PARÓQUIA S. MIGUEL DE QUEIJAS

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Papa Francisco em Jerusalém

Francisco em Jerusalem1Peregrinação do Papa Francisco à Terra Santa
Por ocasião do 50º Aniversário do Encontro em Jerusalém entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras (24-26 de Maio de 2014).

26 de Maio de 2014:
Visita ao Grã-Mufti de Jerusalém no edifício do Grã-Conselho na Esplanada das Mesquitas; visita ao memorial de Yad Vashem a Jerusalém; Visita aos dois Grã-Rabinos de Israel no Centro Heichal Shlomo; Visita ao Presidente do Estado de Israel no Palácio Presidencial; Encontro com sacerdotes, religiosos e seminaristas na Igreja do Getsémani, Jardim das Oliveiras; Santa Missa na Sala do Cenáculo, em Jerusalém. Final da visita e regresso a Roma.


VISITA AO MEMORIAL DE YAD VASHEM
Jerusalém, 26 de Maio de 2014

Discurso do Papa Francisco

«Adão, onde estás?» (cf. Gen 3, 9). Onde estás, ó homem? Onde foste parar? Neste lugar, memorial do Shoah, ouvimos ressoar esta pergunta de Deus: «Adão, onde estás?».
Nesta pergunta, há toda a dor do Pai que perdeu o filho. O Pai conhecia o risco da liberdade; sabia que o filho teria podido perder-se... mas talvez nem mesmo o Pai podia imaginar uma tal queda, um tal abismo!
Aquele grito «onde estás?» ressoa aqui, perante a tragédia incomensurável do Holocausto, como uma voz que se perde num abismo sem fundo...

Homem, quem és? Já não te reconheço.
Quem és, ó homem? Quem te tornaste? De que horrores foste capaz?
Que foi que te fez cair tão baixo? Não foi o pó da terra, da qual foste tirado. O pó da terra é coisa boa, obra das minhas mãos.

Não foi o sopro de vida que insuflei nas tuas narinas. Aquele sopro vem de Mim, é algo muito bom (cf. Gen 2, 7).
Não, este abismo não pode ser somente obra tua, das tuas mãos, do teu coração... Quem te corrompeu? Quem te desfigurou? Quem te contagiou a presunção de te apoderares do bem e do mal?

Quem te convenceu que eras deus? Não só torturaste e assassinaste os teus irmãos, mas ofereceste-los em sacrifício a ti mesmo, porque te erigiste em deus. Hoje voltamos a ouvir aqui a voz de Deus: «Adão, onde estás?»
Da terra, levanta-se um gemido submisso: Tende piedade de nós, Senhor!

Para Vós, Senhor nosso Deus, a justiça; para nós, estampada no rosto a desonra, a vergonha (cf. Bar 1, 15).
Veio sobre nós um mal como nunca tinha acontecido sob a abóbada do céu (cf. Bar 2, 2). Agora, Senhor, escutai a nossa oração, escutai a nossa súplica, salvai-nos pela vossa misericórdia. Salvai-nos desta monstruosidade.
Senhor, todo-poderoso, uma alma, na sua angústia, clama por Vós. Escutai, Senhor, tende piedade! Pecamos contra Vós. Vós reinais para sempre (cf. Bar 3, 1-2).

Lembrai-Vos de nós na vossa misericórdia. Dai-nos a graça de nos envergonharmos daquilo que, como homens, fomos capazes de fazer, de nos envergonharmos desta máxima idolatria, de termos desprezado e destruído a nossa carne, aquela que Vós formastes da lama, aquela que vivificastes com o vosso sopro de vida.
Nunca mais, Senhor, nunca mais!

«Adão, onde estás?» Eis-nos aqui, Senhor, com a vergonha daquilo que o homem, criado à vossa imagem e semelhança, foi capaz de fazer.
Lembrai-Vos de nós na vossa misericórdia!

Jerusalém, 26 de Maio de 2014


VISITA AO GRÃ-MUFTI DE JERUSALÉM
Edifício do Grã-Conselho na Esplanada das Mesquitas
Jerusalém, 26 de Maio de 2014

Discurso do Papa Francisco

Excelência, Fiéis muçulmanos, Queridos amigos!
Estou grato por poder encontrar-vos neste lugar sagrado. De coração vos agradeço pelo amável convite que me quisestes fazer e, de modo particular, agradeço a Vossa Excelência e ao Presidente do Conselho Supremo Muçulmano.

