Paulo diz:
«Quanto àqueles que eram considerados como autoridades – o que eles foram outrora de nada me interessa, já que Deus não faz acepção de pessoas – a mim, com efeito, nada mais me impuseram. Antes pelo contrário: tendo visto que me tinha sido confiada a evangelização dos incircuncisos, como a Pedro a dos circuncisos – pois aquele que operou em Pedro para o apostolado dos circuncisos, operou também em mim em favor dos gentios - e tendo reconhecido a graça que me havia sido dada, Tiago, Cefas e João, que eram considerados as colunas, estenderam-nos a mão direita, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão, para irmos, nós aos gentios e eles aos circuncisos.» (Gal 2,6-9).
Podemos surpreender aqui a noção paulina de comunhão eclesial: Paulo reconhece a autoridade dos que eram «as colunas» da Igreja, e o seu gesto de estender a mão direita em sinal de comunhão é olhado pelo Apóstolo como expressão válida e vinculante24. Paulo fez sempre referência à origem da sua condição de Apóstolo na «revelação» do Ressuscitado no caminho de Damasco, e mesmo agora afirma que a sua subida a Jerusalém teve origem numa «revelação» (Gal 2,2). Contudo acrescenta: «Expus-lhes o Evangelho que prego entre os pagãos, e isso particularmente aos que eram de maior consideração, a fim de não correr ou de não ter corrido em vão» (Gal 2,2). Paulo não tinha dúvidas acerca da verdade do Evangelho por ele anunciado; mas não tinha igualmente dúvidas acerca da necessidade de manter intacto o vínculo eclesial e de viver plenamente nele — e a questão da circuncisão ameaçava tornar-se num ponto de ruptura.
Que a noção de comunhão não se reduza apenas às realidades espirituais e doutrinais, mas consista igualmente numa realidade social, isso mesmo é demonstrado pelo pedido feito a Paulo: «Recomendaram-nos apenas que nos lembrássemos dos pobres, o que era precisamente a minha intenção» (Gal 2,10).
Não espanta, assim, que o teólogo ortodoxo B. Bobrinskoy tenha definido a conciliaridade deste modo: «a conciliaridade manifesta-se como coextensiva ao mistério, pelo facto de ser este que faz da Igreja uma Igreja em Concílio permanente, à imagem do Conselho eterno da Trindade santa»25. Notemos que a expressão «Concílio permanente», embora seja típica de um teólogo da Tradição Ortodoxa, se mostra aqui com um significado muito diferente daquele outro, surgido em algumas mentes a seguir ao Vaticano II, da instituição de um estado permanente de Concílio que relativizasse a figura do Papa, e constituísse na Igreja uma espécie de «Parlamento democrático».
À primeira vista temos pois (tal como já sucedeu na breve análise que fizemos sobre a dimensão histórica dos sínodos), uma vez mais, duas realidades aparentemente contraditórias: por um lado as figuras apostólicas e o seu ministério apostólico /episcopal; e, por outro, o célebre «pareceu bem ao Espírito Santo e a nós» (Act 15,28: ἔδοξεν γὰρ τῷ Πνεύματι τῷ Ἁγίῳ καὶ ἡμῖν).
2.2 As decisões na Igreja
a) O «voto democrático»
A célebre «autonomia das realidades terrestres» consagrada pela Constituição Gaudium et spes26 não pode deixar de nos conduzir a reconhecer que, precisamente, nas «realidades terrestres» as decisões se devem tomar de acordo com a referida autonomia. O mesmo é dizer, por exemplo, que, em matéria económica, as decisões, mesmo no seio das comunidades eclesiais, hão-de ser tomadas de acordo com a prudência e a sabedoria requeridas pelo saber económico; e que noutras matérias hão-de ser tomadas democraticamente, segundo o voto da maioria, e assim sucessivamente27.
Mas como tomá-las em matérias doutrinais ou pastorais, como são aquelas habitualmente colocadas à consideração dos diferentes conselhos ou órgãos de consulta e, em caso mais solene, nos Sínodos ou mesmo nos Concílios? Que poderá significar o célebre «ao Espírito Santo e a nós»?
