As penas que temos
As penas que temos davam para fazer nascer um pássaro dos grandes.
Temos penas a mais. As que temos, davam para almofadar todas as feridas que andam destapadas.
Temos pena de não ter conseguido fazer melhor. Pena de não ter conseguido perdoar naquele dia. Pena de não ter podido amar melhor. Pena de não ter visto o que era preciso. E necessário. E urgente. Temos pena de ter baixado a cabeça. De não nos termos levantado mais cedo para encontrar a solução que não podia adiar-se. Temos tantas penas que qualquer ave choraria ao olhar para elas. Penas pequenas e grandes. Das que fazem cócegas e das que fazem mossa. Temos pena. Pena do que podíamos ter feito. Do que devíamos ter dito. Do que não podíamos ter dito. Temos pena de deixar ir o que já passou porque uma memória demora muito a secar. Dói muito a secar. Temos pena do muito que magoámos sem saber, sem querer ou mesmo querendo muito. Temos pena das escadas que não subimos com medo das alturas. Das montanhas que não escalámos com medo do que podia estar lá em cima. Das noites que não vimos estrelas por termos demasiado medo do escuro. Dos dias em que não voámos com medo de cair. Dos dias em que não descemos com medo de não saber levantar o corpo outra vez. Dos dias em que não vivemos com medo de tudo e de todos. Temos tanta pena. Das vezes em que a coragem se acobardou. E nós também. Das vezes em que não soubemos ouvir. Olhar. Começar. Recomeçar. Temos pena. Tanta.
Com muita pena minha, a verdade é que a pena não sopra alegria a ninguém. Da pena não nasce nada. É chão que já deu sonhos. Terra que já deu esperança. É árvore que já deu sombra. Balão que já sumiu. Barco que naufragou. Comboio que não esperou. Da pena não nasce nada. É terra que já deu luz. É voz que já se calou. Temos tanta pena. Tenho tanta pena. Tens tanta pena. Não tens?!
Não tenhas. Não tenhas pena. É (sempre) melhor ter asas.
Marta Arrais