Seguindo os passos dos meus Antecessores e, em particular, a luminosa esteira da viagem de Paulo VI há cinquenta anos – a primeira viagem de um Papa à Terra Santa –, desejei ardentemente vir como peregrino visitar os lugares que viram a presença terrena de Jesus Cristo. Mas esta minha peregrinação não seria completa, se não contemplasse também o encontro com as pessoas e as comunidades que vivem nesta Terra e, por isso, sinto-me particularmente feliz por me encontrar convosco, fiéis muçulmanos, irmãos amados.

Neste momento, o meu pensamento volta-se para a figura de Abraão, que viveu como peregrino nestas terras. Embora cada qual a seu modo, muçulmanos, cristãos e judeus reconhecem em Abraão um pai na fé e um grande exemplo a imitar. Ele fez-se peregrino, deixando o seu povo e a própria casa, para empreender aquela aventura espiritual a que Deus o chamava.

Um peregrino é uma pessoa que se faz pobre, que se põe a caminho, propende para uma grande e suspirada meta, vive da esperança duma promessa recebida (cf. Heb 11, 8-19). Esta foi a condição de Abraão, esta deveria ser também a nossa disposição espiritual. Não podemos jamais considerar-nos auto-suficientes, senhores da nossa vida; não podemos limitar-nos a ficar fechados, seguros nas nossas convicções. Diante do mistério de Deus, somos todos pobres, sentimos que devemos estar sempre prontos para sair de nós mesmos, dóceis à chamada que Deus nos dirige, abertos ao futuro que Ele quer construir para nós.

Nesta nossa peregrinação terrena, não estamos sozinhos: cruzamos o caminho de outros fiéis, às vezes partilhamos com eles um pedaço de estrada, outras vezes vivemos juntos uma pausa que nos revigora. Tal é o encontro de hoje, que vivo com particular gratidão: uma aprazível pausa comum, tornada possível pela vossa hospitalidade, naquela peregrinação que é a vida nossa e das nossas comunidades. Vivemos uma comunicação e um intercâmbio fraternos que podem revigorar-nos e dar-nos novas forças para enfrentar os desafios comuns que se nos apresentam pela frente.

Na realidade, não podemos esquecer que a peregrinação de Abraão foi também uma chamada para a justiça: Deus qui-lo testemunha do seu agir e seu imitador. Também nós queremos ser testemunhas do agir de Deus no mundo e por isso, precisamente neste nosso encontro, sentimos ressoar profundamente a chamada para sermos agentes de paz e de justiça, para implorarmos estes dons na oração e para aprendermos do Alto a misericórdia, a magnanimidade, a compaixão.

Amados irmãos, queridos amigos, a partir deste lugar santo, lanço um premente apelo a todas as pessoas e comunidades que se reconhecem em Abraão:
Respeitemo-nos e amemo-nos uns aos outros como irmãos e irmãs!

Aprendamos a compreender a dor do outro!
Ninguém instrumentalize, para a violência, o nome de Deus!
Trabalhemos juntos em prol da justiça e da paz!
Salam!

Jerusalém, 26 de Maio de 2014


VISITA AOS DOIS GRÃ-RABINOS DE ISRAEL
Centro Heichal Shlomo, perto da Grande Sinagoga de Jerusalém
Jerusalém, 26 de Maio de 2014

Discurso do Papa Francisco

Prezados Grã-Rabinos de Israel, Irmãos e irmãs!
Sinto-me particularmente feliz por poder encontrar-me convosco hoje: estou-vos agradecido pela recepção calorosa e pelas amáveis palavras de boas-vindas que me dirigistes.

Como sabeis, desde o tempo em que era Arcebispo de Buenos Aires, pude contar com a amizade de muitos irmãos judeus. Hoje estão aqui dois Rabinos amigos. Junto com eles, organizámos frutuosas iniciativas de encontro e diálogo e, com eles, vivi também significativos momentos de partilha no plano espiritual. Nos primeiros meses de pontificado, pude receber várias organizações e representantes do judaísmo mundial. Como já sucedia com os meus antecessores, são numerosos estes pedidos de encontro, vindo somar-se às muitas iniciativas que têm lugar a nível nacional ou local. Tudo isso atesta o desejo recíproco de nos conhecermos melhor, de nos ouvirmos, de construirmos vínculos de verdadeira fraternidade.

