VI Domingo da Páscoa A
A liturgia deste VI Domingo da Páscoa convida-nos a descobrir a presença de Deus na caminhada histórica da Igreja. A promessa de Jesus – "não vos deixarei órfãos" – pode ser uma boa síntese do tema.
A primeira leitura mostra o início da missão evangelizadora da Igreja, fora de Jerusalém. Os Apóstolos Pedro e João são enviados à Samaria, para completar a Iniciação cristã realizada pelo Diácono Filipe conferindo o Dom do Espírito Santo aos recém-baptizados, através do gesto da imposição das mãos.
Na segunda leitura São Pedro exorta os cristãos à fidelidade aos compromissos assumidos com Cristo no Baptismo. Cristo, que fez da sua vida um dom de amor a todos, deve ser o modelo que os cristãos têm sempre diante dos olhos.
O Evangelho apresenta-nos parte do "testamento" de Jesus, na ceia de Quinta-feira Santa. Aos discípulos, inquietos e assustados, Jesus promete o "Paráclito": Ele conduzirá a comunidade cristã em direcção à verdade e levá-la-á a uma comunhão cada vez mais íntima com Jesus e com o Pai. Dessa forma, a comunidade será a "morada de Deus" no mundo e dará testemunho da salvação que Deus quer oferecer aos homens.
Leitura dos Actos dos Apóstolos
Naqueles dias,
Filipe desceu a uma cidade da Samaria
e começou a pregar o Messias àquela gente.
As multidões aderiam unanimemente às palavras de Filipe,
ao ouvi-las e ao ver os milagres que fazia.
De muitos possessos saíam espíritos impuros,
soltando enormes gritos,
e numerosos paralíticos e coxos foram curados.
E houve muita alegria naquela cidade.
Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém
ouviram dizer que a Samaria recebera a palavra de Deus,
enviaram lhes Pedro e João.
Quando chegaram lá, rezaram pelos samaritanos,
para que recebessem o Espírito Santo,
que ainda não tinha descido sobre eles.
Então impunham lhes as mãos
e eles recebiam o Espírito Santo.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 65 (66)
Refrão: A terra inteira aclame o Senhor.
Aclamai a Deus, terra inteira,
cantai a glória do seu nome,
celebrai os seus louvores,
dizei a Deus: «Maravilhosas são as vossas obras».
«A terra inteira Vos adore e celebre,
entoe hinos ao vosso nome».
Vinde contemplar as obras de Deus,
admirável na sua acção pelos homens.
Todos os que temeis a Deus, vinde e ouvi,
vou narrar vos quanto Ele fez por mim.
Bendito seja Deus que não rejeitou a minha prece,
nem me retirou a sua misericórdia.
Leitura da Primeira Epístola de São Pedro
Caríssimos:
Venerai Cristo Senhor em vossos corações,
prontos sempre a responder, a quem quer que seja,
sobre a razão da vossa esperança.
Mas seja com brandura e respeito,
conservando uma boa consciência,
para que, naquilo mesmo em que fordes caluniados,
sejam confundidos os que dizem mal
do vosso bom procedimento em Cristo.
Mais vale padecer por fazer o bem,
se for essa a vontade de Deus,
do que por fazer o mal.
Na verdade, Cristo morreu uma só vez pelos nossos pecados
o Justo pelos injustos
para nos conduzir a Deus.
Morreu segundo a carne, mas voltou à vida pelo Espírito.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos.
E Eu pedirei ao Pai, que vos dará outro Defensor,
para estar sempre convosco:
o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber,
porque não O vê nem O conhece,
mas que vós conheceis,
porque habita convosco e está em vós.
Não vos deixarei órfãos: voltarei para junto de vós.
Daqui a pouco o mundo já não Me verá,
mas vós ver-Me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis.
Nesse dia reconhecereis que Eu estou no Pai
e que vós estais em Mim e Eu em vós.
Se alguém aceita os meus mandamentos e os cumpre,
esse realmente Me ama.
E quem Me ama será amado por meu Pai
e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele».
Cheios de confiança na promessa de Jesus
de enviar o Espírito Santo aos seus Apóstolos,
supliquemos a Deus Pai que O envie à sua Igreja,
dizendo, com fé:
R./ Abençoai, Senhor, a vossa Igreja.
1. Pelos bispos, que confirmam a fé da Igreja,
pelos presbíteros, que apascentam os fiéis,
e pelos diáconos, que exercem a caridade, oremos.
2. Pelos fiéis que anunciam Jesus Cristo,
pelos que foram baptizados em adultos
e pelos que vão ser confirmados nestes dias, oremos.
3. Pelos leitores, que proclamam a Palavra,
pelos acólitos, que servem ao altar,
e pelos salmistas, que louvam o Senhor, oremos.
4. Por todos os que trazem Deus no coração,
pelas religiosas de vida contemplativa
e por aquelas que cuidam dos mais pobres, oremos.
5. Pelos que abrem o coração ao dom do Espírito,
pelos que sabem dar a razão da sua esperança
e por esta comunidade paroquial que adora a Cristo, oremos
6. Por todos os que sofrem as consequências da actual pandemia,
para que Deus nosso Senhor, conceda a cura aos enfermos,
Força aos que trabalham na saúde, conforto às famílias
e a salvação a todos as vítimas mortais, oremos.
Deus Pai de Misericórdia,
que destes a estes vossos filhos
a graça de reconhecerem que os amais,
enviai-nos do Céu o vosso Espírito,
para que seja nosso defensor e nosso guia.
