PARÓQUIA S. MIGUEL DE QUEIJAS

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Nossa Senhora da Rocha - história e devoção

Rocha22

por Padre Alexandre Santos
NB:
As citações conservam o português da época
Arquivo fotográfico

A devoção a Nossa Senhora está no mais íntimo da nossa cultura e alma lusitana. Os nossos antepassados sempre lhe prestaram grande culto e devoção, a cantaram, a louvaram, a dignificaram com copiosos templos e monumentos que ainda hoje são referências tão importantes.

Os portugueses sempre amaram a Virgem Maria, a começar pelo seu primeiro rei, D. Afonso Henriques, que a elegeu Padroeira do Reino e D. João IV que a coroou Rainha de Portugal.1 Desde a primeira hora Portugal se chamou “Terra de Santa Maria”. Dos reis e senhores passou esta devoção para o povo, que sempre a honrou a seu jeito, enquanto que os artistas a perpetuaram através da literatura, pintura, escultura, arquitectura, e de muitos outros trabalhos do nosso património cultural.

Os títulos com que a invocam são também testemunho do grande amor, veneração e criatividade que a alma lusa lhe dedica. Cada título tem a sua história e referência cultural que a tradição nos legou e que tantas vezes se perde num imaginário mítico/lendário e sobrenatural.

Ao abordarmos, nesta monografia, a descoberta de uma pequena imagem da Imaculada Conceição, numa gruta funerária do vale do rio Jamor, que depois foi venerada como Nossa Senhora da Conceição da Rocha, estamos também a prestar um pequeno contributo para melhor conhecer a nossa história e cultura portuguesas. É deveras surpreendente como um achado destes tivesse tido tanta veneração, desde as pessoas mais simples, ao clero, aos nobres, à casa real e a alguns poetas e escritores de referência.

Valeu a pena investigar, valeu a pena tomar alguns fios narrativos que pareciam insignificantes e que nos levaram a um conhecimento mais aturado sobre a aparição de uma pequena imagem de barro da nossa padroeira, a Senhora da Conceição.

Numa primeira parte, procuramos aproximar-nos das fontes desta descoberta e analisar de perto o impacto que este achado proporcionou à população local, assim como às gentes de Lisboa e seu termo. Servimo-nos, para isso, do cronista do reino, Frei Cláudio da Conceição, que foi testemunha ocular de todo este movimento de pessoas ao vale do Jamor. Uma outra fonte, que nos pareceu também digna de destaque, foi o testemunho de Tomás Ribeiro, apelidado de Tomás da Aparecida, devido aos seus contínuos e redobrados esforços, junto dos nossos monarcas, para trazer a Senhora para o seu primitivo local.

Numa segunda parte, depois de apresentarmos o perfil biográfico e literário de Francisco Ventura, tentamos fazer a análise da obra dramática “Auto da Senhora da Rocha” que ele nos legou. Todo este texto está elaborado em verso heptassilábico, obedecendo, assim, às nossas raízes mais populares, fazendo-nos recordar, por várias vezes, a presença e a frescura do teatro vicentino, não só pelos apartes e finas críticas ao poder político, religioso, como a certas atitudes cobardes de alguns homens que calam quando deveriam afirmar publicamente a sua posição. Ao mesmo tempo, o autor sublinha, por oposição, a coragem e a valentia de algumas mulheres – Galharda e Isidora – em defrontar até o próprio poder régio representado pelo Juiz de Fora ou pelo General Sepúlveda.

É ainda curioso, que no momento em que fazíamos o levantamento de todos os elementos para a elaboração deste trabalho, depararmo-nos com uma curiosa descoberta, o manuscrito e a primeira redacção dactilografada com uma pequena introdução do autor em que este se refere às razões porque conservou este “borrão” 2.

Inserimos, tambémRocha160a, um arquivo fotográfico, em que colocamos algumas fotos do Santuário actual, do seu interior, da imagem da Senhora, assim como da gruta onde ela foi encontrada. A descoberta que fizemos de algumas estampas, tão antigas, referentes à gruta e à imagem da Senhora, levou-nos também a colocá-las neste apêndice. A imensa variedade de publicações de novenas, provam que o achado desta imagem se impôs com muita força à devoção popular, por isso decidimos anexar alguns frontispícios destas edições. Por último, não podíamos deixar de contemplar, em anexo, o alvará da elevação do santuário a Capela Real e do novo título que a irmandade recebe por Sua Alteza Real, El-Rei D. Carlos, passando a denominar-se Real Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha.

Pensamos que valeu a pena esta aventura tentando enquadrar a vertente histórica e literária. Uma e outra atravessam a nossa mundividência e, no estudo que estamos a realizar, estes dois universos coexistem como círculos culturais complementares.

 


PREÂMBULO

«Encarregado de escrever, e transmittir á mais remota posteridade os acontecimentos notáveis de Portugal, pela obrigação de Chronista deste Reino, eu não posso deixar de preferir a todos, aquelle que mais tem tocado os nossos corações, aquelle que foi visível aos nossos olhos no meio das mais fataes circumstancias. As misericordias, com que o Ceo acudio a Portugal, pela protecção de Maria, invocada no Título Augusto de Senhora da Conceição da Rocha, descoberta na crise mais arriscada, na crise, em que parecia quasi impossível o remédio a tantos males, e desgraças tantas, deve ser o primeiro facto escripto para perpetuo agradecimento dos Portuguezes, para instrução da posteridade, e para admiração de todos os Séculos, celebrando o dia grande, o dia bemfazejo 31 de Maio com a maior pompa e solemnidade. [...] O dia, em que o mesmo Senhor fez raiar a aurora feliz da protecção de Maria para com hum Reino sepultado na profunda escura noite de tantas calamidades, deve ser eterno na memoria dos Portuguezes, e celebrado com os mais pomposos cultos.»3


1. A História da Senhora da Rocha

Tudo começou naquela manhã de Domingo, dia 28 de Maio de 1822, quando um pequeno grupo de adolescentes do vale do Jamor se deparou com um coelho que lhes surgiu no caminho. Tentando alcançá-lo rapidamente se deram conta que os seus esforços pareciam infrutíferos. A agilidade e rapidez deste roedor em alcançar esconderijo, levou estes jovens a descobrirem uma gruta ali tão perto e tão bem protegida de silvado e de um emaranhado de salgueiros. Uma vez lá dentro depararam-se, espantados, com uma grande lapa funerária. Este achado a todos colheu de espanto e surpresa. Mas o melhor ainda estava para acontecer.

O boato e os comentários de uma gruta desconhecida, contendo ossos humanos, circulam por toda a região de Carnaxide e de Linda-a-Pastora. Mas será só ao terceiro dia que ocorre a grande novidade. Enchendo-se de coragem, resolvem apurar a verdade. E uma vez dentro da gruta, acendem tochas e vislumbram não só algumas ossadas humanas, como também uma pequenina imagem da Virgem, a quem deram o nome de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Tomás Ribeiro, o grande impulsionador e defensor da construção de um Santuário para esta imagem, assim refere:

«No dia 28 de maio de 1822, perseguindo um coelho que alli se escondera, entraram na gruta do Jamor percorrendo de rastos a furna por onde elle entrára, sete rapazes que andavam brincando e chapinhando nas margens e nas ilhotas de Jamor. Os seus nomes são: Nicoláo Francisco, Joaquim Nunes, Joaquim Antonio da Silva, Antonio de Carvalho, Diogo, José da Costa e Simão Rodrigues. Os mais novos tinham 11 annos, 15 os mais velhos. Entrando e recuando apavorados, no que levaram longo tempo, conseguiram emfim chegar onde puderam erguer se e respirar. Sondando e apalpando acharam e tomaram nas mãos ossos humanos como poderam verificar quando voltaram ao rio. As familias que ha muito os esperavam em suas cazas não receberam bem os retardatarios e não crêram mesmo na historia phantastica do descobrimento.
No dia seguinte porém começou de levantar-se e avolumar-se nos differentes logares donde eram naturaes os pastoritos, o boato da existencia d’uma gruta desconhecida, e a apresentação dos ossos e a insistencia dos exploradores foi firmando, se não certezas, desejos de apurar a verdade. No dia 30 bastantes pessoas acompanhando os retardatarios da ante-vespera ao rio, abrindo as franças dos salgueiros acharam uma lura na grande rocha que se afundava no Jamor.
Não ousaram porém aventurar-se, os mais prudentes; mandaram entrar os rapazes com ordem de trazerem outros ossos. Era a prova evidente de que elles disseram a verdade. E desde que a conheceram destinaram para o dia 31 procurar com luz que dentro accenderiam, o que podesse achar-se na gruta onde era certo haver estado gente. No dia 31 foram pois, com tochas, para dentro serem accendidas. Entraram na frente os sete moços, lá d'outros acompanhados, e accesa uma tocha, encontraram a pequenina imagem da Virgem.»4