Em 1985, nos Estados Unidos, foi fundado por Robert Funk o célebre Jesus Seminar que reúne duas vezes por ano uma série de peritos bíblicos, sobretudo evangélicos, e em que, após algum tempo de estudo e debates, os participantes votam «democraticamente» se sim ou não determinada afirmação dos evangelhos deve ou não ser atribuída a Jesus. Podemos dizer que este é, talvez, o caso mais chocante da falta de adequação da votação democrática ao seu objecto, e um abuso do próprio sujeito. Os escritos evangélicos e o seu valor não estão submetidos ao «voto democrático», qualquer que seja a forma de que ele se revista, nem os exegetas (por muito peritos que sejam) são os «sujeitos» dos evangelhos, para que possam decidir sobre eles e o seu valor.
Mesmo colocando de parte a consideração de formas democráticas que mais se aproximam da anarquia, e tomando apenas o modelo parlamentar ocidental, importa, também aqui, sublinhar algumas diferenças em relação à Igreja, não sem antes deixarmos de recordar que muitas instituições eclesiais foram efectivamente o berço da própria norma democrática, mesmo da representativa (veja-se, por exemplo, as eleições de superiores em muitas congregações religiosas).
Em primeiro lugar notemos que, enquanto um Estado tem por objectivo a administração da «coisa comum» em nome do verdadeiro soberano que é o povo, na Igreja ninguém possui por si mesmo qualquer autoridade, e que a finalidade da Igreja não é, absolutamente, a administração dos próprios bens, da sua partilha ou da tutela de direitos individuais dos seus membros: a Igreja vem de Deus e tem por meta a condução dos homens a Deus; o seu objecto de interesse é o Evangelho, e é ao serviço deste que se encontra o próprio ministério ordenado.
Não podemos, no entanto, esquecer a noção de sacerdócio comum dos fiéis reafirmada pelo Concílio Vaticano II, e, assim, a participação de todos os baptizados na missão profética, sacerdotal e real de Cristo, particularmente o sentido da fé cujo consenso universal em matéria de fé e costumes é infalível, como afirma LG 12.
Também não podemos esquecer o axioma do direito romano, assumido depois pelo Código de Direito Canónico (can. 119 § 3): «o que respeita a todos individualmente, por todos deve ser aprovado». A este respeito, Y. Congar mostrou, já em 195828, que o axioma consistia antes na afirmação do dever de participação de todos no seio das diversas estruturas.
Quanto ao ministério ordenado é claro que ele não é constituído a partir de uma delegação do povo de Deus, como acontece nas realidades políticas29.
b) Como entender o conselho ou consenso?
Como poderemos então entender a realidade do «Conselho» no seio da Igreja? A este propósito, o então Cardeal J. Ratzinger, a partir do pensamento de S. Cipriano de Cartago, resumiu assim o que poderíamos considerar o modo de proceder em Igreja:
«Nihil sine espicopo (nada sem o Bispo); a exigência da participação pública e da unidade da Igreja local sob o Bispo atinge nele, na luta contra comunidades de eleitores e contra a formação de grupos, a sua forma mais nítida e mais clara. Mas o mesmo Cipriano declara, de modo não menos claro, perante o seu presbitério: nihil sine concilio vestro (nada sem o vosso conselho), e afirma dum modo igualmente claro à sua comunidade: nihil sine consenso plebes (nada sem o consenso do povo). Nesta tríplice forma de cooperação na construção da comunidade reside o modelo clássico da "democracia" eclesial, que não nasce de uma transposição insensata de modelos estranhos à Igreja, mas da íntima estrutura do ordenamento eclesial e que, por isso, é conforme à exigência específica da sua essência.»30
O então Cardeal J. Ratzinger fazia, concretamente, referência a duas Cartas de S. Cipriano. Na primeira, a Carta 66, escrita a Florêncio Pupiano que tinha acusado de vários crimes o Bispo de Cartago e fomentado a divisão da comunidade, S. Cipriano afirma, referindo-se a Jo 6,67-69 e à profissão de fé que S. Pedro realiza em nome de todos:
«Foi Pedro quem falou naquela ocasião; sobre ele foi edificada a Igreja. Em nome da Igreja demonstra que, mesmo que a massa de rebeldes e orgulhosos se afaste não aceitando as decisões da Igreja, esta, no entanto, não se separará de Cristo. Para Cristo a Igreja está formada pelo povo unido ao seu Bispo e o rebanho que permanece fiel ao seu pastor. Deves saber, portanto, que o Bispo se encontra na Igreja e a Igreja no Bispo; se alguém não está com o Bispo, não se encontra na Igreja.» (Carta 66, VIII, 3).