Por Cristo, nosso Senhor.
Ressonâncias
Não vos deixarei desamparados. Curiosa a pedagogia de Jesus: confirmar os seus na tranquilidade. Que é que nos dá tranquilidade? Não nos sentirmos sozinhos. A solidão é uma das maiores ameaças que sofremos. Quando nos sentimos sós e não sabemos onde nos agarrar nem a quem recorrer; tudo abana à nossa volta.
Jesus experimentou a solidão e por isso pode "dar lições" aos discípulos para a enfrentarem. Para enfrentar a solidão é necessário sentir-se amado e amar. Amar é permanecer na palavra de alguém e tornar viva a palavra de alguém na nossa vida. Saber-nos amados e ter alguém a quem amar é antídoto para a solidão. É a experiência de Jesus em todo o seu ministério: sente-Se unido ao Pai que O ama e vive fazendo n'Ele vida a palavra que o Pai Lhe confiou.
A segunda condição para afugentar a solidão é viver numa promessa. Não vos deixarei sós. Para quem ama até ao extremo, é impossível esquecer, deixar só a quem se ama. O amor não abandona. O amor é sempre companhia. Hoje muitos homens e mulheres experimentam o abandono do amor e não compreendem como se pôde falar em amor se um dia adveio o abandono... Uma dor imensa atravessa a alma de muitas pessoas ao sentirem-se enganadas: não havia amor verdadeiro onde parecia haver amor. Hoje, como crentes, encontramo-nos com a palavra tranquilizadora de Jesus: Amo-vos tanto que não vos posso abandonar.
Pai nosso, que nos enches de Amor,
envia-nos, repletos de Ti, aos irmãos,
para criar relações quentes,
para provocar encontro e bem-estar,
para ser fermento de austeridade
na nossa sociedade consumista,
para fomentar a ecologia
num mundo que estamos a destruir,
para contagiar tranquilidade
aos nossos ambientes de pressas e agitações,
para transmitir fortaleza a
tantos que vivem cheios de medos,
para encher de simplicidade e acolhimento
tantos que complicam demasiado a vida,
para encher com a tua ternura
um mundo dividido entre norte e sul,
fragmentado entre ricos e pobres,
necessitados do teu Amor e da tua presença.
Amen.
• Procura agir hoje como o faria Jesus, se vivesse dentro da tua pessoa.
• Olha contemplativamente para a vida das pessoas e reza por todas.
• Procura corrigir as atitudes anti-evangélicas, que por vezes despontam na tua vida.
«O Espírito da verdade...
habita convosco e está em vós.» (Jo 14, 17)
O manual de instruções
Quem ainda nunca sentiu o fascínio que é montar um móvel comprado na IKEA (passe a publicidade)? Começa logo na escolha das inúmeras possibilidades de combinações e a promessa de cada um poder ser um verdadeiro carpinteiro e decorador. Depois é a aventura de seguir, passo a passo, as instruções do manual como se fosse um livro mágico que, de placas e parafusos caóticos, convida a criar a obra-prima que poderemos apresentar aos amigos (ou obriga a telefonar a quem entenda porque a mesa se transformou em estante!). Alguém já lhe chamou o "lego" dos adultos, capaz de devolver uma certa nostalgia perdida de cada um dar um toque pessoal até àquilo que reveste a sua casa. Os materiais podem não ser muito duráveis, mas isso também tem o aliciante de uma renovação de tempos a tempos.
Maravilha-me o tempo pascal porque ele nos remete sempre aos tempos iniciais da Igreja e da criação das primeiras comunidades. De como com aqueles materiais frágeis dos discípulos e até dos seus erros e pecados Deus foi consolidando comunidades irradiadoras da Boa Nova. Foram também as circunstâncias que criaram possibilidades de novos serviços e até as perseguições ajudaram a não enclausurar o evangelho. E, tudo isto, sem um manual de instruções! Ou melhor, descobrindo que o verdadeiro manual de instruções se chama Espírito Santo. Os materiais eram e são simples: a vida vivida com autenticidade, os mandamentos de Jesus acolhidos e cumpridos, o respeito e a liberdade perante a tradição, o amor a consolidar tudo. E o Espírito da verdade a habitar connosco e em nós.
Por isso, pior que o erro e o engano é aprisionar a liberdade de escolher, é aguentar uma "meia-vida" porque "tem de ser" e não aceitar que se errou e é possível uma transformação. São Pedro seria, na lógica de muitas organizações, uma improvável escolha para a missão de "confirmar os irmãos na fé". Claro que o Espírito da verdade o ajudou a trazer ao de cima do coração e da boca o que nele era essencial: "Senhor, sabes tudo, bem sabes que te amo!". Nele se confirma a sábia frase que o filme "Encontrarás dragões" (sobre a guerra civil espanhola e os primeiros anos da vida de S. Josemaria Escrivá) apresenta nos seus cartazes: "Todos os santos têm um passado". Falta acrescentar a segunda parte: "E todos os pecadores, um futuro"!
Acreditar que o Espírito Santo é "manual de instruções" para a Igreja e para a vida de cada cristão é assumir a sua escuta como tarefa quotidiana e encarar os erros como novas possibilidades de construção. Não somos "pau para toda a colher", não temos os dons todos nem somos capazes de tudo. Mas aquilo que damos com alegria Deus sabe multiplicar. E, como diz um amigo meu:" Sei que, ainda que erre no meu caminho, Deus não desistirá de me chamar à vida em plenitude!"