V Domingo da Quaresma A
A Liturgia da Palavra deste quinto Domingo da Quaresma garante que o desígnio de Deus é a comunicação de uma vida que ultrapassa definitivamente a vida terrena: é a vida definitiva que supera a morte.
Na primeira leitura, Deus oferece ao seu Povo uma Vida Nova. O Povo, exilado na Babilónia, desesperado e sem futuro, vivia uma situação de Morte. O profeta Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmite-lhes a certeza de que o Deus libertador e salvador não os abandona.
O texto apresenta a famosa visão dos ossos ressequidos. O Espírito do Senhor sopra sobre eles e eles ganham vida. Deus vai transformar a morte em vida, o desespero em esperança, a escravidão em libertação. Também nós passamos por situações de morte. Quais são as situações de morte na nossa vida, que precisam do sopro do Espírito de Deus, para que se transformem em vida, alegria, certeza, esperança?
A segunda leitura lembra-nos que, no dia do nosso Baptismo, optámos por Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-nos, assim, a sermos coerentes com essa escolha, a fazermos as obras de Deus e a vivermos “segundo o Espírito”.
O Evangelho apresenta-nos Jesus como o “Senhor da Vida”. Garante-nos que Ele veio realizar o desígnio de Deus e dar aos homens a vida definitiva. Ser “amigo” de Jesus e aderir à sua proposta, é entrar na vida definitiva. Os crentes que vivem deste jeito experimentam a morte física; mas não estão mortos: vivem para sempre em Deus.
Primeira Leitura (Ez 37,12-14)
Leitura da Profecia de Ezequiel
Assim fala o Senhor Deus:
«Vou abrir os vossos túmulos
e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo,
para vos reconduzir à terra de Israel.
Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor,
quando abrir os vossos túmulos
e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo.
Infundirei em vós o meu espírito e revivereis.
Hei-de fixar-vos na vossa terra
e reconhecereis que Eu, o Senhor, o disse e o executarei».
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 129 (130)
Refrão: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.
Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor,
Senhor, escutai a minha voz.
Estejam os vossos ouvidos atentos
à voz da minha súplica.
Se tiverdes em conta as nossas faltas,
Senhor, quem poderá salvar-se?
Mas em Vós está o perdão,
para Vos servirmos com reverência.
Eu confio no Senhor,
a minha alma espera na sua palavra.
A minha alma espera pelo Senhor
mais do que as sentinelas pela aurora.
Porque no Senhor está a misericórdia
e com Ele abundante redenção.
Ele há-de libertar Israel
de todas as suas faltas.
Segunda Leitura (Rom 8,8-11)
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus.
Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito,
se é que o Espírito de Deus habita em vós.
Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo,
não Lhe pertence.
Se Cristo está em vós,
embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado,
o espírito permanece vivo por causa da justiça.
E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos
habita em vós,
Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos,
também dará vida aos vossos corpos mortais,
pelo seu Espírito que habita em vós.
EVANGELHO (Jo 11,1-45)
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
estava doente certo homem, Lázaro de Betânia,
aldeia de Marta e de Maria, sua irmã.
Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume
e Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos.
Era seu irmão Lázaro que estava doente.
As irmãs mandaram então dizer a Jesus:
«Senhor, o teu amigo está doente».
Ouvindo isto, Jesus disse:
«Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus,
para que por ela seja glorificado o Filho do homem».
Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro.
Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente,
ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava.
Depois disse aos discípulos:
«Vamos de novo para a Judeia».
Os discípulos disseram-Lhe:
«Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te e voltas para lá?»
Jesus respondeu:
«Não são doze as horas do dia?
Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo.
Mas se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo».
Dito isto, acrescentou:
«O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo».
Disseram então os discípulos:
«Senhor, se dorme, está salvo».
Jesus referia-se à morte de Lázaro, mas eles entenderam que falava do sono natural.
Disse-lhes então Jesus abertamente:
«Lázaro morreu; por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá, para que acrediteis.
Mas, vamos ter com ele».
Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros:
«Vamos nós também, para morrermos com Ele».
Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias.
Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilómetros.
Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria,
para lhes apresentar condolências pela morte do irmão.
Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar, Marta saiu ao seu encontro,
enquanto Maria ficou sentada em casa.
Marta disse a Jesus:
«Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido.
Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá».
Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará».
Marta respondeu:
«Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição, no último dia».
Disse-lhe Jesus:
«Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim,
ainda que tenha morrido, viverá;
E todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?»
Disse-Lhe Marta:
«Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo».
Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria, a quem disse em segredo:
«O Mestre está ali e manda-te chamar».
Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus.
Jesus ainda não tinha chegado à aldeia,
mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro.
Então os judeus que estavam com Maria em casa para lhe apresentar condolências,
ao verem-na levantar-se e sair rapidamente,
seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar.
Quando chegou aonde estava Jesus,
Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe:
«Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido».
Jesus, ao vê-la chorar, e vendo chorar também os judeus que vinham com ela,
comoveu-Se profundamente e perturbou-Se.
Depois perguntou: «Onde o pusestes?»
Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor».
E Jesus chorou.
Diziam então os judeus: «Vede como era seu amigo».
Mas alguns deles observaram:
«Então Ele, que abriu os olhos ao cego,
não podia também ter feito que este homem não morresse?»
Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo.
Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada.
Disse Jesus: «Tirai a pedra».
Respondeu Marta, irmã do morto:
«Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias».
Disse Jesus:
«Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?»
Tiraram então a pedra.
Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse:
«Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves,
mas falei assim por causa da multidão que nos cerca,
para acreditarem que Tu Me enviaste».
Dito isto, bradou com voz forte:
«Lázaro, sai para fora».
O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras
e o rosto envolvido num sudário.
Disse-lhes Jesus:
«Desligai-o e deixai-o ir».
Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria,
ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.
A questão principal do Evangelho deste domingo é a afirmação de que não há morte para os “amigos” de Jesus. Os “amigos” de Jesus experimentam a morte física, mas essa morte não é destruição e aniquilação total, mas apenas passagem para a vida definitiva junto de Deus. A história de Lázaro pretende representar esta realidade.
• No dia do nosso Baptismo, escolhemos essa vida plena e definitiva que Jesus nos ofereceu. Tem sido coerente a nossa vida com esta opção? A nossa existência não corresponderá tantas vezes com uma atitude egoísta e fechada, ou terá ela uma marca de amor, de partilha, de dom da vida, que aponta para a realização plena do homem e para a vida eterna?
• Ao longo da nossa existência, convivemos com situações em que somos tocados pela morte física daqueles a quem amamos… É natural que fiquemos tristes pela sua partida. A nossa fé convida-nos, no entanto, a ter a certeza de que os “amigos” apenas encontraram a vida definitiva, longe da debilidade e da finitude humanas.
• Diante da certeza que a fé nos dá, somos convidados a viver uma vida sem medo. O medo da morte como aniquilamento total torna o homem cauteloso e impotente face à opressão e ao poder dos opressores; mas libertando-nos do medo da morte, Jesus torna-nos livres e capacita-nos para gastar a vida ao serviço dos irmãos, lutando generosamente contra tudo aquilo que oprime e que rouba ao homem a vida plena.
Testemunho
«Disse Jesus: ‘Tirai a pedra’.» (Jo 11,39)
Depois de um incêndio numa floresta a morte ganha uma expressão visual tremenda. A aflição do fogo devorador dá lugar ao silêncio e ao coração apertado. Lembro-me de ter andado, há anos, pelo meio de cinzas e arbustos carbonizados depois um incêndio na serra da Arrábida. O céu azul e o sol pareciam envergonhados perante aquela desolação. Mas, de repente, por entre o negro e a cinza, junto a um tronco queimado, um rebento verde ousava desafiar aquele espectáculo de morte. Frágil, aparentemente impotente, era um grito de vida espantoso. Como me lembro tanto do poema do Sebastião da Gama que começa assim: “Que a Morte, quando vier, / não venha matar um morto”!
Há mortes e mortes, e cada uma é única, e todas nos incomodam. Não temos palavras para esses momentos. O abraço, as lágrimas, as mãos apertadas trocam-se em silêncio. Não é a presença a melhor palavra de amor e comunhão? Verdadeiramente não nos habituaremos à morte (e ainda bem, porque ela não é o nosso fim) mas como abraçamos a vida? Como juntamos forças para retirar as pedras que fazem sepulcros antes de tempo? O que fazemos para vencer o desânimo que deixa cair os braços ou fecha cada um no seu casulo? Que ressurreições estão ao nosso alcance?