Na outra carta, a Carta 14, S. Cipriano expressa a sua dor pelos sacerdotes e leigos que caíram na apostasia devido à perseguição, e pede que se tenha em atenção o cuidado pelos confessores pelos pobres. Estamos na primavera do ano 250. No final, afirma o Bispo de Cartago:
«Em relação àquilo que me escreveram os meus irmãos no sacerdócio Donato, Fortunato, Novato e Gordio, não posso responder sozinho, já que desde o começo do meu episcopado decidi não tomar nenhuma resolução por minha própria conta, sem o vosso conselho [nihil sine concilio vestro] e sem o consenso do povo [et sine consenso plebis]. Mas quando, com a graça de Deus, puder estar convosco, então trataremos em comum sobre o que se fez e o que se há-de fazer, tal como exige o respeito que nos devemos.» (Carta XIV,4)
Podemos pois resumir assim o modo de proceder de S. Cipriano: nihil sine episcopo; nihil sine consilio vestro; nihil sine consensu plebis.
Já mais próximo de nós, quando, em 1854, o Beato Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, na Bula Ineffabilis Deus, usou uma fórmula que creio poder também traduzir eficazmente o que significa este «conselho» através da palavra conspiratio. Afirmava o Santo Padre (n. 40):
«Assim, firmemente nos persuadimos, no Senhor, de ser chegado o tempo oportuno para definir a Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus, a qual a Sagrada Escritura, a veneranda tradição, o constante sentimento da Igreja, o singular consenso [conspiratio] dos bispos católicos e dos fiéis, e os actos memoráveis e as constituições dos Nossos Predecessores, admiravelmente ilustram e explicam.»31
Em 1859, esta mesma noção de conspiratio foi usada pelo Beato J. H. Newman num artigo [«On Consulting the Faithful in Matters of Docrtine»] publicado na revista Rambler. Newman estava firmemente convencido, desde as suas investigações sobre a crise ariana do séc. IV, que, neste caso, a integridade do dogma tinha sido mantida não tanto graças à firmeza da Santa Sé, dos Concílios ou dos Bispos, mas devido ao consensus fidelium32. A esta convicção tinha-se juntado a conversa tida em Roma, em 1847, com Giovanni Perrone, cujo tratado sobre a Imaculada Conceição seria, depois, uma das fontes mais usadas pelo Papa Pio IX na redacção da Bula de proclamação do Dogma, e em que este teólogo se tinha mostrado convencido de que o consensus fidelium poderia funcionar como uma força que compensava a eventual fraqueza de outros testemunhos em matéria doutrinal.
No seu artigo e com estas bases, Newman deu um passo em frente e defendeu que o consenso dos fiéis poderia ser olhado como a) um testemunho factual do dogma apostólico; b) uma espécie de instinto presente na profundidade do corpo místico de Cristo; c) um fruto da condução do Espírito Santo; d) uma resposta à oração33.
E acrescentou: «conspiratio: os dois, a Igreja que ensina e a Igreja ensinada são colocadas em conjunto como um duplo testemunho, cada uma ilustrando a outra e nunca dividindo»34. Quando falta o consenso, é o todo que é prejudicado. O consenso traz consigo «algo» que falta quando os pastores ficam sós. Trata-se de um duplo testemunho da fé, que se ilumina mutuamente e persegue um objectivo comum. E Newman afirma que bispos e fiéis «constituem uma porção da Igreja, com funções próprias, e que nenhuma destas pode ser salutarmente negligenciada. Mesmo que os leigos não sejam mais que o eco do clero em questões de fé, mesmo assim, existe algo na pastorum et fidelium conspiratio que não se encontra quando se considera apenas os pastores»35 .