Este caminho de amizade constitui um dos frutos do Concílio Vaticano II, nomeadamente da Declaração Nostra aetate, que teve tanto peso e cujo cinquentenário recordaremos no próximo ano. Na realidade, estou convencido de que o sucedido durante as últimas décadas nas relações entre judeus e católicos tenha sido um verdadeiro dom de Deus, uma das maravilhas por Ele realizadas, pela qual somos chamados a bendizer o seu nome: «Louvai o Senhor dos senhores, / porque o seu amor é eterno! / Só Ele faz grandes maravilhas, / porque o seu amor é eterno!» (Sal 136, 3-4).

Mas é um dom de Deus que não poderia manifestar-se sem o empenho de muitíssimas pessoas corajosas e generosas, tanto judias como cristãs. Em particular, desejo mencionar aqui a importância assumida pelo diálogo entre o Grã-Rabinato de Israel e a Comissão da Santa Sé para as Relações Religiosas com o Judaísmo. Diálogo este, que, inspirado pela visita do Santo Padre João Paulo II à Terra Santa, teve início em 2002, encontrando-se já no décimo segundo ano de vida. Apraz-me pensar, a respeito do Bar Mitzvah da tradição judaica, que o mesmo já esteja próximo da idade adulta: tenho confiança que possa continuar e tenha um futuro brilhante pela frente.

Não se trata apenas de estabelecer, num plano humano, relações de respeito mútuo: somos chamados, como cristãos e como judeus, a interrogarmo-nos em profundidade sobre o significado espiritual do vínculo que nos une. É um vínculo que vem do Alto, ultrapassa a nossa vontade e permanece íntegro, não obstante todas as dificuldades de relacionamento vividas, infelizmente, na história.

Do lado católico, há seguramente a intenção de considerar plenamente o sentido das raízes judaicas da própria fé. Estou confiante, com a vossa ajuda, que também do lado judaico se mantenha e, se possível, aumente o interesse pelo conhecimento do cristianismo, mesmo nesta terra bendita onde o cristianismo reconhece as suas origens e, especialmente, entre as jovens gerações.

O conhecimento recíproco do nosso património espiritual, o apreço por aquilo que temos em comum e o respeito no que nos divide poderão servir de guia para o sucessivo desenvolvimento das nossas relações futuras, que entregamos nas mãos de Deus. Juntos, poderemos dar uma grande contribuição para a causa da paz; juntos, poderemos, num mundo em rápida mudança, testemunhar o significado perene do plano divino da criação; juntos, poderemos opor-nos, firmemente, a todas as formas de anti-semitismo e restantes formas de discriminação. O Senhor nos ajude a caminhar, com confiança e fortaleza de ânimo, pelas suas vias. Shalom!

Jerusalém, 26 de Maio de 2014


VISITA AO PRESIDENTE DO ESTADO DE ISRAEL
Palácio Presidencial, 26 de Maio de 2014

Discurso do Papa Francisco

Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas palavras e a sua hospitalidade. E, com a minha imaginação e fantasia, tinha vontade de inventar uma nova bem-aventurança, que aplicaria a mim mesmo hoje neste momento: «Feliz aquele que entra na casa de um homem sábio e bom». E eu sinto-me feliz. Verdadeiramente do coração lhe digo: Obrigado!

Senhor Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores!
Estou-lhe grato, Senhor Presidente, pela recepção que me reservou e pelas suas amáveis e sábias expressões de boas-vindas e sinto-me feliz por poder encontrá-lo de novo aqui em Jerusalém, cidade que guarda os Lugares Santos caros às três grandes religiões que adoram o Deus que chamou Abraão. Os Lugares Santos não são museus nem monumentos para turistas, mas lugares onde as comunidades dos crentes vivem a sua fé, a sua cultura, as suas iniciativas de caridade. Por isso, devem ser salvaguardados perpetuamente na sua sacralidade, protegendo assim não só o legado do passado, mas também as pessoas que os frequentam hoje e hão-de frequentá-los no futuro. Que Jerusalém seja verdadeiramente a Cidade da paz! Que resplandeçam plenamente a sua identidade e o seu carácter sagrado, o seu valor religioso e cultural universal, como tesouro para toda a humanidade! Como é belo quando os peregrinos e os residentes podem aceder livremente aos Lugares Santos e participar nas celebrações!