Frei Cláudio da Conceição, cronista do reino5 e grande apologista da Senhora da Rocha, também naqueles dias aí se deslocou para ver o sucedido, e refere que, na tarde do dia seguinte, a imagem da Senhora desapareceu de forma misteriosa. Gerou-se grande tumulto e inquietação vindo a ser encontrada no dia 4 de Junho sobre uma oliveira, ali perto, e por ordem da autoridade foi reposta na gruta, alumiada e guardada pelas forças da autoridade por ordem do Juiz de Fora de Oeiras.

O achado desta pequena imagem de barro da Virgem Maria6 é rapidamente divulgado por todo o Jamor e regiões circunvizinhas, chegando mesmo aos ouvidos do rei D. João VI. O entusiasmo popular rapidamente fez deste espaço um lugar de peregrinação e de devoção mariana. As romagens de fiéis, vindos de muitas partes da região de Lisboa e seu termo, da Estremadura, de outras partes do país, bispos, religiosos, nobres da corte, ricos e pobres sucedem-se de uma forma rápida e surpreendente.7 Diz-nos o referido cronista do reino:

«Este descobrimento he o brilhante Sol da protecção de Maria que vem inundar todo o Reino de Portugal com suas benignas influencias.»8

«Apenas appareceo a Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, todos correm a tributar-lhe os seus cultos; a sua vista lhes infunde a maior compunção, olhando para si vendo que nada merecem, olhando para o Reino vendo os males que sofre, os insultos que se fazem á Religião, olhando para Maria, e vendo que ella póde desfazer tantos males, todos se compungem e derramão lágrimas na sua presença.
[...] No interior do seu Templo se offerece á vista o mais formoso, e o mais agradável objecto, vendo innumeravel multidão de fiéis arrebatados de huma intensa, e fervorosa devoção, humildemente prostrados ante o respeitavel, e sagrado Altar, onde se acha collocada a veneranda, e milagrosa Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, agradecendo a torrente de graças, e benefícios que liberal, e benignamente lhes dispensa pelas suas preciosas mãos esta sua incomparavel Protectora.»9

A ribeira do Jamor passa a ser o centro de muitas atenções. Os peregrinos vêm em número cada vez mais elevado. A pobre oliveira que acolhera a Virgem, após o seu misterioso desaparecimento, chega até a ser reduzida a pequenas relíquias de devoção.

«O povo foi levando ramos desta oliveira por devoção; acabados estes, entraram pelos troncos, e depois até as mesmas raízes lhe tiraram, de sorte que só por tradição se pode dizer aqui é que estava, a oliveira, onde se achou a Senhora depois de roubada.»10

As ofertas e donativos destes imensos devotos e curiosos incitam para a necessidade de aí se construir um pequeno santuário para albergar e proteger a Senhora.

«Publicada a noticia do descobrimento da Imagem da Senhora Conceição da Rocha, todos correm a ver, e admirar esta maravilha, e todos voltão alegres, e satisfeitos, louvando e glorificando a Maria Santíssima; huma e muitas vezes vão á sua Rocha, levando generosas dadivas, bem como os Pastores tinhão feito no Presépio.»11

Metem mãos à obra e transformam aquele lugar num espaço mais acolhedor. Fazem uma porta com grades de ferro e um portal de pedra de lioz para a gruta. Constroem uma muralha, para impedir que as águas do rio invadissem a gruta. Trabalham naquele projecto trinta e oito operários. Porém, a 27 de Julho de 1822, o rei faz publicar uma portaria, que retira a veneranda imagem da lapa junto ao rio Jamor, para a trasladar para a Sé Patriarcal, local mais condigno para se lhe prestar um mais solene culto público:

«Manda El-Rei, pelo Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, participar ao Colégio Patriarcal da Santa Igreja de Lisboa, que sendo-lhe presente a sua Carta, datada em 16 do corrente mês, e que acompanhava a informação a que mandou proceder pelo Desembargador que serve de Provisor, e Vigário Geral do Patriarcado, acêrca de uma Imagem de Nossa Senhora em uma lapa junto ao rio Jamor, nos limites de S. Romão de Carnaxide: E, atendendo Sua Majestade a que o lugar onde foi achada a dita Imagem não é próprio para ela continuar a existir e muito menos para se lhe dar culto público, e tão solene: Há por bem, conformando-se com o parecer do referido Vigário Geral ordenar que o Colégio Patriarcal logo, e sem perda alguma de tempo faça recolher aquela Imagem à Basílica de Santa Maria Maior, onde depois de benta poderá ser venerada, nomeando o mesmo Colégio uma administração para tratar das oblações, e esmolas, se as houver, as quais serão empregadas em objectos pios, e pondo em prática as mais providências que também o mencionado Desembargador e o Colégio julgar conveniente: Manda outrossim Sua Majestade declarar-lhe que na data desta se expede ordem ao Intendente Geral da Polícia, e ao Juiz de Fora, da Vila de Oeiras, para que prestem todo o auxílio que lhe for requerido, afim que a sobredita Imagem seja transportada com aquela decência, e respeito que lhe são devidos, e a que de nenhum modo se deve faltar.
Palácio de Queluz, 27 de Julho de 1822.
José da Silva Carvalho»12

Como consequência destas ordens, ao amanhecer do dia 5 de Agosto de 1822, festa da Senhora das Neves, a imagem da Senhora é transportada, sem tumulto e com as maiores honrarias, para a Catedral de Lisboa. Diz-nos, a este propósito, o cronista Fr. Cláudio da Conceição:

«Depois do descobrimento da Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, querendo a impiedade diminuir-lhe, ou, para melhor dizer, extinguir-lhe o seu culto, se persuadirão que, mudando de aposento, cessaria a devoção. He trazida por tanto esta Imagem para a Igreja da Sé de Lisboa. [...] Ao entrar na Capital, no meio do triunfo mais glorioso, he recebida com a maior solemnidade por todas as Corporações Religiosas, e mais Clero da Capital.»13

E mais à frente refere, ainda, a este propósito:

«Não foi menor o benefício, que fez áquelle povo no dia em que foi tirada da sua Rocha, e conduzida para a Igreja da Sé de Lisboa, permittindo não haver o tumulto, e desordem que se esperava: e tanto se esperava, que foi preciso usar de precaução de mandar no silencio da noite de 5 de Agosto tropa armada tanto de Cavallaria, como de Infantaria, a que não faltou o próprio General Commandante em Chefe da força armada. Tudo se fez sem as desordens esperadas, e este novo beneficio comprova a protecção da Senhora da Rocha para com o lugar de Carnaxide, que já não he de menor consideração, entre as principaes terras de Portugal, porque alli appareceo a milagrosa Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, que veio livrar este Reino do captiveiro dos ímpios, bem como a terra de Belém de Judá o não foi entre as principaes Cidades, por ter sahido della o conductor que havia de commandar o povo de Israel.»14

A imagem da Senhora chega ao Terreiro do Paço às nove da manhã. Aguardavam-na todas as comunidades das ordens religiosas, as colegiadas, as cruzes de todas as freguesias com os seus párocos e cónegos da Sé. Mas dêmos a palavra a alguém que esteve presente neste momento tão solene:

«Às nove horas da manhã chegou a Senhora ao cais das Colunas. Na grande Praça, do Terreiro do Paço se achavam todas as Comunidades das Ordens Religiosas, e até aquelas mesmas, que não costumam ir na Procissão do Corpo de Deus da Cidade, e Colegiadas, e as Cruzes de todas as Freguesias com os seus respectivos párocos. Na mesma Praça se tinha armado uma grande barraca, forrada toda de sêda, para se paramentarem os Cónegos da Basílica de Santa Maria. Imediatamente se formou a mais vistosa procissão; e apenas a Basílica de Santa Maria chegou ao cais, o Cónego José Bernardo de Azevedo, revestido de Pluvial, acompanhado doutros dois Cónegos paramentados de Dalmática e Tunicela, recebeu a Senhora metida em um Relicário (que para isso se tinha mandado fazer), das mãos do Cura de Oeiras, assistindo a esta entrega o sobredito Vigário Geral, o Corregedor do Crime de Alfama, e as mais Justiças, que todos tinham acompanhado a Senhora, e continuaram a acompanhar até o fim de toda a função. Pegaram nas varas do Pálio oito Beneficiados da Basílica de Santa Maria, e nas lanternas os Cantores. É inexplicavel o concurso do povo, a alegria, e a devoção que se divisava em todos os Portugueses. Foi êste um grande triunfo de Maria em Portugal. [...].
Chegando a Senhora à Sé, se colocou no Altar-mor, a ponto que o relójio dava dez horas e meia. Depois de incensada a santa Imagem pelo mesmo Ministro que a levava, se cantou a Ladainha por música. Seguiu-se a Missa, que foi de Nossa Senhora, própria daquele dia, em que pregou o Prior de Alhos Vedros, barcos Pinto Soares Vaz Preto. Acabada a Missa, se cantou o Te Deum laudamus por música, e no fim deu o Cónego celebrante a Senhora a beijar aos Cónegos, e mais Ministros da Basílica, e muitos Sacerdotes, tanto Seculares, como Regulares, que ali se achavam e aos Irmãos do Santíssimo, que tinham assistido, e haviam recebido a Senhora à porta da Igreja com tochas. Finalizada esta religiosa cerimónia veio o mesmo celebrante com os Ministros, e todo o Corpo da Basílica com tochas, e colocaram a Imagem no Altar da Senhora a Grande que lhe estava ricamente preparado. Logo todo o povo concorreu a beijar a Senhora nas mãos dos Sacerdotes, e a oferecer-lhe generosos donativos.»15

O mesmo cronista régio sublinha que este facto da trasladação da imagem para a Sé de Lisboa, apesar de ter imensamente perturbado as gentes locais, não as fizeram totalmente esmorecer. No local da aparição da Virgem colocaram um registo, queimavam continuamente velas e aí rezavam com muita frequência à Senhora da Conceição, padroeira de Portugal. Por fim, as autoridades entulharam o local e taparam a entrada com pedra e cal.

A população do Jamor nem assim se rendeu. Para poderem reaver a imagem tentaram a edificação de um santuário a ela consagrado, cujo arquitecto foi José da Costa Sequeira, sobrinho do grande pintor Domingos António Sequeira. Porém, em 1833, por ordem do governo liberal, cessaram as obras e muitas das pedras já talhadas e lavradas são removidas e enviadas para o acabamento do Arco da Rua Augusta.

Este mesmo local nem por isso deixa de ser visitado e venerado. Não é só as simples pessoas da região que aqui se deslocam… Temos testemunhos das “visitas amiudadas” de D. Pedro V, de D. Luís I, de vários nobres da nossa casa real e até de D. Miguel, rei tão querido para esta população, que também aqui vinha frequentemente e que antes de partir para o exílio não deixou de vir despedir-se desta gruta da Senhora. É curioso o texto de Tomás Ribeiro que a seguir transcrevemos:

«Vinha muita vez á Rocha o Senhor D. Pedro V vêr o sitio onde apparecera a Imagem tanto da devoção da Familia Real. Elle era um triste; procurava certamente aquelle sitio, que n’esse tempo era um cerro inhospito, para esconder as suas magoas. Em baixo visitava a gruta e em cima, o começo do templo onde eram recolhidas cabras e ovelhas. O bom rei pesaroso da irreverencia mandava tapar o recinto com grades ou cancellas de macieira, sempre que vinha fazer a sua visita, pois que o pastor inutilisava logo os regios cuidados. Os seus desejos de fazer que se restituisse a imagem da Senhora não os relatou só a tia Ignez. Uma memoria anonyma que anda impressa diz a flas 13: “EI-Rei D. Pedro V... gostando mais de passear n’aquelles sitios... ainda tentou fazer o acabamento do templo, porém como a traiçoeira morte lhe tirou a vida... tornou a ficar tudo como estava.”
N’aquellas povoações tão lembradas e tão saudosas não havia já esperança de que o templo traçado pelo nosso pintor Sequeira se continuasse, pois que de Lisboa até as pedras já talhadas e lavradas foram mandadas remover sendo aproveitadas algumas no acabamento do Arco da Rua Augusta.»16

E mais à frente o mesmo autor sublinha a presença de outros monarcas:

«De facto toda a velha gente de Carnaxide e suas visinhanças era devotada ao senhor D. Miguel. A proximidade de Queluz, onde as moças mais galantes iam dançar amiudadas vezes na presença do Sr. Infante, a formosura insinuante do Principe, e, naturalmente, a seduccão que exercia sobre aquella mocidade, tinham creado um verdadeiro culto pela sua pessoa.
Um dia que o Senhor D. Luiz I passou pela Rocha, deserta ainda, e se dirigiu por Carnaxide para a Ajuda encontrou, perto da gruta da Senhora, uma velha que o conheceu ou o adivinhou pelos galões dos seus creados. El-Rei, apeiando-se, dirigiu-se a ella e perguntou-lhe se era alli perto a gruta do Jamor.
– “Não vades lá, Senhor Rei, lhe disse a velha, olhos que a vêem tem vontade de chorar; depois que sahiu de Portugal o Senhor D. Miguel perdemos toda a esperança de justiça. Sabemos que V. Magestade é bom; mas elle podia mais e queria-nos muito.”
Convém accrescentar que as obras do templo cessaram de todo em 1833 já por ordem do governo liberal. O Senhor D. Luiz falava muita vez na sinceridade d'esta velha.»17

Lá diz o poeta, que “o sonho comanda a vida”. E é verdade!  A 24 de Agosto de 1883, por decreto régio, assinado pelo Ministro da Justiça, Júlio de Vilhena, é autorizada a trasladação da imagem da Senhora para a Igreja Paroquial de Carnaxide. Hoje, ainda nos causa grande admiração o modo como isto aconteceu, uma vez que esta imagem, ao fim de 61 anos de presença na igreja mãe de Lisboa, era tida como o ícone fulcral para milhares de peregrinos que aí assiduamente se deslocavam, desde o simples povo, aos nobres e à família real. Aí, até já se tinha constituído uma irmandade com o seu nome. Daí concluirmos que os intensos laços de amizade de Tomás Ribeiro18, Conselheiro e Ministro de Estado, para com o nosso rei D. Luís I, fundador e juiz dessa primeira irmandade, fossem deveras fortes. Porque foi graças aos seus muitos e contínuos esforços que a imagem da Senhora regressou ao seu lugar.

