O programa iconográfico dos cinco vitrais de Queijas foi estruturado por mim próprio, sem a intervenção do pároco da Igreja. Porém, em dois deles não usei símbolos, mesmo que a sua intencionalidade religiosa esteja neles subjacente.
Refiro-me em primeiro lugar às quatro frestas na fachada principal, que por serem tão estreitas não me permitiram desenvolver um tema com maior densidade religiosa, limitando-me assim a organizar geometricamente estes vãos com base em barras diagonais, inclinadas a 45º, em contraste com a verticalidade dos elementos estruturais, em betão. Neste vitral usei vidro negro para marcar fortemente certos triângulos e, ainda, para acentuar as superfícies claras na parte superior, conferindo-lhe assim um sentido ascensional de ascese na procura da Luz em cima.
De todos, o vitral mais elementar é aquele que contorna a grande cruz aberta na parede, atrás do altar. Aqui o seu papel é muito simplesmente de criar vibração cromática em tomo desta cruz, que foi reforçada pelos arquitectos através de uma segunda cruz em ferro. [...].
No vitral maior, na torre da igreja, representei um enorme círculo, como símbolo da Plenitude Divina, como Consciência Superior expandindo-se em círculos concêntricos, em ondas, numa imagem que também poderá ser interpretada como expansão da Fé e da Verdade Divina. Por outro lado, tirando partido da assimetria do vitral na parte inferior, criei um ritmo de verticais, que poderão ser associadas a um cálice, com a marcação do pé e da base e, também, da taça superior. Neste caso, o círculo simbolizaria a Sagrada Hóstia. Esta segunda simbologia será mais evidente para quem descubra que representei uma cruz mais clara sobre os círculos concêntricos. Aliás, nestas intenções procurei ser subtil e não impor uma única visão espiritual, porque entendo que elas se completam e se reforçam, para quem as saiba descobrir e entender.
Mesmo para quem veja neste vitral uma simples temática cósmica, como metáfora da expansão do Universo, também ela faria aqui algum sentido, embora a marcação da cruz que corta os círculos lhe confira, quer se queira, quer não, um significado inequivocamente cristão.
O simbolismo do vitral junto ao baptistério é por demais evidente, baseado na água do Baptismo e num sentido cósmico, que julgo ser evidente ao representar um sol no centro, em expansão e ainda um arco-íris, uma nuvem, a água da chuva e em baixo a água do mar ou de um lago, cuja ondulação acompanha harmoniosamente o movimento de um fluxo solar.
Finalmente, o vitral na entrada da igreja. [...] Os dois temas simbólicos principais: o Fogo (a Fé) e o círculo como sua expansão, ou ainda como expansão da Consciência Divina.
Como subtemas deste último vitral deve ainda ser referida uma sucessão de triângulos, que crescem de baixo para cima e para o centro, como metáfora do crescimento interior. Obviamente, o triângulo poderá ser sempre interpretado como símbolo da Trindade, mas prefiro a simbologia anterior, dado o seu sentido ascensional e de evolução para a luz. Por último temos a espiral como símbolo do crescimento da vida e, por acréscimo, como desenvolvimento do espírito, tanto mais que ela se encontra inscrita no interior do círculo maior, aonde foi simbolizada a Consciência Divina.
Em termos plásticos, a composição deste último vitral, embora fortemente centrada, também se exprime pela inversão simétrica das faixas horizontais, que terminam em pontas de chamas. Esta simetria/assimetria cria uma dinâmica muito particular de rotação sobre o centro do círculo, como se se tratasse de um sol girando sobre si mesmo, expelindo energia do centro para a periferia. Não será a expansão da verdadeira Fé e o sentido pastoral da Igreja isso mesmo, um movimento centrífugo, expandindo-se de dentro para fora?
Fevereiro de 2000
Eduardo Nery