O Senhor Presidente é conhecido como homem de paz e artífice de paz. Exprimo-lhe o meu reconhecimento e a minha admiração por esta sua posição. A construção da paz exige, antes de mais nada, o respeito pela liberdade e a dignidade de cada pessoa humana, que judeus, cristãos e muçulmanos acreditam igualmente ser criada por Deus e destinada à vida eterna. A partir deste ponto firme que temos em comum, é possível prosseguir o compromisso por uma solução pacífica das controvérsias e conflitos. A este propósito, renovo os meus votos de que se evitem, por parte de todos, iniciativas e acções que contradizem a declarada vontade de chegar a um verdadeiro acordo e de que não nos cansemos de buscar a paz com determinação e coerência.

Há que rejeitar, firmemente, tudo o que se opõe à prossecução da paz e duma convivência respeitosa entre judeus, cristãos e muçulmanos: o recurso à violência e ao terrorismo, qualquer género de discriminação por motivos raciais ou religiosos, a pretensão de impor o próprio ponto de vista em detrimento dos direitos alheios, o anti-semitismo em todas as suas formas possíveis, bem como a violência ou as manifestações de intolerância contra pessoas ou lugares de culto judeus, cristãos e muçulmanos.

No Estado de Israel, vivem e actuam várias comunidades cristãs. Estas são parte integrante da sociedade e participam, a pleno título, das suas vicissitudes civis, políticas e culturais. Os fiéis cristãos desejam, a partir da própria identidade, prestar a sua contribuição para o bem comum e para a construção da paz, como cidadãos de pleno direito que, rejeitando todas as formas de extremismo, se comprometem a ser artífices de reconciliação e concórdia.

A sua presença e o respeito dos seus direitos – como aliás dos direitos de qualquer outra denominação religiosa e de todas as minorias – são garantia de um são pluralismo e prova da vitalidade dos valores democráticos, do seu real enraizamento na prática e na vida concreta do Estado.

O Senhor Presidente sabe que eu rezo por si, e eu sei que Vossa Excelência reza por mim, e asseguro-lhe incessante oração pelas Instituições e por todos os cidadãos de Israel. Asseguro de modo particular a minha constante súplica a Deus pela obtenção da paz e, com ela, dos bens inestimáveis que lhe estão intimamente ligados, tais como a segurança, a tranquilidade de vida, a prosperidade e – o bem mais belo – a fraternidade. Por fim, dirijo o meu pensamento a todos aqueles que sofrem as consequências das crises ainda abertas na região médio-oriental, para que o mais rápido possível sejam aliviadas as suas penas através de uma honrosa composição dos conflitos. Paz sobre Israel e em todo o Médio Oriente! Shalom!

Jerusalém, 26 de Maio de 2014


Encontro com os Sacerdotes, Religiosos e Seminaristas

Igreja do Getsémani, 26 de Maio de 2014

Discurso do Papa Francisco

«Saiu então e foi (...) para o Monte das Oliveiras. E os discípulos seguiram também com Ele» (Lc 22, 39).
Quando chega a hora marcada por Deus para salvar a humanidade da escravidão do pecado, Jesus retira-Se aqui, no Getsémani, ao pé do Monte das Oliveiras. Encontramo-nos neste lugar santo, santificado pela oração de Jesus, pela sua angústia, pelo seu suor de sangue; santificado sobretudo pelo seu «sim» à vontade amorosa do Pai. Quase sentimos temor de abeirar-nos dos sentimentos que Jesus experimentou naquela hora; entramos, em pontas de pés, naquele espaço interior, onde se decidiu o drama do mundo.

Naquela hora, Jesus sentiu a necessidade de rezar e ter perto d'Ele os seus discípulos, os seus amigos, que O tinham seguido e partilhado mais de perto a sua missão. Mas o seguimento aqui, no Getsémani, torna-se difícil e incerto; prevalecem a dúvida, o cansaço e o pavor. Na rápida sucessão dos eventos da paixão de Jesus, os discípulos assumirão diferentes atitudes perante o Mestre: atitudes de proximidade, de distanciamento, de incerteza.