«A trasladação fez-se com pomposa cerimonia no dia 30 de Setembro de 1883. Desembarcou a imagem na Cruz Quebrada, e encaminhou-se processionalmente para Carnaxide. As festas foram esplêndidas. Ao lado da egreja armou-se a tribuna onde assistiu a familia real; levantaram-se columnas; arcos; suavisou-se o caminho que vae ter á gruta que estava forrada de verdura. O arraial durou tres dias e tres noites, durante as quaes brilharam em torno da egreja os focos da luz electrica. A concorrência foi enorme.»19

As obras da construção do Santuário que haveria de acolher a Virgem ganham assim um novo incremento. E a 1 de Setembro de 1892, em solene procissão, a imagem da Senhora desce da Igreja de Carnaxide para o seu nobre espaço agora erguido em Santuário. A festa foi apoteótica, com grande pompa e solenidade. Mas será só a 28 de Maio do novo ano, e a convite de Tomás Ribeiro e da Irmandade20, que a Família Real visita o novo Santuário, e se inaugura oficialmente este novo templo mariano.

«A egreja ficou concluida a 28 de maio de 1893, effectuando-se n’este dia uma grande festa como de inauguração, a que assistiu Sua Magestade a Rainha D. Amelia com seus filhos, camaristas e o presidente do conselho de ministros.» 21

São inúmeras as peregrinações, agora, a este local. As romarias sucedem-se de forma continuada. Vêm Círios de toda a região de Lisboa e termo. O Santuário da Senhora é pólo de atracção e faz vibrar os cristãos de todo o Patriarcado de Lisboa durante quase um século. É surpreendente o impacto que esta pequena terra teve durante tanto tempo na devoção popular das gentes de Lisboa, ricos ou pobres, que aí recorriam para rezar, louvar, suplicar à Senhora.

«A dois de maio costumam as senhoras de Lisboa pertencentes, a maior parte, á associação de – Filhas de Maria fazer á Rocha uma peregrinação. A dois de maio tem sido, o que não quer dizer que haja dia prefixo para a romaria.
Nada mais attrahente, mais inspirador de solemne devoção.
As Filhas de Maria são senhoras principaes de Lisboa que assim continuaram as tradições do culto á Senhora da Rocha.
Esta devoção começou em 1894. Vinha á sua frente uma filha gentilissima dos Senhores Marquezes de Sabugoza, – a sr.ª D. Anna Mafalda José de Mello.
Em 1896 veiu acompanhar o prestito o Nuncio de Sua Sanctidade, – Monsegnor Domenico Jacobini, Arcebispo de Tyro, elevado, pouco depois, ao cardinalato.» 22

Um outro dado digno de registo foi a criação da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha a 23 de Setembro de 1883, aquando da trasladação da imagem para Carnaxide. Mas, para completa coroação, a 4 de Outubro de 1899, o Santuário é declarado “Capella Real” “isento” e “especial dos Régios Paços” ficando o rei como Juiz Perpétuo desta irmandade, passando esta a denominar-se “Real Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha”. 23

Ao concluir este capítulo, gostaríamos de prestar uma pequena homenagem ao grande mentor do Santuário da Rocha, Tomás Ribeiro. Ao ler o seu “Poemeto-prologo ao Mensageiro de Fez”, podemos observar a força e o segredo que conduziram este homem na contínua luta para poder dar à Senhora o seu poiso original. Não é sem razão que no final dos seus dias, resolve compor um poema dedicando-o e consagrando-o à Senhora da Rocha, como um dos seus “grandes amores”. Fiquemos com as suas palavras:

«A Rocha vive entre os meus grandes amores. Esta devoção que se esconde aqui no fundo d’esta concha florida e esmaltada, na sua ermida singella e cariciosa, com a sua fonte crystalina, a sua gruta mysteriosa, o seu rio murmuro e transparente, o seu jardim que ajudei a cultivar, onde tantas vezes passee, longe do bulício das multidões, conversando com o jardineiro e com as flores, sondando os segredos d’aquelle morto guardado pela imagem da Virgem Mãe, longe d’olhos que me não espreitassem rindo, levo eu no coração. Quero-lhe consagrar este trecho do livro onde porei as minhas ultimas tintas e praza a Deus possa terminal’o.
Á Senhora da Rocha consagro estes versos.
É pouquissimo o que lhe offerto, mas é grande a devoção com que deponho sobre o seu altar a minha offerenda.
Esta devoção é por demais conhecida. Até já me chamaram… por divertimento o Thomaz da Apparecida.
Aproveito o ensejo para agradecer a graça, que não podia acceitar. Em primeiro logar por indigno d’ella; dpois, por não reconhecer, – que m’o perdoem! – auctoridade, nos outhorgantes ou conferentes do titulo. E d’alguns d’elles sou e quero ser amigo.
[...] Sob a presidencia de Fontes Pereira de Melo, o meu saudosissimo amigo, e na companhia de Julio Marques de Vilhena, Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, João d’Andrade Corvo, José Vicente Barboza de Bocage (ministros) ajudei a cumprir a palavra de Rei dada pelo Senhor D. Pedro V pouco antes de morrer. E foi com devoto ardor que trabalhei no pagamento d’essa dívida sagrada. D’isto faço confissão publica.
[...] Aceite-me a irmandade da Rocha esta oblata. D’um poema que trago entre mãos destaco este excerpto para d’elle dar uma edição especial á Senhora que ajudei a transportar da casa onde se hospedara, – a Sé de Lisboa, – para a sua ermida de Carnaxide.
[...] Há outro nome que não devo aqui deixar esquecido: o do Senhor D. Luiz I. A Elle em grande parte foi devida a restituição da veneranda Imagem, por isso a Irmandade manda celebrar missa por sua alma no dia 19 de Outubro de cada anno, anniversario da sua morte.»24


2. “Auto da Senhora da Rocha” de Francisco Ventura

2.1. Perfil biográfico e literário do Autor25

Francisco Manuel Ventura nasceu em Gavião em 16 de Fevereiro de 1910. Filho de Francisco Manuel Ventura e de Virgínia Costa Ventura, pequenos comerciantes, fez a Instrução Primária ao mesmo tempo que ajudava o pai no estabelecimento comercial.

Desde muito novo que se apaixonou pelas letras e pelos nossos clássicos do século XIX. Escreveu aos 13 anos a sua primeira peça teatral e aos 17 anos a poesia já lhe era familiar.

Aos 23 anos, parte para Lisboa, com o sonho na bagagem, trabalhar e estudar. Trabalha num balcão e, à noite, frequenta o Curso Complementar do Comércio no Ateneu Comercial de Lisboa.

Concorre em 1936 aos primeiros jogos florais da Emissora Nacional e é contemplado com uma menção honrosa, em soneto. Participa, depois, numa série de concursos literários, obtendo vários prémios que alimentam a sua actividade teatral. Colabora, também, em diversos jornais: O Século, Diário Popular, Voz do Mar; e revistas: Sulco, Panorama, entre outras.

No entanto, o género dramático é por excelência a sua paixão. Podemos destacar algumas das suas peças mais conhecidas: Filho Sozinho (1939), Casa de Pais (1945), Auto de Marvão (1950), Auto de S. Torcato (1952), Auto da Justiça (1961), Honra de Todos, Música Fácil, Um bom casamento, Auto das boas almas, Prova real, Presente de aniversário, Auto da Senhora da Rocha (1978).

Muitas das suas obras teatrais são representadas por muitas salas de todo o País, destacando-se o Teatro Nacional D. Maria II e o Teatro da Trindade. A RTP também não ficou indiferente ao seu sucesso de Casa de Pais e já variadas vezes a transmitiu para o grande público.

Além do género dramático, publicou dois volumes de poesia, Jornada de Sísifo e O Livro dos Cânticos e o ensaio Gil Vicente, poeta de Portugal.

No dia 26 de Agosto de 1994, vítima de doença prolongada, morre, deixando-nos uma obra de vulto no domínio da poesia, ensaio, teatro, alguma dela ainda por publicar.

2.2. Análise da Obra

O autor desta obra, antes de iniciar o seu texto dramático, em jeito de preâmbulo, começa por situar no tempo – 28 de Maio de 1822 – a descoberta de uma imagem de Nossa Senhora, junto à Ribeira do Jamor, que iria fazer vibrar Lisboa e seu termo durante quase um século.