Se quisermos, em relação concretamente ao Sínodo diocesano, podemos assumir o que a Instrução da Congregação dos Bispos e da Congregação para a Evangelização dos Povos afirma:
«Os sinodais são chamados a "prestar ajuda ao Bispo diocesano", formulando o seu parecer ou "voto" acerca das questões por ele propostas; tal voto é chamado "consultivo" para significar que o Bispo é livre para acolher ou não as opiniões manifestadas pelos sinodais. Isto, contudo, não é o mesmo que dar-lhes pouca importância, como se se tratasse de mera consulta "externa" e de opiniões expressas por quem não tem nenhuma responsabilidade pelo êxito final do sínodo: com as suas experiências e os seus conselhos, os sinodais colaboram ativamente na elaboração das declarações e dos decretos, que serão, justamente, chamados "sinodais", e nos quais o governo episcopal da diocese deve inspirar-se para o futuro.» (Instrução, I,2).
Esta percepção daquilo em que consiste o «conselho» ou o «voto consultivo» em relação ao Sínodo diocesano devemos entendê-la também, por analogia, aos demais conselhos, sejam paroquiais ou diocesanos, e mesmo aqueles que existem no seio da Igreja universal.
O voto consultivo (assumindo a premissa de que é emitido de modo responsável, respeitoso e sério) «é parte integrante do processo a partir do qual surge o juízo vinculante da fé do bispo. Por esta razão, o voto consultivo possui uma força vinculante intrínseca, que lhe vem da complementaridade estrutural existente entre o ofício episcopal, os presbíteros e os leigos»36. O voto consultivo é, portanto, expressão da communio, que «não está fundada no princípio da divisão do poder mas no facto de que a responsabilidade do bispo é indivisível, e não pode ser substituída pela responsabilidade da maioria»37; contudo ele não pode nunca ser menorizado, uma vez que encarna o testemunho da fé, e é um elemento essencial da conspiratio, sobretudo quando expressa no momento presente não tanto a fé subjectiva de cada crente tomado individualmente, mas a fé da Igreja.
NOTAS
1 (S. JOÃO CRISÓSTOMO, Exp. in Psalm. 149,1)
2 (Cf. A. JOIN-LAMBERT, Les liturgies des synodes diocésains français 1983-1999, Paris, Cerf, 2004, 61-65.)
3 Esta nova etimologia nem sempre reúne unanimidade)
4 Cf. H. WAGNER, «Sínodo/Concílio», in P. EICHER (ed.), Dicionário de conceitos fundamentais
de teologia, S. Paulo, Paulus, 1993, 830.
5 Cf. H. WAGNER, «Sínodo/Concílio», 830.
6 Cf. S. PIÉ-NINOT, Eclesiología. La sacramentalidad de la comunidad cristiana, Salamanca,
Sigueme, 2007, 565.
7 Outros indicam como primeiro sínodo o convocado pelo Papa Vítor em 190.
8 Cf. Y. CHIRON, Histoire des conciles, Paris, Pérrin, 2011, 6.
9 Cf. para essa história a obra de Y. CHIRON, Histoire des conciles.
10 Cf. G. ZITO, «La figura del vescovo lungo i secoli. Profilo storico fino al Concilio Vaticano I», in V. PERI (ed.), La comunione con il vescovo. Profili storici, biblici, teologici, Roma, Unione Apostolica del Clero, 2009, 16.
11 Cf. J. DANIÉLOU, «Des origines à la fin du troisième siècle», in L.-J. ROGIER - R. AUBERT - M.
D. KNOWLES, Nouvelle histoire de l'Eglise, I, Paris, Du Seuil, 1963, 139-140.
12 J. DANIÉLOU, «Des origines à la fin du troisième siècle», 141.
13 Cf. G. ZITO, «La figura del vescovo lungo i secoli», 18.
14 Cf. Adv. Haer. III,3,1-4,3.
15 Cf. G. ZITO, «La figura del vescovo lungo i secoli», 18.
16 Cf. J. DANIÉLOU, «Des origines à la fin du troisième siècle», 141: «Roma não aparece como apenas a representante das diversas tradições herdadas dos Apóstolos. Ou antes, representa uma dessas tradições, a de Pedro. Mas esta Tradição aparece investida duma autoridade particular».