Por entre a burocracia em que se transformou, por exemplo, muito do esforço de educar, há testemunhos de quem não se acomoda à exigência dos números ou dos papéis. Procuram “tirar as pedras” que encerram capacidades, energias, confiança, sonhos, valor próprio, de tantas crianças e jovens. Um de cada vez, à maneira de madre Teresa de Calcutá e de Jesus (que ligava pouco a números, excepto na compaixão por todos), aproximando-se com a delicadeza que a “raposa” ensinou ao “Principezinho”, talvez até sentando-se no chão em companhia inesperada, agem para evitar a ”morte anunciada” de meninos e meninas pouco amados. Não pedem nada em troca, dói-lhes apenas a “funcionalização” do educar, como se fosse mais uma pequena “morte”. Ressuscitar é acção de Deus, mas reanimar, restaurar a confiança, levantar quem caiu, promover quem é excluído, recriar a dignidade e o valor que cada pessoa tem, procurar em comum razões de esperança e de vida, tudo isto é tarefa nossa!
Gosto deste pedido de Jesus: “Tirai a pedra”! Ainda que “já cheire mal” (quando tudo já parece perdido), é preciso “ser vivo” até ao fim. Pedras de indiferença e exclusão, de egoísmo e autosuficiência. Pedras de dentro e de fora. Ressuscitar não é uma tarefa solitária: precisamos de Deus e também Ele precisa de nós!
P. Vítor Gonçalves
«Nós Te damos graças, Senhor, Pai Santo, por Cristo nosso Senhor,
O qual, homem mortal como nós que chorou pelo seu amigo Lázaro,
e Deus e Senhor da Vida que o levantou do sepulcro,
estende hoje a sua compaixão a todos os homens
e por meio dos sacramentos restaura-os para uma vida nova.»
Através da fé e do baptismo no teu Espírito,
chamaste-nos a uma esperança sólida,
de vida e ressurreição com Cristo.
Bendito sejais, Senhor!
Assim entendemos que somos seres para a Vida
que brota incomensurável do teu coração de Pai que nos ama.
A morte já não é o fim do caminho nem a última palavra,
porque Tu Jesus és ressurreição e vida para quem em Ti acredita.
Amen.
TU ÉS VIDA PARA AS NOSSAS MORTES
Tu também choras a morte de um amigo,
também Te doem as dificuldades da vida.
Tu sabes bem o que são maus momentos
e a força do amor para os suavizar.
Sabes também como nos deixamos abater perante as contrariedades
e perante as situações que não entendemos.
Precisamos de ter o controlo sobre as coisas,
os acontecimentos e as pessoas,
e sentir-nos tão vulneráveis nos assusta e desespera.
Dizes que se tivéssemos fé nada nos seria impossível,
mas a morte... não podemos entendê-la,
ultrapassa-nos e separa-nos dos nossos.
Queremos acreditar que, para lá de toda a situação dolorosa,
há vida, que nos encontraremos depois, na casa do Pai;
que somos finitos e, por isso,
devemos ir-nos separando uns dos outros
e que Tu nos ajudarás a superar a dor da separação.
A Marta e Maria não lhes devolveste só o irmão,
mas o alívio, a coragem e a vitalidade pessoal.
É isso que temos de saber deixar que faças em nós,
cada vez que vivemos uma morte,
uma dor, uma dificuldade aparentemente insuperável.
ConTigo a vida é muito mais suportável.
A Tua presença põe-nos em contacto com todos os recursos pessoais
e tira o que há de melhor nuns e noutros.
Põe em circulação o amor que nos facilita a vida,
que nos faz poder com o que é quase impossível.
Tu, Senhor, és bálsamo para as nossas feridas,
ressurreição para as nossas mortes,
saúde para as nossas doenças,
consolação para os nossos desamores,
aceitação para os nossos fracassos.
Tu robusteces a nossa parte de Marta e de Maria,
a nossa capacidade activa tanto como a contemplativa.
Tu ensinas-nos a ser amigos, companheiros,
a humanizar e consolar.
Põe palavras na nossa boca
para partilhar alegrias e penas,
para expressar o amor conTigo
e como Tu.
(Álvaro Ginel e Mari Ayerra)