Desta forma conta, à sua maneira, a história que o seduziu e motivou para escrever esta peça teatral. É verdade que ele nunca refere qualquer fonte de que se serviu, mas, simplesmente, narra o que a memória e a tradição oral veiculam mantendo tão vivos estes acontecimentos e recriando-os.

É também um facto que, assim, o autor se mantém próximo de tudo aquilo que vai pôr em palco, justificando desta maneira a veracidade da sua obra.

Apesar de não haver qualquer referência à data da sua publicação, sabemos que ela foi composta entre os dias 29 de Maio e 18 de Novembro de 1976, por referência directa do autor na página com que encerra o auto26 e que a pedido da Radiodifusão Portuguesa, ela foi transmitida pela Páscoa de 1978, numa condensada adaptação. 27 Sabemos também que o Pórtico da obra, ao ser datado de Maio de 1978, e o Prólogo, referindo-se a Março de 1978, são indícios, mais que suficientes, para atestar a sua publicação nesse mesmo ano.

O autor divide a sua peça teatral em quatro actos.

No primeiro acto, apresenta imediatamente um Prólogo, como uma personagem que situa o que vai ser dramatizado. Inicia com uma certa timidez, acanhamento e atrapalhação. Por fim, apresenta a iminente chegada do Círio de Vila Nova do Mar ao Santuário da Senhora da Rocha. Dá conhecimento, também, das principais personagens que vão entrar em palco caracterizando cada uma delas: Isidora, Manuel Antunes, João Pardal, Anselmo, Rosa, João, Guilhermina, Galharda, Juiz de Fora, General Sepúlveda, Marquês de Fronteira e o Cego. Por último, anuncia a chegada do extraordinário Círio de Vila Nova do Mar e sai da cena tomando uma atitude jocosa: “desta já eu me escapei!”

Compõem este Círio um coro de rapazes, raparigas e anjinhos, o juiz e a juíza, que trazem a bandeira, e todos cantam à Virgem. Uma vez que este estandarte é colocado junto à gruta, todos para lá se encaminham continuando a louvar a Senhora. Intercedem junto dela pedindo “juízo são”, “bondade”, “perdão”, “amor” e “paz”.

Neste momento, duas outras personagens, que presenciam a chegada deste Círio, entram em cena: um homem e uma mulher. O homem, que manifesta a sua incredulidade e acha que isto já não é atitude de pessoas do século XX, apelidando de “atraso de gente ignara”, sublinha, assim, que a fé é coisa do passado. Chega mesmo a referir: «o vinte e cinco de Abril / e ainda há disto em Portugal!» (p. 29). É aqui que entra a mulher e se começa a narrar a história da Senhora da Rocha. Principia por aludir, de forma subtil, que os fenómenos de Fátima aqui não ocorreram. A única “maravilha” foi a descoberta de uma imagem da virgem, precisamente naquela gruta, mas não sabe quando: «Cem… Duzentos… Não sei bem… / Inda eu não era nascida / nem o era a minha mãe…» (p.  32).

Entra novamente o Coro em cena e situa o momento em que a descoberta da Senhora aconteceu. «Foi em Maio [...] / Mês das flores, mês de Maria» (p. 32). A mulher toma novamente as rédeas da narrativa e vai contando a história, sendo continuamente interrompida pelo homem que faz de figura antípoda, criando um contínuo processo pendular para o crescente diálogo. Fala-se aqui dos sete rapazes que brincavam junto ao Jamor; conta-se a história de um melro e de um coelho que perseguiram; refere-se o achado de uma gruta; das duas caveiras e das ossadas humanas aí encontradas; e, por último, do achado da imagem.

Durante todo este diálogo, é curiosa a forma como o autor recria o acontecimento colocando em palco não só estes dois intervenientes, como também as personagens a que se refere a narrativa. Usa, para isso, um segundo tipo de didascálias de uma forma muito cuidadosa:

(Os rapazes abandonam a gruta e saem apressadamente) (p. 39);
(Vai aparecendo muita gente do povo, que entra e sai da gruta, com manifestações de grande espanto)
(p. 40);
(Continua o movimento de gente, num grande alvoroço) (p. 41);

Esta maneira de narrar a história in media res com o contínuo recurso à analepse, em si não parece nada de original. Mas a forma de o fazer em palco ao mesmo tempo que estas duas pessoas dialogam… faz-nos lembrar o grande realizador sueco Ingmar Bergman em “morangos silvestres”. Magnífico!

Agora, ainda em processo analéptico, entra em cena uma nova personagem, a Isidora, «a primeira, nesta terra, / a prestar culto à Senhora» (p. 24). O autor faz recuar o tempo ao momento da descoberta da imagem, recriando-o. Isidora exorta todos os presentes de que estão diante da «Mãe de Jesus Cristo! / É a Mãe de todos nós! / Mesmo longe, sempre perto, / Mesmo muda, sempre vós» (p. 41).

E o primeiro acto termina com uma oração à Senhora cantada pela Isidora, pelo coro e por todos os presentes, invocando a Senhora como “virgem sagrada”, “rainha”, “bendita”, “luz”, “estrela”, “escudo”, “amparo” (pp. 41-42)…


No segundo actoo autor segue a mesma estratégia. O homem e a mulher, que no acto anterior controlaram a narrativa, aparecem aqui sentados presenciando os factos agora dramatizados. Surge em cena Isidora e dois guardas que vigiam a gruta. Entram em diálogo e rapidamente se dão conta do desaparecimento da imagem:

«Ó desgraça das desgraças! / Como é triste a nossa vida! / Ter a ventura na mão / E, depois, vê-la perdida! / Roubaram Nossa Senhora!» (p. 48).

Volta-se ao tempo presente, entrando em cena o homem e a mulher que dialogam sobre o desaparecimento e o achado da imagem. O tempo da história ocupa agora o seu lugar. A narradora dá lugar aos protagonistas: Manuel, João Pardal, 1º e 2º guardas que se interrogam sobre o desaparecimento da imagem. Por fim, «Deus do céu!», «A Nossa Senhora estava / Num buraco da oliveira» (p. 58). A intensa alegria do achado contagia todos os presentes. A Senhora ocupa novamente o seu lugar na gruta e a D. Isidora, trazendo uma lanterna e uma almotolia, alumia a Senhora.

Retoma-se o presente e os dois narradores dialogam sobre o intenso fluxo de peregrinos que à gruta se dirigem, pedindo favores à Mãe do Céu e levando-lhe imensos presentes.

«Por isso, há sempre quem vá, / não dar para receber, / Mas para mostrar todo o amor / Nas almas a florescer.» (p.  66).

Os dois guardas vão dialogando e entabulando conversa com visitantes da Senhora. São muitos aqueles que a visitam. A sua fama já chegou «a toda a parte. / Por Ericeira, Cascais, / Torres Vedras, Lourinhã, / Santarém…» (p. 80). Fala-se da fé e do lugar que Deus deveria ocupar na vida dos homens. Surgem os primeiros milagres: o Anselmo é curado da paralisia dos membros inferiores.


O terceiro acto abre com a presença dos dois guardas que vigiam a gruta e o diálogo com um fatigado viajante, “como se viesse de longa jornada”, que acabara de chegar. Este certifica-se que a devoção à Senhora aumenta, “vem gente de todo o mundo. / Um nunca mais acabar.” (p. 88), e acaba por dar a triste notícia: “Vão tirar-vos a Senhora.” (p. 89). Informa, ainda, que teve conhecimento desta informação na Sé de Lisboa:

«Eu tinha ido a Lisboa / Tratar de coisas da vida / E fui ouvir missa à Sé. / Há lá gente conhecida. / Vi tudo em grande alvoroço, / Tudo cheio de alegria, / Como quem tem uma herança / Ou lhe sai a lotaria. / Perguntei e soube então / Que o Cabido lá da Sé / Tanto fez, tanto pediu / e tanto bateu o pé, / Que o Rei, para os não ouvir, / Mandou fazer alvará / Para que a Nossa Senhora / Passe daqui para lá» (p. 92).

