O Mês das Almas
Tradicionalmente o mês de Novembro é designado como o mês das almas ou o mês dos santos. Inicia, de facto, com a solenidade de Todos os Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos. Na prática as duas celebrações estão muito ligadas e nem sempre conservam fronteiras definidas. Em geral, as pessoas visitam os cemitérios e recordam os seus mortos no dia 1, feriado. No dia 2, os crentes que podem participam na missa de defuntos.
A ligação das duas comemorações não vem apenas da associação temporal dos dois dias. Baseia-se, sobretudo, nas pessoas que nos precederam na fé. Estarão no número dos Santos, dos que viveram na perfeição a vocação cristã? Ou fazem parte dos Fiéis Defuntos, dos que necessitam ainda das nossas orações para alcançar a participação plena na luz divina? A certeza que temos é que participam do mesmo mistério do além, da vida que está para lá deste mundo visível. É a dimensão transcendente da existência humana que emerge à nossa consciência. "A vida não acaba mas apenas se transforma", proclama a liturgia e meditamos nós nestas celebrações.
São dias de emoção. Avivam-se os sentimentos profundos de afecto e de saudade pelos familiares e amigos defuntos. Entramos em comunicação com a totalidade da igreja, com todas as dimensões da "comunhão dos santos". Nós que formamos a igreja peregrina dirigimos o nosso coração para a igreja celeste, que vive na bem-aventurança eterna, e pedimos, ao mesmo tempo, pelo descanso eterno dos que viveram e morreram na esperança da ressurreição.
Recordar os que partiram é um exercício salutar e muito necessário. Recordar é torná-los presentes no coração (recordação vem do latim cor, cordis, que significa coração). Não é, portanto, apenas uma lembrança do passado mas uma referência para a vida presente e uma recomendação para prepararmos o futuro. É a meta futura que eles já alcançaram e para a qual nos dirigimos, que dá orientação à nossa vida. Assim, recordar os que partiram é cultivar laços que ajudam a vencer o isolamento e o individualismo e enriquecer a vida com referências.
Faz sentido, por isso, a designação do "mês almas". Os defuntos partiram mas as suas almas permanecem. Recordá-los não é tanto fazer a visita aos cemitérios (que significa lugar das cinzas). É sobretudo pela oração que se abre uma janela de comunicação com Deus e, através de Deus, com os que estão nas Suas mãos. A oração aproveita aos que partiram e acende em nós o desejo da bem-aventurança, dizia Santo Agostinho.
Era realmente pela oração que este grande santo e sábio recordava os seus pais, Patrício e santa Mónica. Conta ele nas "Confissões" que sua Mãe Mónica, ao cair doente no porto de Óstia, a caminho da pátria, declarou aos filhos que sepultassem o corpo na cidade onde estavam: "Sepultareis o meu corpo aqui". O primogénito, Navígio, manifestou o desejo de a sepultar na pátria. Então a Mãe, no meio do sofrimento, declarou aos dois filhos: "Enterrai este corpo em qualquer parte e não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor onde quer que estejais". Santo Agostinho levou muito a sério a recomendação da Mãe e constantemente, como declara, rezava pelos pais. Na verdade, a oração fortalece a esperança e prepara a vida bem-aventurada.