17 Cf. J. P. PAIVA, «Sínodos diocesanos. I Época medieval e moderna», in C. AZEVEDO (ed.), Dicionário de história religiosa de Portugal IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, 240-241.
18 «Como antigamente foi estabelecido pelos Santos Padres, os metropolitas não deixem de celebrar todos os anos com os seus sufragâneos os concílios provinciais; neles tratem diligentemente, no temor de Deus, da correção dos abusos e da reforma dos costumes, especialmente no clero; releiam-se as normas canónicas, e especialmente o que foi estabelecido neste concílio geral, para que sejam feitas observar, infligindo as devidas penas aos transgressores. [...] O que for estabelecido, deverá ser observado e publicado nos sínodos episcopais, que devem ser celebrados anualmente em cada diocese» (can. 6).
19 Cf. G. ALBERIGO et al. (ed.), Conciliorum oecumenicorum decreta, Bologna, EDB, 1991, 473-476.
20 Cf. J. P. PAIVA, «Sínodos diocesanos. I Época medieval e moderna», 242-246. O último sínodo diocesano de Lisboa foi convocado em 1640.
21 J. RATZINGER, La comunione nella Chiesa, Milano, S. Paolo, 2004, 135. O Concílio diz: o «sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (LG 1).
22 Cf. J. RATZINGER, La comunione nella Chiesa, 137.
23 J. RATZINGER, La comunione nella Chiesa, 138.
24 J. RATZINGER, La comunione nella Chiesa, 67.
25 B. BOBRINSKOY, Le mystère de l'Eglise, Paris, 2003, 157-158, cit. in S. PIÉ-NINOT, Eclesiología, 566.
26 Cf. GS 36: «Se por autonomia das realidades terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia. Para além de ser uma exigência dos homens do nosso tempo, trata-se de algo inteiramente de acordo com a vontade do Criador».
27 Cf. J. RATZINGER, «Democratizzazione della Chiesa?», in J. RATZINGER - H. MEIER, Democrazia nella Chiesa. Possibilità e limiti, Brescia, Queriniana, 2005, 42.
28 Cf. Y. CONGAR, «Quod omnes tangit, ab omnibus tractari et approbari debet», in Révue historique de droit français et étranger 36 (1958) 210-259.
29 Cf. K. LEHMANN, «Legitimación dogmática de una democratización en la Iglesia», in Concilium 63 (1971) 371: «apenas se se considera o ministério na sua origem cristológica última se poderá entender que apenas dali lhe advém a responsabilidade irreversível, não separável da comunidade, mas que não pode derivar só dela, mas antes que pertence à vontade fundacional de Jesus Cristo, "ao direito constitucional imutável da Igreja". É evidente que isto não exclui uma participação da comunidade, por exemplo, na nomeação de um ministro».
30 J. RATZINGER, «Democratizzazione della Chiesa?», 50-51.
31 «Itaque plurimum in Domino confisi advenisse temporum opportunitatem pro Immaculata sanctissimae Dei Genetricis Virginis Mariae Conceptione definienda, quam divina eloquia, veneranda traditio, perpetuus Ecclesiae sensus, singularis catholicorum antistitum, ac fidelium conspiratio et insignia Praedecessorum nostrorum acta, constitutiones mirifice illustrant atquc declarant». O Papa Pio XII retomou a fórmula em 1950, na Constituição Munificentissimus Deus, 12.
32 Cf. M. SHARKEY, «Newman on the Laity», 3, cit. in http://www.ewtn.com/library/Theology/NEWMANLAY.HTM [16/09/14, 16:58].
33 M. SHARKEY, «Newman on the Laity», 3.
34 M. SHARKEY, «Newman on the Laity», 3.
35 J. H. NEWMAN, «On Consulting the Faithful in Matters of Doctrine cit. in
http://www.ewtn.com/library/Theology/NEWMANLAY.HTM [16/09/14, 16:58].
36 S. PIÉ-NINOT, Eclesiología, 572.
37 S. PIÉ-NINOT, Eclesiología, 572.
+ Nuno Braz, Bispo Auxiliar de Lisboa
Conferência proferida na Reunião de Vigários, Seminário dos Olivais, 30 de Setembro de 2014