Os peregrinos presentes interrogam-se sobre esta atitude tão vil e imediatamente planeiam a maneira de a defender. Maria Cintrôa, apelidada de Galharda, verdadeira “mulher de armas” (p. 25), afirma a sua valentia e lidera este movimento de defesa da Senhora:

«[...] / Que a nossa Senhora / Não sai daqui para fora. / Nem que venha a tropa em peso! / Nem que venha o mundo inteiro! / Para A levarem daqui, / Hão-de matar-me primeiro. Quem quiser fique comigo / Nesta luta que é dever. Se os homens tiverem medo, / Fico eu, que sou mulher.» (p. 94)

E mais à frente sublinha, ainda, a força da lei natural perante a lei positiva: “Quando a ordem é injusta / Não é para se cumprir. / [...] / Toda a força por mais força, / Nunca destrói a razão.” É curioso o diálogo que aqui se estabelece entre a Galharda e o Viajante. Galharda afirma-se como uma mulher de fé forte e de princípios humanos bem consolidados. Ao contrário, o Viajante manifesta medo e cobardia perante a força do poder. É ele mesmo que comunica que deve estar a chegar o Juiz de Fora e o Prior.

Entram em cena as personagens anunciadas que pretendem levar a imagem da Senhora. São muito recebidos pelos peregrinos presentes. Gorados todos os intentos para executar a ordem real, o Juiz de Fora e o Prior fogem às pedradas dos populares.

O povo, à voz de comando da Galharda, movimenta-se com as poucas alfaias campestres que possuem: foices, roçadouras, gadanhas e varapaus.

«Com as armas que tivermos / Mostremos nossa razão, / Gritemos bem aos senhores, / Do fundo do coração, / Que o povo também tem querer, / que o querer é nosso agora, Que a nossa Senhora / Não vai daqui para fora!» (p. 103)

Aparecem, novamente, o Juiz de Fora e o Prior, mas agora acompanhados do Intendente. Perante o forte arrojo da população, a autoridade é novamente forçada a desistir.

Ouve-se ao longe o rufar dos tambores e o som dos clarins, indicando a chegada da tropa. Entram em palco o General Sepúlveda, o Marquês da Fronteira, o Intendente, o Juiz de Fora e o Prior. Uma vez mais é a corajosa Galharda a liderar a população e a fazer frente às autoridades: «Para levar a Senhora / Há-de matar-me primeiro!» (p. 110). E diz a didascália que “o general, já saturado, avança mais. Galharda, rápida, avança também e dá-lhe duas bofetadas” 28 (p. 110).

O general Sepúlveda perdoa-lhe tal ofensa mas diz-lhe que “Nossa Senhora da Rocha / tem de ir comigo daqui”. O Marquês de Fronteira afirma que a Imagem vai para a Sé, para um lugar digno e promete a edificação, naquele local, de um templo a ela dedicado:

«[...] Vai-se fazer uma igreja, / Que seja glória de Deus / E pasmo de quem a veja. / Igreja sobre esta gruta / Que a gruta recordará / E logo que esteja pronta / A Virgem volta para cá. Até lá, fica na Sé / E não neste sítio imundo, / Que é vergonha de todos / E pasmo de todo o mundo.» (p. 114)

E o terceiro acto termina com um triste cântico de adeus à Senhora entoado pelo coro e pelo povo, mas com a promessa de que ela voltará àquele lugar: “Adeus, Senhora, adeus! / Adeus nossa alegria! / Aqui só fica a esperança / que hás-de voltar um dia” (p. 116) .


O quarto e último acto inicia com um diálogo a três: Isidora, João e Manuel. Apesar de já não terem a Senhora, têm o local onde ela apareceu. Daí a D. Isidora continuar a aprimorar o local da aparição: altar, castiçais com velas, crucifixo, esteira, jarra de flores e um registo da Senhora.

«[...] Se vós sois homens de fé, / A grande verdade ouvi: / A imagem está na Sé, / Mas, a alma, está aqui. / Quis aqui ser encontrada / Para ter culto de novo, / O povo só a Ela adora… / Quem mata a alma do povo?» (p. 118)

Entretanto, estas três personagens conversam sobre a pobre situação em que vive o povo. “O povinho come e cala. / E se não se faz assim, / [...] / Pode ir parar à cadeia” (p. 119). Surge neste momento o Juiz de Fora com o mandato de entulhar e tapar a gruta e assim impedir qualquer culto naquele local.

E a D. Isidora, num rompante, levanta a voz e afirma:

«Mas o povo não desiste / por maior que a luta seja, / Com o dinheiro que temos / Vamos fazer a igreja. / E depois de estar erguida / Com a nossa devoção, / Veremos se a Virgem Santa / Volta para aqui ou não.» (p. 128)

Iniciam-se as obras e as promessas de ajuda para a edificação do santuário são mais do que muitas… mas a obra está parada. Não há dinheiro.

Curioso e oportuno é o inciso que o autor aqui nos deixa ao retratar a situação política em que este vive no momento da criação deste auto. Adapta, assim, os tempos da revolução liberal com a revolução de Abril, estabelecendo um paralelo deveras surpreendente:

«Este quer mandar em tudo, / Os outros querem mandar, / O povo, que está cá longe, / O que tem é de amochar. / Tudo são lindos discursos, / Quem mais grita, é que é porreiro, / E, no final disto tudo, / O que querem é poleiro. / Tudo são grandes promessas, / Quando são as eleições, / Vai a gente dar o voto, / Adeus, prima, até aos verões.» (p. 129)

Refere-se, de seguida, o grande desalento e a frustração de se ver o tempo que passa e as paredes da construção a servir de curral de gado. Por fim, numa oportuna didascália, faz o tempo avançar anunciando a entrada de Isidora, já velha, mas muito feliz:

«Hoje, estou muito contente, / Nossa Senhora da Rocha / Vai voltar pró pé da gente! / Acreditai, que é verdade, Isto não é só falar / Nosso Rei, D. Pedro V / Tem vindo aqui passear / E ficou cheio de pena / Do que viu neste lugar. / Quase que chorou, o santo! / E prometeu, sem demora, Mandar acabar a igreja / E trazer Nossa Senhora!» (p. )

Anuncia-se a morte do rei D. Pedro V. Isidora, desalentada, deixa-se abater. E a certo momento recorda o maravilhoso sonho que nessa noite tivera e partilha-o com as amigas, que a ajudam a sentar-se, e diz:

«Nossa Senhora da Rocha / Vai voltar ao seu lugar. / Volta, sim. Tenho a certeza! / Não é nenhuma ilusão! / Assim tão certa eu pudesse / Ter a minha salvação. / Eu tive um sonho esta noite / Que julgo ser profecia. / Não há quem sonhe de noite / O que acontece de dia? […]». (p. 138)

O autor serve-se assim da dimensão onírica para anunciar os factos que irão acorrer dentro de pouco tempo… Ela adormece e eis que entram em cena um rapaz e uma rapariga anunciando que o sonho da Isidora tornou-se realidade: “Nossa Senhora da Rocha / volta hoje ao seu lugar.” E uma vez mais reitera a pessoa a quem se deve tudo isto: Tomás Ribeiro.

«Foi o Senhor Tomás Ribeiro, / Português livre e honrado, / Poeta dos mais famosos, / Nunca por demais louvado. / Defensor de quanto é justo / Sem esperar galardão, / Sempre aliado do povo / Quando o povo tem razão; / Que fez impor o direito / Onde injustiça havia / E fez afastar a dor / Para romper a alegria.» (pp. 141-142)

A tristeza dá lugar à alegria e à festa. Ouve-se o estralejar dos foguetes e o som da filarmónica já se faz sentir. Há imensa luz, decorações e o imenso júbilo inunda os corações. É a Senhora que chega no meio de tão grande cortejo, e o povo, que desde sempre esperou este dia, festeja o acontecimento com redobrada alegria.

E é assim que o autor termina o seu auto.