Será bom para todos nós – bispos, sacerdotes, pessoas consagradas, seminaristas – perguntarmo-nos neste lugar: Quem sou eu perante o meu Senhor que sofre?
Sou daqueles que, convidados por Jesus a velar com Ele, adormecem e, em vez de rezar, procuram evadir-se fechando os olhos frente à realidade?
Ou reconheço-me naqueles que fugiram por medo, abandonando o Mestre na hora mais trágica da sua vida terrena? Porventura há em mim a hipocrisia, a falsidade daquele que O vendeu por trinta moedas, que fora chamado amigo e no entanto traiu Jesus?

Reconheço-me naqueles que foram fracos e O renegaram, como Pedro? Pouco antes, ele prometera a Jesus segui-Lo até à morte (cf. Lc 22, 33); depois, encurralado e dominado pelo medo, jura que não O conhece.
Assemelho-me àqueles que já organizavam a sua vida sem Ele, como os dois discípulos de Emaús, insensatos e de coração lento para acreditar nas palavras dos profetas (cf. Lc 24, 25)?

Ou então, graças a Deus, encontro-me entre aqueles que foram fiéis até ao fim, como a Virgem Maria e o apóstolo João? No Gólgota, quando tudo se torna escuro e toda a esperança parece extinta, somente o amor é mais forte que a morte. O amor de Mãe e do discípulo predilecto impele-os a permanecerem ao pé da cruz, para compartilhar até ao fundo o sofrimento de Jesus.

Reconheço-me naqueles que imitaram o seu Mestre até ao martírio, dando testemunho que Ele era tudo para eles, a força incomparável da sua missão e o horizonte último da sua vida?

A amizade de Jesus por nós, a sua fidelidade e a sua misericórdia são o dom inestimável que nos encoraja a continuar, com confiança, a segui-Lo, apesar das nossas quedas, dos nossos erros e também das nossas traições.
Todavia esta bondade do Senhor não nos isenta da vigilância frente ao tentador, ao pecado, ao mal e à traição que podem atravessar também a vida sacerdotal e religiosa. Todos nós estamos expostos ao pecado, ao mal, à traição. Sentimos a desproporção entre a grandeza da chamada de Jesus e a nossa pequenez, entre a sublimidade da missão e a nossa fragilidade humana. Mas o Senhor, na sua grande bondade e infinita misericórdia, sempre nos toma pela mão, para não nos afogarmos no mar do acabrunhamento. Ele está sempre ao nosso lado, nunca nos deixa sozinhos. Portanto, não nos deixemos vencer pelo medo e o desalento, mas, com coragem e confiança, sigamos em frente no nosso caminho e na nossa missão.

Vós, amados irmãos e irmãs, sois chamados a seguir o Senhor com alegria nesta Terra bendita! É um dom e também é uma responsabilidade. A vossa presença aqui é muito importante; toda a Igreja vos está agradecida e apoia com a oração. A partir deste lugar santo, desejo além disso dirigir uma saudação carinhosa a todos os cristãos de Jerusalém: quero assegurar que os recordo com afecto e que rezo por eles, bem ciente de quão difícil é a sua vida na cidade. Exorto-os a serem testemunhas corajosas da Paixão do Senhor, mas também da sua Ressurreição, com alegria e esperança.

Imitemos a Virgem Maria e São João, permanecendo junto das muitas cruzes onde Jesus ainda está crucificado. Esta é a estrada pela qual o nosso Redentor nos chama a segui-Lo: não há outra, é esta!
«Se alguém Me serve, que Me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo» (Jo 12, 26).

Jerusalém, 26 de Maio de 2014


Missa na Sala do Cenáculo

Missa com os Ordinários da Terra Santa e com a Comitiva Papal
Sala do Cenáculo – Jerusalém, 26 de Maio de 2014

Homilia do Papa Francisco

É um grande dom que nos concede o Senhor, ao reunir-nos aqui, no Cenáculo, para celebrar a Eucaristia. Ao mesmo tempo que vos saúdo com fraterna alegria, penso afectuosamente nos Patriarcas Orientais Católicos que, nestes dias, tomaram parte na minha peregrinação. Desejo agradecer-lhes pela sua significativa presença, particularmente preciosa para mim, e asseguro que ocupam um lugar especial no meu coração e na minha oração. Aqui, onde Jesus comeu a Última Ceia com os Apóstolos; onde, ressuscitado, apareceu no meio deles; onde o Espírito Santo desceu poderosamente sobre Maria e os discípulos, aqui nasceu a Igreja, e nasceu em saída. Daqui partiu, com o Pão repartido nas mãos, as chagas de Jesus nos olhos e o Espírito de amor no coração.

