A morte passou por aqui?
A Páscoa judaico-cristã relembra e celebra a passagem da escravidão para a liberdade, é ressurreição, reencontro, perdão, é vida nova. Como Cristo venceu a morte e está vivo no meio de nós para sempre, também eu acredito que a morte não existe. Existe, sim, a partida da vida.
A MORTE PASSOU POR AQUI?
Estar vivo é tão real, palpável, verdadeiro, presente e omnipresente como não o estar.
A morte não existe porque, em boa verdade, acredito que o que acontece é o deixar de estar físico nesta vida que nos une. Por laços bem apertados familiares, profissionais, sociais, universais.
A morte não existe! O que existe é a partida da vida. Da mesma maneira que a escuridão não existe, o que existe é a ausência de luz. O mal não existe, o que existe é a ausência do bem. O ódio e a ira não existem, o que existe é a ausência do amor, da compreensão, da alegria, da aceitação de si mesmo e dos outros.
Pois aquela que passou por aqui e tentou fazer-me acreditar, convencer, e que me bateu à porta, não existe. Eu não a abri porque ela não existe. Não conversei com ela. Não negociei com ela. Ofereci-lhe um NÃO redondo. Tu não existes! Em tudo o que depender de mim, não entras. E o Pai de amor e bondade, os meus Anjos guardiães, vão-me ajudar a tirar do meu bolso mais fundo, mais forte e poderoso, o instinto de sobrevivência para enfrentar, com bondade, aquele frio por todo o corpo que tudo congela e que a partida daquela vida me possa fazer sentir. É permitir-me o não abrir a porta que leva essa mesma vida e me deixa plantado à mesa-de-cabeceira de quem amo. É evitar ter que me despedir de uma vida tão linda, tão bela, mas que não me pertence, não te pertence, é dela e só dela. Não permito que te instales confortável na beira da cama daquele cuja vida vieste, se existisses, tentar abraçar. Tal mãe, pai, irmão, amigo... que vela, que a tudo recorre para confortar aquele que mais ama, cujo sofrimento corrói, não fora o entrar de um pingo da luz Divina, já instalada no seu íntimo.
Citando um dos maiores escritores de língua portuguesa de sempre, o brasileiro João Guimarães Rosa, permitam-me acrescentar – após rever o filme da sua existência- que "As pessoas não morrem. Voltam a ficar encantadas". O que acontece, quando dizem que a morte passou por aqui, foi afinal apenas a vida que embarcou. E nessas alturas temos mesmo que dizer até breve, até já ou até lá.
Àqueles que dizem que a morte bateu à porta, respondo: Só a vida existe. Só ela é geradora da energia que nos faz compreender que cada ser tem o seu código de barras e, mesmo que clonado, é um segundo código genético que é gerado e vem de lá, estará aqui e para lá irá voltar.
Raciocinar. Descobrir que estamos aqui para crescer, com uma missão – a de evoluir, compreender, questionar e estudar, sempre.
Que responsabilidade esta! Que alegria profusa, mas confusa, esta. Porque afinal SIM, algo existe: a saudade que fica quando a vida parte! As lágrimas que correm, ou não, quando a vida parte! O abandono do corpo que nele habita, quando a vida parte.
A morte não passou por aqui. O que passou foi a mensagem da responsabilidade de procurar esta e outras verdades, ou mentiras, que são a ausência de umas outras tantas verdades. Ir cada qual no seu lugar e caminhar, tal transformação na natureza, uma caminhada lenta, mas segura, com olhos postos na sua meta, na sua VERDADE para aceitar, a de cada um.
Tentar compreender que a mentira não é mais que a ausência de uma verdade.
Que a fome não é mais que a ausência de alimento.
Que a guerra é só mesmo a ausência da paz.
Que a ganância é principalmente a ausência de consciência da existência do outro.
Que a doença é a ausência da saúde que se previne e combate.
Que a dor é a ausência de harmonia.
Que a falta de entendimento é só mesmo a falta de estudo.
Que o silêncio é a falta de som.
Que a solidão é a falta de diálogo.
Que a revolta e a discussão é só o eu perdido a tentar encontrar-se a si e aos outros.
Que a morte não passa por aqui pois é a vida, mesmo que seja uma parte da nossa vida, que parte.
Mas que a SAUDADE fica... Ai isso, FICA!
Miguel dos Anjos Simões