CONCLUSÃO

Eis-nos chegados ao terminus deste trabalho. Foi deveras entusiasmante esta aventura. Nunca imaginávamos que o contacto com a obra dramática de Francisco Ventura – Auto da Senhora da Rocha – nos levasse a fazer tantas descobertas em torno da simples imagem da Senhora da Rocha.

O nosso primeiro contacto com esta devoção é de Outubro de 1980, altura em que, pela primeira vez, visitámos este santuário. Nesse momento ouvíamos de um ancião venerando, que nos abriu as portas, um desfilar de encantos e de mistérios em volta da imagem da Senhora, das suas festas e romarias. Visitámos o Santuário, os seus jardins e o parque que era, para todos, um encanto, um local profícuo para encontrar paz, sossego e harmonia. As águas do Jamor, com as suas trutas e patos selvagens, presenteavam todo este cenário e amenizavam o local da Senhora. O tempo passou e, infelizmente, o cenário de hoje já não é o mesmo… Como se sentiria Tomás Ribeiro ao revisitar este seu el dourado do silêncio?

Tentamos pôr a descoberto, aproximando-nos das fontes mais antigas, a importância que a descoberta desta pequena imagem teve para a população de Carnaxide, Linda-a-Pastora, para a Igreja do Patriarcado de Lisboa, nas gentes mais humildes, na burguesia, no clero, na nossa nobreza e até na Casa Real. É impressionante como se gerou à sua volta uma fecunda revitalização da fé que não passou despercebida, e que foi até alvo de registo nas crónicas da época, como nos homens de Letras: Tomás Ribeiro, Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós.

Chegamos ao fim, mas o nosso trabalho não encerra aqui. Pretendemos, a partir das descobertas que fizemos, investigar mais e encontrar a resposta para as muitas interrogações que nos surgiram ao longo do nosso trabalho e para as quais ainda não estamos satisfeitos. Porque razão autorizou o rei D. Luís I que a imagem, ao fim de sessenta e um anos da sua presença na Sé Patriarcal, regressasse ao vale do Jamor, sendo ele fundador da Real Irmandade e seu juiz? Será que a verdadeira imagem é aquela que se venera no Santuário da Rocha? Ou teria ela desaparecido nas suas contínuas idas aos Palácios de Queluz e da Ajuda, a pedido da rainha D. Maria Pia quando esta se encontrava doente? Outras questões surgiram e esperamos, na continuidade desta monografia, poder encontrar respostas mais convincentes.


APÊNDICE

Alvará Régio da elevação do santuário a Capela Real29

Secretaria da Mordomia Mór da Casa Real

Eu El Rei faço saber a vós Francisco de Mello, Conde de Ficalho, Par do Reino, Conselheiro d’Estado effectivo, Gram Cruz da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo e de outras estrangeiras, Gentil Homem da Minha Real Camara e Meu Mordomo mór: que tendo em consideração que Me representou a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, erecta na mór Capella, em Carnaxide, districto de Lisboa, sou servido e Me Praz fazer a graça de Elevar a referida Capella, á cathegoria e dignidade da Capella Real, tomando a veneranda Imagem debaixo da Minha Real e emmediata protecção, e Attendendo aos serviços, que a mesma Irmandade tem prestado, mantendo com o mais acrisolado zelo e devoção o culto religioso; Hei por bem fazer-lhe mercê do titulo de Real Irmandade, concedendo portanto á dita Capella e Irmandade, todas as honras prerogativas e isenções, que, directamente pertencerem. Em firmeza de tudo, Mandei passar este Alvará, que será cumprido como nelle se contém. Paço em, dezoito d’outubro de mil oitocentos noventa e nove.

El Rei D. Carlos

Alvará pelo qual Vossa Magestade Ha por bem Elevar a Capella de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, á cathegoria e dignidade de Capella Real concedendo tambem á respectiva Irmandade o titulo de Real Irmandade.

Para Vossa Magestade Ver


NOTAS

(1) «Nas côrtes celebradas em Lisboa no anno de 1646 declarou el rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, promettendo-lhe em seu nome, e dos seus successores, o tributo annual de 50 cruzados de ouro. Ordenou o mesmo soberano que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Immaculada Conceição da Mãe de Deus. Não foi D. João IV o primeiro monarca portuguez que collocou o reino sob protecção da Virgem, apenas tornou permanente uma devoção, a que os nossos reis se acolheram algumas vezes em momentos criticos para a patria.» (Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, “Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Reino”, in Portugal, diccionario historico, biographico, bibliographico, heraldico, chorographico, numismatico e artistico, vol.V, João Romano Torres, Lisboa, 1911, p. 122).

(2) «Quando estava a fazer a cópia dactilográfica lembrei-me, certa vez: e se oferecesse o manuscrito para ficar arquivado no Santuário? Não repeti o pensamento pois logo resolvi proceder dessa maneira, embora o fizesse a acompanhar de uma cópia à máquina.
Um problema surgiu, porém: o papel é de má qualidade e a minha letra – mercê de vários factores, entre os quais se salientam o sistema nervoso há muito em péssima forma e a pressa que tenho sempre em acompanhar o pensamento – está cada vez horrível e até indecifrável para quem não a conheça bem.
Que fazer? Pensei copiar o manuscrito, utilizando melhor papel e procurando fazer a letra mais legível e de melhor talhe. Pelo menos ficaria obra asseada e decente quanto possível [...]. Mas logo uma dúvida: Isso não seria tirar todo o sabor original que o manuscrito possa conter? Por tal motivo, deixei-o ficar tal como saiu na primeira redacção, com palavras riscadas, os possíveis deslizes e até as diferenças que há entre ele e a redacção definitiva.» (Francisco Ventura, Auto da Senhora da Rocha, manuscrito, Lisboa, 18-03-1977, pp. I-II).

(3) Frei Claudio da Conceição, “Advertência”, in Novena da milagrosa imagem da Senhora da Conceição da Rocha, Impressão Régia, 1825, pp. VII-IX.
No centro do frontispício desta obra atesta-se que Frei Claudio da Conceição é “Ex-Difinidor, Examinador Synodal do Patriarchado de Lisboa, Pregador Régio, Chronista, e Padre da Província de Santa Maria d’Arrabida, e Chronista do Reino.”

O Padre Francisco Santos Costa, ao referir-se a ele, diz-nos que ele nasceu em 1772 e que faleceu em 1840. Temos também conhecimento que este frade foi nomeado por D. João VI Cronista-mor do Reino a 3 de Julho de 1823. Dez anos mais tarde, com o advento do regime constitucional, é demitido deste seu alto cargo. A 28 de Maio de 1834, Joaquim António de Aguiar assina o decreto de extinção das ordens religiosas masculinas, e Frei Cláudio vê-se reduzido à triste situação de frade egresso. (Cf. Padre Francisco Santos Costa, O Santuário da Rocha, coração de Carnaxide, Câmara Municipal de Oeiras, Lisboa 1972, p. 117). (Cf. Secretaria de Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, “Extinção das ordens religiosas”, in Chronica Constitucional de Lisboa, nº 127, Lisboa, 1934, (citado em João Medina (Dir), História de Portugal, dos tempos pré-históricos aos nossos dias, vol. VIII, Clube internacional do livro, Amadora, s/d, pp. 161-166).

Foi autor de imensas obras de cariz religioso e histórico. Entre os muitos trabalhos que nos legou, destaca-se o Gabinete Histórico, obra de 17 volumes publicados desde 1818 a 1831. Aí se registam os factos históricos mais importantes desde os inícios da nossa monarquia até 1775. Ao referir-se à grande importância da Virgem Maria para os nossos reis e para o nosso povo, sublinha a maternal protecção de Nossa Senhora para com a pátria lusa, afirmando que a nossa padroeira sempre nos protegeu, mas foi, sobretudo, nos grandes momentos de risco que ela mais se fez notar. É, então, aqui que ele insere, com um grande destaque, a aparição da imagem da Senhora da Rocha. (Cf. Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico que a Sua Majestade Fidelíssima o Senhor Rei D. João VI, em o dia dos seus felicíssimos anos, 13 de Maio de 1818, oferece, Tômo IX, Imprensa Nacional, 1918, 2.ª ed. [1.ª ed. em 1823], pp. 169-185).