Jesus ressuscitado, enviado pelo Pai, no Cenáculo comunicou aos Apóstolos o seu próprio Espírito e, com a sua força, enviou-os a renovar a face da terra (cf. Sal 104, 30).

Sair, partir, não quer dizer esquecer. A Igreja em saída guarda a memória daquilo que aconteceu aqui; o Espírito Paráclito recorda-lhe cada palavra, cada gesto, e revela o seu significado.

O Cenáculo recorda-nos o serviço, o lava-pés que Jesus realizou, como exemplo para os seus discípulos. Lavar os pés uns aos outros significa acolher-se, aceitar-se, amar-se, servir-se reciprocamente. Quer dizer servir o pobre, o doente, o marginalizado, a pessoa que me é antipática, aquela que me dá fastídio.

O Cenáculo recorda-nos, com a Eucaristia, o sacrifício. Em cada celebração eucarística, Jesus oferece-Se por nós ao Pai, para que também nós possamos unir-nos a Ele, oferecendo a Deus a nossa vida, o nosso trabalho, as nossas alegrias e as nossas penas..., oferecer tudo em sacrifício espiritual.

E o Cenáculo recorda-nos também a amizade. «Já não vos chamo servos – disse Jesus aos Doze – (...) mas a vós chamei-vos amigos» (Jo 15, 15). O Senhor faz de nós seus amigos, confia-nos a vontade do Pai e dá-Se-nos a Si mesmo. Esta é a experiência mais bela do cristão e, de modo particular, do sacerdote: tornar-se amigo do Senhor Jesus, e descobrir no seu coração que Ele é amigo.

O Cenáculo recorda-nos a despedida do Mestre e a promessa de reencontrar-se com os seus amigos: «Quando Eu tiver ido (...), virei novamente e hei-de levar-vos para junto de Mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também» (Jo 14, 3). Jesus não nos deixa, nunca nos abandona, vai à nossa frente para a casa do Pai; e, para lá, nos quer levar consigo.

Mas, o Cenáculo recorda também a mesquinhez, a curiosidade – «quem é o traidor?» – a traição. E reproduzir na vida estas atitudes não sucede só nem sempre aos outros, mas pode suceder a cada um de nós, quando olhamos com desdém o irmão e o julgamos; quando, com os nossos pecados, atraiçoamos Jesus.

O Cenáculo recorda-nos a partilha, a fraternidade, a harmonia, a paz entre nós. Quanto amor, quanto bem jorrou do Cenáculo! Quanta caridade saiu daqui como um rio da sua fonte, que, ao princípio, é um ribeiro e depois se alarga e torna grande... Todos os santos beberam daqui; o grande rio da santidade da Igreja, sempre sem cessar, tem origem daqui, do Coração de Cristo, da Eucaristia, do seu Santo Espírito.

Finalmente, o Cenáculo recorda-nos o nascimento da nova família, a Igreja, a nossa santa mãe Igreja hierárquica, constituída por Jesus ressuscitado. Família esta, que tem uma Mãe, a Virgem Maria. As famílias cristãs pertencem a esta grande família e, nela, encontram luz e força para caminhar e se renovar no meio das fadigas e provações da vida. Para esta grande família, estão convidados e chamados todos os filhos de Deus de cada povo e língua, todos irmãos e filhos do único Pai que está nos céus.

Este é o horizonte do Cenáculo: o horizonte do Ressuscitado e da Igreja.
Daqui parte a Igreja em saída, animada pelo sopro vital do Espírito. Reunida em oração com a Mãe de Jesus, ela sempre revive a espera de uma renovada efusão do Espírito Santo: Desça o vosso Espírito, Senhor, e renove a face da terra (cf. Sal 104, 30)!

Jerusalém, 26-05-2014

 

 

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