(4) Thomaz Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo do poema inédito O Mensageiro de Fez, Typographia e Stereotypia Moderna, Lisboa, 1898, pp. 51-52.

Tomás Ribeiro é um escritor da nossa terceira fase romântica. Natural de Tondela, estudou Direito em Coimbra, vindo a integrar no grupo romântico de Feliciano de Castilho. Após algum tempo de actividade como advogado, ingressou na carreira política. Foi deputado, par do reino, ministro da Marinha e das Obras Públicas, embaixador plenipotenciário de Portugal no Brasil e Secretário Geral do governo da Índia.
Admirado por Camilo e por Castilho, recebeu deste grandes elogios a propósito do seu D. Jaime (1862). O louvor de Castilho, num prefácio longo em que exalta a autenticidade nacionalista e a simplicidade natural da obra de Tomás Ribeiro, foram mais um pretexto para o despoletar da célebre Questão Coimbrã, que viria a concretizar o choque latente entre os poetas do Romantismo e a nova geração coimbrã. Escreveu, para além do D. Jaime, as obras A Delfina do Mal, Sons que Passam, Vésperas, Dissonâncias, Mensageiro de Fez, Entre Palmeiras e as crónicas reunidas em Jornadas. (Cf. António José Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, 17ª ed., Porto Editora, Porto, 1996, pp. 759-761).

(5) Cf. Fr. Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico…, p. 173.

(6) “A imagem é da Senhora da Conceição, muito bonita; tem cinco polegadas e meia com as mãos erguidas ante o peito, o manto que tem na encarnação é azul forrado de encarnado, vestido branco com a lua debaixo dos pés, a serpente enrolada no globo, [...] o véu da cabeça branco, a encarnação do rosto assim como as mais tintas, estão algum tanto desmerecidas: a sua matéria é de um excelente barro; e não achei cheiro algum nesta imagem, por mais diligências que fizesse; porêm a lapa cheirava algum tanto a almíscar.” (Fr. Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico…, p. 175.)

(7) Cf. Fr. Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico…, p. 175.

(8) IDEM, Novena da milagrosa imagem…, p. 7

(9) Cláudio da Conceição, Novena da milagrosa imagem…, pp. 30-31.

(10) IDEM, Gabinete Histórico…, p. 175; Cf. Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, “Carnaxide” in Portugal, diccionario historico, biographico, bibliographico, heraldico, chorographico, numis-matico e artistico, vol.II, João Romano Torres, Lisboa, 1906, p. 768.

(11) IDEM, Novena da milagrosa imagem…, p. 70.

(12) Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico..., pp. 177-178.

(13) IDEM, Novena da milagrosa imagem..., p. 34.

(14) Ibidem, pp. 85-86.

(15) Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico..., pp. 181-183.

(16) Thomaz Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo do poema inédito O Mensageiro de Fez…, p. 53.

(17) Ibidem, p. 55.

(18) “Em 1882, sendo Thomaz Ribeiro ministro do Reino, foi por sua influência que o governo accedeu ás representações que por vezes fizera o povo de Carnaxide para que a imagem da Senhora da Conceição da Rocha, que existia na egreja da Sé, voltasse para aquella povoação onde fôra encontrada em 1822. A trasladação effeituou-se a 30 de setembro de 1893. Também por influência do referido ministro se construiu a actual egreja”. (Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, “Ferreira, Thomaz Antonio Ribeiro”, in Portugal, diccionario historico, biographico, bibliographico, heraldico, chorographico, numismatico e artistico, vol.III, João Romano Torres, Lisboa, 1907, p. 415).

(19)IDEM, “Carnaxide” in Portugal, diccionario historico, biographico, bibliographico, heraldico, chorographico, numismatico e artistico, vol.II, João Romano Torres, Lisboa, 1906, p. 768.

(20) Na sessão extraordinária de 28 de Maio, às 10:00 da manhã, momentos antes da chegada da Família Real ao Santuário da Rocha, Tomás Ribeiro tomou a palavra e informou a Irmandade «que tendo Sua Magestade a Rainha Senhora D. Amelia accedido ao pedido que a meza da Irmandade lhe fez para honrar a nossa festa d’hoje com a sua presença, convidava a Meza e os Corpos Gerentes da Irmandade para comparecerem n’esta secretaria pelas 4 ½ horas da tarde (hora marcada para essa visita), afim de irmos esperar Sua Magestade e seus Augustos Filhos junto á Nova Ponte da Rocha. Em seguida apresentou o trabalho artístico incumbido ao Ex.mo Sr. Rafael Bordalo Pinheiro, representando as Armas nacionais e as de Orleans, encimadas pelas flores de liz pintadas em pergaminho, tendo pendente com fita azul e branco um ramo de bonitas e variadas flores artificiaes.
Na folha de pergaminho junto a essa agoarella foi lançada uma menção comemorativa e referente á visita de Sua Magestade e Altezas a este Templo, e depois de assignada por todos os membros dos Corpos Gerentes da Irmandade ficou com poder da meza para pessoalmente a entregar a Sua Magestade a Rainha juntamente com um Diploma de Irmã Benemerita da Irmandade.»
(Livro de Actas da Real Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, Livro I, Acta 65,Sessão de 28 de Maio de 1893, p. 52v).

(21) Esteves Pereira, Guilherme Rodrigues, “Carnaxide” in Portugal, diccionario histórico…, p. 768.

(22) Thomaz Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo do poema inédito O Mensageiro de Fez…, p. 51.

(23) «Me Praz fazer a graça de Elevar a referida Capella, á cathegoria e dignidade de Capella Real, tomando a veneranda Imagem debaixo da Minha Real e emmediata protecção.» E, referindo-se à Irmandade da Senhora da Rocha, atesta: «Hei por bem fazer-lhe mercê do titulo de Real Irmandade, todas as honras por prerogativas e isenções, que, directamente pertencerem». Ver Apêndice, pp. 42-43.

(24) Thomaz Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo do poema inédito O Mensageiro de Fez…, pp. 16-18.

(25) Cf. João Florindo, brochura dedicada à reinauguração do Cine-Teatro Francisco Ventura, em Gavião, no ano de 1997; Cf. Francisco Ventura, Auto da Senhora da Rocha, Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, Lisboa, s/d [1978], badana esquerda e p. 4.

(26) Cf. Francisco Ventura, Auto da Senhora da Rocha, Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, Lisboa, s/d [1978], p. 143.

(27) Cf. Ibidem, badana esquerda do livro.

(28) “E poz-lhe as mãos na cara. Sepulveda, ao tempo, general da 1ª divisão militar, foi em pessoa commandar a força que havia de escoltar a Imagem, força que era quasi toda a divisão; tal era o receio do governo pela indignação dos povos do Jamor, que protestavam em altas vozes contra o mandato iniquo. Inda existem do facto testemunhas testemunhas presenciaes. Esta velha de Linda-a-Pastora chamava-se Maria Saloia. D’ella não ha descendentes. Tambem era conhecida pelo nome de Maria Galharda; talvez pelo denodo com que desfeiteou o general, que prohibiu aos soldados qualquer arremeço contra a galharda velha. Cremos que já não vive.” (Thomaz Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo…, p.55.)

(29) Ver arquivo fotográfico: fotos R095 e R096


BIBLIOGRAFIA

CHAGAS, Pinheiro, “As festas da Senhora da Rocha”, in Occidente, 11-10-1883, n.º 173, Vol. VI, pp. 226-229.

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VENTURA, Francisco, Auto da Senhora da Rocha, (manuscrito), Lisboa, 1977

VENTURA, Francisco, Auto da Senhora da Rocha, Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, Lisboa, [1978].


Queijas, 15 de Março de 2005
P. Alexandre Francisco Ferreira dos Santos

 

 

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